Acórdão nº 418/20.2PATNV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução07 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo abreviado 418/20.2PATNV-A.E1 foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento sob a referência Citius 7502879: Através de requerimento datado de 22-02-2021, veio o arguido CFC requerer que sejam declarados inválidos a notificação que lhe foi remetida pelo Ministério Público em 05-02-2021, o despacho de revogação da suspensão provisória do processo e o despacho de acusação, ambos datados de 12-02-2021, bem como todos os atos subsequentes

Para tanto alega, por um lado, que a notificação que lhe foi dirigida em 05-02-2021 padece de irregularidade, uma vez que com a mesma não foi junto o despacho do Ministério Público, desconhecendo o arguido se a referida notificação consubstanciava a pronúncia do Ministério Público quanto ao requerimento de prorrogação do prazo para cumprimento das injunções, não tendo depois o Ministério Público dado resposta ao requerimento do arguido de 09-02-2021 em que solicitava pronúncia quanto ao requerimento de prorrogação do prazo

Por outro lado, alega ainda o arguido que os despachos de revogação da suspensão provisória do processo e de dedução da acusação padecem de irregularidade, uma vez que, quando foram deduzidos, em 12-02-2021, não se mostrava esgotado o prazo adicional de cinco dias concedido ao arguido para cumprir as injunções, não se verificando o alegado incumprimento

Colhida a vista, a Digna Procuradora da República pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer irregularidade processual, atento o teor dos despachos proferidos em fase de Inquérito e respeitantes ao incumprimento por parte do arguido quanto ao determinado na suspensão provisória do processo, sendo certo que o arguido tinha conhecimento das consequências legais face ao seu incumprimento

Cumpre apreciar e decidir

Antes de mais, compulsados os autos e analisado o processado, verifica-se que por despacho de 20-11-2020 (cfr. referência Citius 8529363), o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo pelo prazo de 4 meses, mediante o cumprimento pelo arguido das seguintes injunções: - Entregar a quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial…, sito em …, …, devendo disso fazer prova nos autos no prazo de 30 dias após a notificação do aludido despacho, entregando nos autos o respetivo recibo, fazendo constar do mesmo que se trata de cumprimento de injunção em processo penal; - Não conduzir veículos automóveis pelo período de 3 meses, devendo entregar a sua carta de condução neste DIAP ou no posto policial da área da sua residência no prazo de 10 dias após a notificação do referido despacho

O arguido foi notificado do referido despacho através de carta simples, com prova de depósito. A carta foi depositada no dia 26-11-2020 (cfr. referência Citius 7327410), pelo que se considera o arguido notificado em 01-12-2020, devendo, enão, proceder à entrega da sua carta de condução até 11-12-2020 e proceder ao pagamento da quantia monetária até 31-12-2020

Em 27-01-2021, foi o arguido notificado para, no prazo de cinco dias, informar os autos porque motivo não entregou a sua carta de condução para cumprir o período de proibição de conduzir determinado, bem como não juntou o comprovativo da entrega da quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial … de … (referências Citius 85737786 e 7436315)

Através de requerimento datado de 01-02-2021 (cfr. referência Citius 7457463), veio o arguido, através da sua Ilustre defensora, requerer a prorrogação do prazo até ao limite legalmente admissível para cumprimento das injunções determinadas, sendo que, no que respeita à carta de condução, informou que poderia, de imediato, entregar a mesma para cumprimento da respetiva injunção, e, quanto à entrega da quantia de 350,00€ à Instituição determinada, informou que não lhe seria possível proceder ao seu cumprimento de imediato, atendendo a que se encontrava desempregado

Para o efeito alegou, em síntese, que em 27-11-2020, foi sujeito a prisão efetiva no Estabelecimento Prisional de …, na …, tendo sido libertado em 07-01-2021, e que os seus documentos pessoais apenas lhe foram entregues em 27-01-2021, pelo que não lhe foi possível proceder à entrega da carta de condução no prazo estipulado para o efeito. Mais alegou que, também por esse motivo, não conseguiu proceder à entrega da quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial …, acrescentando que se encontra à procura de emprego, por ter sido despedido e, como tal, impossibilitado de cumprir o pagamento que lhe foi imposto

