Acórdão nº 1853/19.4T8PBL-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução07 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório ([1]) Por apenso a autos de execução que “B... B...

”, com os sinais dos autos, move contra D...

e mulher, C...

, também com os sinais dos autos, veio o reclamante C...

, com os sinais dos autos, deduzir reclamação de crédito, no montante de capital de €100.000,00, a que acrescem juros de mora, à taxa de 4% ao ano, ascendendo a €1.841,10 os vencidos até à data de dedução da reclamação do crédito, bem como despesas (judiciais e extrajudiciais) no montante de €10.000,00, assim perfazendo o valor global de €111.841,10, e ainda juros moratórios vincendos, até efetivo e integral pagamento, pedindo, por isso, que seja atendida tal reclamação, sendo o seu crédito – titulado por escritura pública de reconhecimento da dívida –, garantido por hipoteca voluntária, justificado e graduado no lugar que lhe competir, mas sempre preferencialmente em relação ao crédito exequendo.

Alegou, para tanto, em síntese, que: - por escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, outorgada no dia 30/08/2019, os Executados/Reclamados se confessaram/reconheceram devedores do aqui Reclamante naquela quantia de €100.000,00, referente a vários empréstimos parcelares que este lhes efetuara, entre os anos de 2004 e 2017, até perfazer aquele montante total de capital em dívida, sendo que, apesar do acordado pagamento em prestações sucessivas, nada foi pago/restituído; e - para garantia das obrigações assumidas, a parte Reclamada/Executada constituiu a favor do Reclamante uma hipoteca voluntária sobre diversos prédios, de que aquela é proprietária, com subsequente registo da garantia (mediante Ap. 342 de 02/09/2019) a favor de tal Reclamante, quando a penhora dos imóveis no âmbito da execução é datada de 29/10/2019.

Notificada, veio a Exequente/Reclamada impugnar a reclamação, concluindo pela sua improcedência, de molde a não ser reconhecido o crédito reclamado.

Alegou, em resumo, que: - o credor não emprestou a quantia de €100.000,00 ao Executado e este não é devedor dessa quantia; - a confissão de dívida e constituição de hipoteca a favor do credor Reclamante deve-se apenas à circunstância de ter sido intentada a ação executiva pelo “B... B...” contra os Executados, tendo somente em vista frustrar o crédito exequendo, o que resulta evidente da data da confissão de dívida e constituição de hipoteca; - não possuindo os Executados outro património capaz de permitir a satisfação do crédito exequendo, a confissão de dívida e hipoteca traduz uma mera encenação com o propósito de impedir o recebimento por parte do Exequente de qualquer quantia pela venda dos imóveis penhorados; - ocorre, assim, para além de ineficácia do ato em relação ao Exequente (art.ºs 610.º e segs. do CCiv.), nulidade da aludida escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, que mais não é do que um ato simulado, com o intuito de enganar terceiros (art.º 240.º do mesmo Cód.).

Respondeu o Reclamante, impugnando o alegado pelo Exequente e alegando, por sua vez, que: - nunca exigiu qualquer documento formal das quantias emprestadas, visto que mantinha a expetativa de que os Executados lhe pagassem o que devem e perante a relação de confiança que sempre manteve com aqueles; - a escritura aludida visou salvaguardar a situação dos filhos do Reclamante, considerando a idade avançada deste último, inexistindo qualquer simulação; - a impugnação do crédito foi deduzida com erro na forma de processo.

Concluiu pela total improcedência da impugnação.

Efetuado o saneamento do processo e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, prosseguiram os autos para julgamento, com produção de provas, seguindo-se a sentença, pela qual foi julgado “(…) não verificado e, por isso, não reconhecido o crédito reclamado por C...” (cfr. fls. 86 do processo físico, com destaques retirados).

Inconformado, o Reclamante apelou do assim decidido, tendo apresentado alegação, onde formula as seguintes Conclusões ([2]): ...

NESTES TERMOS, e nos de mais de direito aplicáveis e de cujo o douto suprimento desde já se requer, deve o presente recurso obter provimento, revogando-se, por douto Acórdão, a, aliás, douta Sentença que antecede, ora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, por a mesma resultar, salvo o devido respeito, de uma incorreta apreciação da prova produzida e subsequente considerada uma errada matéria de facto dada como provada e não provada, tendo resultado, por isso, numa incorreta aplicação do Direito, devendo, por isso, ser a mesma substituída por outra, que considere verificado e reconhecido o crédito do reclamante, com todas as legais consequências, nomeadamente, com a respetiva graduação do crédito no lugar que lhe competir, face às hipotecas constituídas.

