Acórdão nº 95/18.0T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução07 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO A arguida VLPA foi submetida a julgamento e no final do mesmo foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal julga procedente a douta acusação e, consequentemente, decide: a) Condenar a arguida pela prática de crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal, a pena de 200 (duzentos) dias de multa; b) Condenar a arguida pela prática de crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 109/2009, a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; c) Condenar a arguida pela prática de crime burla informática agravada, p. e p. pelo artigo 221.º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, a pena de 200 (duzentos) dias de multa; d) Condenar a arguida pela prática de crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1 alínea b), d) e e) do Código Penal, a pena de 120 (cento e vinte) dias de multa; e) Suspender a pena de prisão que lhe vai aplicada em b) pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; f) Em cúmulo Jurídico das penas aplicadas em a), c) e d), nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 420 (quatrocentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de €2100,00 (dois mil e cem euros); g) Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente em consequência condenar a arguida o pagar à demandante a quantia de €16.281,14 (dezasseis mil, duzentos e oitenta e um euros e catorze cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescido de juros legais, à taxa legal de 4%, contados desde a notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento; h) Declarar perdida a favor do Estado a quantia de €16.281,14, correspondente à vantagem patrimonial obtida pela prática do ilícito, condenando-se a arguida a pagar tal quantia ao Estado, ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1 alínea b) e n.º 4 do Código Penal

i) Na parte crime, condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UC’s; j) Custas quanto ao pedido de indemnização civil pela arguida (art.º 523.º do Cód. Proc. Penal e art.º 527.º do Cód. Proc. Civil);” A arguida não se conformou com a sentença condenatória, e tendo dela recorrido, terminou a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “I – A recorrente foi condenada por todos os crimes constantes na acusação, condenada ao pagamento do pedido de indemnização deduzido pelo ofendido, condenada nas custas cíveis e criminais, e AINDA condenada a pagar ao Estado a quantia de € 16.281,14 correspondente à vantagem patrimonial, ao abrigo do artigo 110.º n.º1 alínea b) e n.º 4 do Código Penal

II – A Recorrente não se conforma com a sua condenação a pagar ao Estado a quantia de €16.281,14 correspondente à vantagem patrimonial, uma vez que também tem de pagar ao ofendido o mesmo valor para o ressarcir do prejuízo sofrido, correspondendo assim a sua condenação numa dupla penalização

III – A Recorrente é, como ficou provado, uma pessoa que vive uma numa situação económica débil, tem duas filhas menores para criar, esta dupla condenação, foi excessiva e desadequada ao caso concreto

IV – A Recorrente aceita a condenação pelos crimes que vem acusada, pelo pedido de indemnização formulado pelo ofendido, porque segundo a mesma, “se agiu mal deve ser condenada”, Não aceita o pagamento ao Estado da vantagem patrimonial, porque o ofendido fica ressarcido pelo prejuízo sofrido através do recebimento do montante peticionado no pedido de indemnização

V – A Recorrente é uma pessoa de bem, não regista antecedentes criminais, encontra-se muito arrependida e envergonhada com a situação, esta integrada social, familiar e profissionalmente, este foi um acto isolado na sua vida, que não voltará a acontecer

VI – No que respeita à determinação da medida da pena, deveria ter sido feita com recurso aos critérios gerais indicados no artigo 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, pois está o Tribunal subordinado ao critério da culpa e às necessidades de prevenção

VII – O Tribunal “a Quo” na determinação da medida da pena, deveria também ter recorrido à análise do Relatório Social da Recorrente, elaborado pela DGRS

VIII – Violou assim o Tribunal “a Quo” as normas aplicadas na determinação da medida da pena estabelecidas na lei penal, nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal

IX – Face ao supra exposto, requer-se a Vossas Exas., para que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva a Recorrente da entrega ao Estado do valor de €16.281,14, correspondente ao valor da vantagem patrimonial obtida pela prática do ilícito, uma vez que essa condenação traduz-se numa dupla penalização, para a qual a mesma não tem recursos económicos suficientes, pois vive em situação débil, de considerar ainda, que a sua absolvição não prejudica o ofendido, o mesmo fica ressarcido do prejuízo sofrido, através do recebimento do montante peticionado no pedido de indemnização por si formulado, e considerado procedente