Com o referido requerimento o arguido juntou dois documentos, entre os quais, uma declaração do Estabelecimento Prisional …, de 27-01-2021, da qual consta que o arguido deu entrada naquele estabelecimento em 27-11-2020, ficando os documentos em posse desse estabelecimento até à data de 27-01-2021, em virtude de o mesmo ter sido transferido ao GNI, para posterior entrega às autoridades …

Veio ainda o arguido juntar, em 05-02-2021, uma carta que lhe foi dirigida pela sua entidade patronal (cfr. referência Citius 7470138), através da qual lhe foi comunicada a caducidade do seu contrato de trabalho, com efeitos a partir de 18 de fevereiro de 2021

Em 04-02-2021, a Digna Procuradora da República proferiu despacho do seguinte teor: “Considerando o teor do requerimento apresentado nos autos pelo arguido, notifique-o para, em 5 dias, juntar aos autos todos os documentos que o habilitem a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de 350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, …

Decorridos 5 dias e nada sendo junto antes, conclua.” (cfr. referência Citius 85866705)

O arguido e a sua I. defensora foram notificados nos termos ordenados pela Digna Procuradora da República – sem que da notificação conste a menção à junção de cópia do despacho supra transcrito -, considerando-se o arguido notificado no dia 13-02-2021 (cfr. referência citius 7489939)

Em 09-02-2021, o arguido apresentou requerimento, através da sua I. defensora, solicitando ao Ministério Público que se pronunciasse quanto ao pedido de prorrogação do prazo para cumprimento das injunções formulado em 01-02-2021, alegando que da notificação remetida ao arguido, concedendo-lhe o prazo de cinco dias para proceder conforme ordenado, não consta qualquer decisão sobre o pedido de prorrogação apresentado (cfr. referência Citius 7476166)

Em 12-02-2021, o Ministério Público determinou a revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento dos autos, passando a deduzir acusação pública contra o arguido, com os seguintes fundamentos: “O arguido não cumpriu as injunções determinadas nos autos, alegando que não o fez porque esteve preso até 07.01.2021. No entanto, desde a data em que foi libertado, podia e devia ter já cumprido as referidas injunções, mas persistiu no seu incumprimento, em violação dos prazos anteriormente fixados de 10 dias que tinha para entregar a sua carta de condução e de 30 dias que tinha para entregar a quantia de € 350,00 à instituição designada, bem como do prazo adicional de 5 dias que foi posteriormente fixado”

O arguido foi notificado do despacho de revogação da suspensão provisória do processo e do despacho de acusação através de carta simples, com prova de depósito, considerando-se notificado no dia 23-02-2021 (cfr. referência Citius 7504138)

Os autos foram distribuídos para julgamento e a acusação foi recebida por despacho de 17-02-2021, tendo sido designada a data da audiência de julgamento

Em 22-02-2021 o arguido apresentou o requerimento que ora se aprecia (cfr. referência Citius 7502879)

Cumpre, então, aferir se o processo padece de algum vício, nomeadamente se foi cometida alguma irregularidade processual previamente à remessa dos autos para julgamento e se a mesma é suscetível de afetar o despacho de acusação e os atos subsequentes

Na verdade, assumindo os presentes autos a forma especial abreviada, não tem lugar a fase da instrução e, como tal, cabe ao juiz do julgamento apreciar da verificação de “patologias processuais” suscetíveis de atingir as garantias de defesa do arguido e os seus direitos fundamentais (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2019, Processo n.º 25/15.1GTCSC.L1-3, disponível em www.dgsi.pt), podendo e devendo o juiz do julgamento sindicar “a decisão do Ministério Público em deduzir acusação pondo termo à suspensão provisória do processo, quando questionada” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-06-2016, Processo n.º 391/14.6PIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt)

Determina o artigo 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”. Mais estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato é irregular”

Por sua vez, os artigos 119.º e 120.º do Código de Processo Penal elencam as nulidades insanáveis e sanáveis, e os artigos 121.º e 122.º referem-se à sanação das nulidades e aos efeitos da declaração da nulidade

Quanto às irregularidades, dispõe o n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal que “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado”. O n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que “Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado”

A este propósito vale o princípio da atipicidade da irregularidade, segundo o qual todas as ilegalidades cometidas no processo penal podem ser irregularidades...

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