Acórdão nº 21/20.7BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | JORGE PELICANO |
Data da Resolução | 09 de Setembro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: A Federação Portuguesa de Futebol vem recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no âmbito do processo n.º 43/2019, que concedeu provimento ao recurso intentado pelo Recorrido J… do acórdão de 09/07/2019, proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que o condenou na sanção disciplinar de noventa dias de suspensão, acrescido de multa no valor de onze mil quatrocentos e oitenta euros.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: 1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitrai proferido pelo Colégio Arbitrai constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto, notificado em 6 de fevereiro de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º 43/2019.
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Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitrai (por maioria) em anular as sanções de suspensão e multa aplicadas pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º 73 - 2018/2019, que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 136.º, n.º 1 e 4 por referência ao artigo 112.º, n.º 1, todos do RD da LPFP.
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O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.
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Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
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A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
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Assim, quando analisado o artigo 112.º, aplicável ex vi artigo 136.º, do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
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Por outro lado, não se pode olvidar que o Recorrido tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
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O Recorrido tem, nomeadamente, o dever de "manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP19); e de "manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes." (artigo 51.º, n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP).
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Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
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Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..
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Com efeito, para que o Recorrido seja condenado pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 136.º, n.º 1 e 4 por referência ao artigo 112.º, n.º 1, ambos do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
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Ao contrário daquilo que entende o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
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Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.
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Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.
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O TAD entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das expressões em causa não têm qualquer relevância disciplinar pois não configuram uma lesão da honra e reputação dos órgãos ou equipas de arbitragem, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.
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E é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.
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Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.
º e 181.
º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.
º n.
º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
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A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112.
º, aplicável ex vi artigo 136.
º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
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Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
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O Recorrido sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
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Para além de imputar a tal equipa de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.
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Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica do Recorrido à atuação dos árbitros, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
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Não se nega que expressões como a usada pelo Recorrido são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular.
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Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de...
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