”.

Contra-alegou a Exequente/Reclamada, concluindo pela improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo ([3]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa na presente apelação, com apreciação de matéria de facto e de direito, saber:

  1. Se deve proceder a impugnação da decisão referente à matéria de facto, alterando-se as respostas aos pontos i, ii e iii do elenco dos factos dados como não provados (de não provados para provados); b) Obrigando, em matéria de direito, ao reconhecimento e consequente graduação prioritária do crédito reclamado.

III – Fundamentação

  1. Matéria de facto 1. - Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada: ...

    1. - E foi julgado como não provado: «i. Que o credor Reclamante entregou ao(s) Executado(s) 100 (cem) mil euros; ii. Que o(s) Executado(s) receberam do credor Reclamante 100(cem) mil euros; iii. Que o(s) Executado(s) não pagar(am) ao credor Reclamante; iv. Que o(s) Executado(s) não se quis(eram) confessar devedor(es) ao credor Reclamante do montante de 100 mil euros.

    v. Que o(s) Executado(s) não se quis(eram) constituir hipoteca voluntária a favor do credor Reclamante».

  2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto 1. - Da violação de normas jurídicas sobre a força probatória da prova documental produzida Começa o Apelante por defender, nesta sede impugnatória da decisão de facto – que tem por exclusivo objeto a resposta negativa aos pontos fácticos i, ii e iii do quadro dado como não provado, aqueles em que estava em causa a existência/materialização dos empréstimos alegados pelo Reclamante/Recorrente, com inerente entrega faseada de montante global em dinheiro (€100.000,00) –, que a confissão de dívida que outorgou com os Executados/confitentes, titulada por escritura pública, constitui documento autêntico, com a inerente força probatória plena (invoca o quadro normativo dos art.ºs 358.º, n.ºs 2 e 3, 369.º, 370.º e 371.º, todos do CCiv.).

    Força probatória plena essa – prossegue – que apenas pode ser ilidida com base na falsidade do documento autêntico, a qual nunca foi arguida nos autos.

    Mas acrescenta – e bem – a contraparte, em sede de resposta recursiva, que tal força probatória plena incide (apenas) sobre aquilo que, na presença do notário, foi declarado e inserido, como tal, na escritura (as “declarações que os outorgantes fizeram perante o Notário”, como expresso a fls. 129 do processo físico), e já não sobre a veracidade do assim declarado, ou sobre a sua validade ou eficácia, tanto mais que, embora se trate de “confissão extrajudicial”, esta “não tem força probatória plena, por não ter sido feita à parte contrária ou a quem a represente – nos termos do disposto no n.º 2 do art. 358.º do CC.” (cfr. fls. 129 v.º do processo físico).

    Quer dizer – apreciando esta argumentação –, a força probatória dos documentos autênticos, como ocorre com a dita escritura pública confessória de dívida, é apenas, para o caso, a que resulta do disposto no art.º 371.º, n.º 1, do CCiv., segundo o qual tais documentos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, tal como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.

    No caso, a escritura pública confessória de dívida apenas faz prova plena das declarações dos outorgantes, tal como ali exaradas, por proferidas na presença do notário documentador, e não mais que isso.

    O notário apenas atestou – como só podia atestar – a realidade do concretamente declarado, isto é, que as declarações exaradas foram proferidas naqueles termos na sua presença ([5]).

    Mas não, obviamente, que o conteúdo do assim declarado pelos outorgantes correspondesse à verdade, isto é, que tivessem efetivamente ocorrido os ditos empréstimos – designadamente até perfazer os €100.000,00 invocados e questionados no âmbito destes autos.

    Pois que tais empréstimos não ocorreram na sua presença ([6]), pelo que não podiam ser objeto da sua perceção de entidade documentadora.

    Assim, de nada serve, salvo o devido respeito, ao Apelante invocar que a contraparte não suscitou o incidente de falsidade do documento autêntico, para abalar a sua força probatória plena.

    Na verdade, a Reclamada/Apelada não quis certamente dizer que o documento era falso, que o que nele consta como declarado não corresponde às declarações dos outorgantes, que aquilo que o notário exarou é desconforme com as suas perceções de entidade documentadora.

    Não. A Reclamada/Apelada admite...

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