Acórdão nº 180/19.1T9SRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. RELATÓRIO: No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 180/19.1T9SRT que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo de Competência Genérica da Sertã., foi, em 5/3/2021, proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “V. Decisão Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação procedente e em conformidade decide: - condenar o arguido J. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal e pelos artigos 6.º, 105.º, n.º 1 e 107.º, n.ºs 1 e 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 900,00 (novecentos euros).

- Condenar a sociedade arguida S., Lda. pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, por força das disposições conjugadas dos art. 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal e artigos 7º, 105.º, n.º 1 e 107.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias na pena de multa de 170 (cento e setenta dias) dias à taxa diária de € 9,00 (nove euros), o que perfaz o quantitativo legal de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros).

- condenar os arguidos J. e S., Lda. no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, por cada um dos arguidos.

(…).” **** Inconformado com a decisão, dela veio interpor recurso o arguido J., em 13/4/2021, extraindo da sua motivação as seguintes Conclusões: 1.ª Discorda-se, e por isso se impugna, da sentença recorrida que condenou o Arguido, e ora Recorrente, pela prática, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal e pelos artigos 6.º, 105.º, n.º 1 e 107.º, n.ºs 1 e 3, do Regime Geral das Infrações Tributárias.

  1. Salvo melhor entendimento - e pese embora a elevada consideração e respeito que a Mma. Juiz a quo do Tribunal recorrido é merecedora – existe uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

  2. Com relevância para a motivação deste Recurso, deram-se como provados os factos 14 a 17 e como não provados a alínea a) da douta sentença recorrida.

  3. A sentença recorrida esclarece quais são os elementos objetivos do tipo do crime de abuso de confiança contra a segurança social, de entre os quais se destaca a notificação aa que alude o art. 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, ou seja, o devedor tem de ser notificado para em 30 dias liquidar as prestações em falta, acrescidas de juros e coima.

  4. Ou seja, da notificação referida têm de constar, obrigatoriamente, o valor em dívida, juros e valor da coima, pelo que, com esta notificação o que releva é a regularização, no todo, da situação tributária no prazo de 30 dias.

  5. No caso dos autos foi considerado provado que os montantes relativos aos anos de 2015 e 2016, como estavam incluídos no PER, o qual foi negociado e votado favoravelmente pela Segurança Social, não podiam ter sido incluídos na notificação e não relevam em termos criminais (factos provados 14 a 17).

  6. Ora, a notificação feita aos Arguidos não pode, pois, ser considerada válida e eficaz, pois a Segurança Social em claro abuso de direito e em violação da boa fé notificou a sociedade Arguida para proceder ao pagamento da quantia de 18.039,74 €, acrescida de juros e coima, sendo que nem sequer os juros estavam contabilizados.

  7. Pelo que, se com a notificação se pretende o pagamento integral do valor em dívida, a mesma não podia nunca fazer referência aos valores englobados no PER, sendo que esse plano de pagamento está a ser cumprido escrupulosamente (Factos provados 14 a 17).

  8. Agiu a Segurança Social em claro abuso de direito e também ela própria abusou da confiança que depositou nos Arguidos, ao vir exigir o pagamento de uma só vez, de entre outros, dos valores englobados no PER, sendo que parte desse valor, à data da notificação, já tinha sido liquidado por conta das prestações do PER já vencidas.

  9. Assim, e como a notificação, por um lado, é um dos elementos objetivos do tipo e condição de punibilidade não poderiam os Arguidos ter sido condenados pela prática do crime de que vinham acusados e foram pronunciados, porque a notificação feita pela Segurança Social padece de nulidade insanável, não estando verificado um dos elementos objetivos do tipo, sendo que esta falha nunca foi colmatada nem pela Segurança Social, nem pelo Ministério Público, e foi alegada pelos Arguidos em sede de requerimento de abertura de instrução.

  10. Como tal, ao falhar esta notificação, os Arguidos tinham de ser absolvidos.

  11. Neste sentido dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12/07/2018, Processo n.º 646/12.4TATVR.E1, disponível em www.dgsi.pt, nos termos do qual, e não obstante a notificação a que alude a al. b), do n.º 4, do art. 105.º, do RGIT, o que é certo é que é igualmente um pressuposto da instauração do procedimento criminal, pois enquanto a notificação não tiver lugar e não decorrer o prazo de 30 dias ali estabelecido, aquele procedimento criminal não deve iniciar-se.

  12. Pelo que, prosseguindo o processo sem que se mostre realizada regularmente a notificação, a falta desta condição implica a absolvição.

  13. Não é exigível ao homem médio que liquide um determinado valor no prazo de 30 dias quando, na verdade, existe um plano de pagamento no contexto de um PER, negociado e votado favoravelmente pela Segurança Social, a ser cumprido, e cujo pagamento faseado só termina em 2029.

  14. Sendo que este entendimento consta da fundamentação da sentença recorrida pois “encontrando-se a sociedade arguida a cumprir devidamente o plano, nada legitima que, antes do prazo concedido, venha agora mudar de posição e lançar mão daquele artigo, fazendo tábua rasa do plano homologado e que foi elaborado seguindo as suas exigências (…). Contemple-se que o art. 334.º do CC aclama que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, corporiza um instituto jurídico autonomizado, traduzido na proibição de comportamento contraditório e é matéria de conhecimento oficioso.” 16.ª Pelo que não se percebe como é que, concluindo que não podia a Segurança Social ter feito a notificação naqueles moldes, se condena os Arguidos, principalmente, quando é claro para a Mma. Juiz a quo que a Segurança Social agiu em claro abuso de direito. Tal vai totalmente contra as regras da experiência comum e contra os mais elementares princípios do direito, nomeadamente, o princípio da legalidade e da certa e segurança jurídica.

  15. In casu, e atenta a fundamentação de direito da sentença recorrida, e não obstante ser entendimento da jurisprudência e da doutrina que o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social se consuma aquando da retenção ilícita dos valores a entregar, o que é certo é que é condição da punibilidade deste crime a notificação a que alude a al. b), do n.º 4, do art. 105.º, do RGIT, pelo que não sendo a mesma válida e eficaz, não podiam os Arguidos ser condenados pelo crime de que...

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