Acórdão nº 098/19.8BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 98/19.8BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Sul (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/cb373557fba74915802585e60056c7a4.

), negando provimento ao recurso jurisdicional por ela interposto, manteve a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal em que lhe está a ser cobrada dívida proveniente de coima.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «1) Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul proferida em 17/09/2020 de fls. … determinou a improcedência do recurso apresentado mantendo a decisão proferida em primeira instância.

2) DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO: Ora além de não ter havido dupla conforme, ainda para mais o Acórdão de que ora se recorre VIOLA O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA CONDENAÇÃO CONSAGRADO CONSTITUCIONALMENTE, O QUAL É DO CONHECIMENTO OFICIOSO, razão pela presente decisão pode ser conhecida excepcionalmente por este Douto Tribunal já que está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social se reveste de importância fundamental e admissão do presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, e principalmente para impedir violações de princípios constitucionalmente consagrados por condutas de má-fé perpetradas pela administração Pública, nomeadamente a Administração Tributária.

3) Sumariamente e para mero enquadramento quanto aos factos refere-se o seguinte: O presente processo de execução tem origem, conforme resulta da própria citação (n.º Doc. de origem), no processo contra-ordenacional n.º 31072014060000061745. (Cfr. Doc. n.º 1 junto com a oposição); Tal processo de contra-ordenação (n.º 31072014060000061745), por sua vez, foi instaurado em 2014, por efeitos da Recorrente não ter procedido ao pagamento do IVA respeitante ao período de Fevereiro de 2014 (Cfr. Doc. n.º 2 junto com a oposição); Em 2015 foi instaurado contra a sociedade ora em causa, aqui Recorrente, e seus gerentes, o processo-crime n.º ........... que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, por crime de abuso de confiança fiscal por falta de pagamento do IVA referente ao citado período de Fevereiro de 2014 (Cfr. Doc. n.º 3 junto com a oposição); Em 22/12/2016 foi a aqui Recorrente e seus gerentes notificados da acusação (Cfr. Doc. n.º 3 junto com a oposição); Em 23/02/2017 a Oponente e seus gerentes foram notificados do recebimento da acusação e da data para julgamento. (Cfr. Doc. n.º 4 junto com a oposição); Actualmente, como igualmente a AT bem sabe, já foi proferida SENTENÇA NOS REFERIDOS AUTOS DE PROCESSO-CRIME e inclusivamente a mesma já transitou em julgado. (Cfr. Doc. N.º 5 e 6 junto com a oposição) 4) Note-se que tal matéria não foi discutida em sede de recurso de impugnação pois que a coima em causa foi fixada em data anterior ao recebimento da acusação em matéria criminal pela Recorrente sendo falso que a coima foi fixada em Abril de 2018 não existindo qualquer documento, ou facto provado, que suporte tal afirmação. Até porque se a AT vier juntar aos autos o histórico do processo de contra-ordenação em causa verificar-se-á que a coima foi fixada em 18/06/2014 e não em Abril de 2018, portanto em data bastante anterior à notificação da Recorrente do recebimento da acusação em matéria criminal.

5) Mostra-se claramente provado que contra a ora Recorrente foi instaurado o processo de inquérito.º .............que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, por crime de abuso de confiança fiscal, tendo inclusivamente sido proferida SENTENÇA no âmbito do referido processo-crime.

6) Dispõe, por seu turno, o artigo 45.º do RGIT que: “Sendo arquivado o inquérito ou não deduzida a acusação, a decisão é comunicada à administração tributária ou da segurança social para efeitos de procedimento por contra-ordenação, se for caso disso.

” o que significa, quando em sede de processo crime não for aplicada expressamente uma coima, o mesmo deve ser devolvido aos respectivos serviços para que seja apreciada a eventual aplicação de coima, o que não foi o caso dado que foi deduzida acusação, razão pela qual, deduzida que foi a acusação, parece resultar claro, por aplicação do supra referido dispositivo, que com a dedução da acusação criminal ficou a AT impedida de aplicar qualquer coima em processo de contra-ordenação. Entendimento este que é confirmado por uma simples análise ao artigo 61.º al. d) do RGIT que refere expressamente que “O procedimento por contra-ordenação extingue-se nos seguintes casos: d) Acusação recebida em procedimento criminal”.

7) Com efeito, o que deles (Do acima citado artigo 45.º e 61.º ambos do RGIT) se depreende é que deduzida a acusação, por se concluir que os factos em causa consubstanciam a prática de um crime, a AT não pode passar à aplicação de uma coima, através dum procedimento contra-ordenacional, dado já se ter verificado a prática de um crime, com base na mesma factualidade, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem” com assento no artigo 29.º, n.º 5 da CRP.

8) De facto o princípio “ne bis in idem”, com assento no artigo 29.º, n.º 5 da CRP, dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Ora este princípio é aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória sendo que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 veio conferir-lhe, assim, o carácter de princípio universal, através do seu artigo 14.7: “ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e com os procedimentos penais de cada país”.

9) A nível europeu, os direitos humanos principais foram reconhecidos pela Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, adoptada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, tendo o princípio “non bis in idem” sido reconhecido, expressamente, no artigo 4.º do protocolo (de Estrasburgo) n.º 7 àquela Convenção, datado de 22 de Novembro de 1984, que conheceu a sua redacção definitiva com o Protocolo n.º 11, a partir da sua entrada em vigor, em 1 de Novembro de 1998): 10) Mais recentemente, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 18 de Dezembro de 2000 (2000/C 364/01), contemplou no seu artigo 50.º o mesmo princípio, no seu enunciado mais básico: “Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.

” 11) Ora no caso em concreto pelas razões por demasiadas óbvias não há um novo (f)acto praticado pelo agente do crime, pois o facto em causa é a falta do pagamento do IVA referente ao mês de Fevereiro de 2014, por conseguinte, o crime – na definição do artigo 1º, al. a) do Código de Processo Penal – é o mesmo nos dois processos.

12) Sendo o mesmo “crime” a condenação da Recorrente pelo mesmo facto, violou a garantia constitucional prevista no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, além de normas de direito internacional directamente aplicáveis no nosso país que, em caso de violação, é susceptível de originar uma acção de incumprimento e de...

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