Nestes termos e demais do direito, deverá o presente recurso obter provimento, revogando-se a Sentença recorrida, por outra que dê acolhimento às pretensões da Recorrente, tudo para que se faça JUSTIÇA!” # O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões: “1. O instituto da perda vantagens é uma providência destinada a impedir a manutenção de situações patrimoniais antijurídicas, que constituiu uma medida sancionatória semelhante ou análoga à medida de segurança, com finalidades de prevenção geral e especial

2. Trata-se de um instituto criado para a prevenção geral e especial da criminalidade, ligado à ideia de que “o crime não compensa” e que o agente deverá voltar ao estado inicial antes de beneficiar da vantagem patrimonial causada em consequência de um facto antijurídico

3. O direito à indemnização, mesmo quando já se mostra judicialmente estabelecido, é livremente renunciável e negociável, o mesmo não acontecendo com as medidas de carácter sancionatório

4. A reserva constante do n.º 2, do artigo 111º do Código Penal, em benefício dos direitos do ofendido implica que, concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens deverá prevalecer a primeira

5. No mesmo sentido vai o estabelecido no artigo 130º, n.º 2, do Cód. Penal, ao prever que o tribunal possa “atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109.º e 110.º”.” 6. Não existe incompatibilidade na condenação simultânea na perda de vantagens e no pedido de indemnização civil

7. Em caso de quantias coincidentes a declaração de perda de vantagem não terá qualquer efeito útil caso o condenado proceda ao pagamento da quantia referente ao pedido de indemnização civil

8. Havendo concorrência entre a execução do pedido de indemnização civil e a quantia relativa à perda da vantagem patrimonial, a quantia não poderá ser exigida/cobrada duas vezes, devendo prevalecer a execução do pedido de indemnização civil, apenas podendo a quantia relativa à perda da vantagem patrimonial ser exigível caso a ofendida venha a renunciar total ou parcialmente à indemnização

* Face ao exposto e salvo melhor entendimento, não nos merece, qualquer crítica a douta decisão recorrida

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, e salvo melhor opinião, a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida

Contudo, V. Exas. farão, como sempre JUSTIÇA!” # Neste tribunal da Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer do seguinte teor (na parte que interessa): “Tem toda a razão quando refere a existência de uma equivalência entre aquilo que foi considerado perdido a favor do Estado e aquilo que irá reverter a favor da vítima em função do pedido de indemnização julgado procedente

Mas já não tem a mínima razão quando apela à revogação da sentença nesta parte por considerar estarmos em presença de uma dupla condenação

A senhora Procuradora explica-o proficiente e detalhadamente na sua resposta à qual, por ser completa e elucidativa, nos poderíamos limitar a aderir

Na verdade, carece totalmente de fundamento a alegação de uma dupla condenação

Não existe, como é óbvio

Como dispõe o artº 110º nº 1 a) e b) do CP são declarados perdidos a favor do Estado os produtos e vantagens do facto ilícito típico. Considerando-se como tais as coisas, direitos e vantagens, que constituam vantagem económica, resultante directa ou indirectamente do facto criminoso

Diz ainda o nº 6 deste preceito que esta disposição não prejudica os direitos do ofendido

Por outro lado, a perda só não poderá ser decretada se os produtos instrumentos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada – artº 111º nº 1 do CP -

Ora as vantagens patrimoniais obtidas pela arguida ainda estão em seu poder

Portanto, bem andou o Ministério Público ao peticionar o dever de pagar ao Estado a quantia de que ilegitimamente se apropriou e bem andou o Tribunal ao proferir condenação nesse sentido

Todavia, ao contrário do que a arguida alega, nunca será obrigada a desembolsar a mesma quantia duas vezes. A primeira, por hipótese para dar satisfação ao pedido formulado pelo Estado. A segunda em cumprimento da procedência do pedido de indemnização formulado pela ofendida

Seria um absurdo e a própria lei resolve o problema. O já referido nº 6 do artº 110º deixa antever as consequências de uma interpretação harmónica dos dois interesses em conflito – o direito do Estado promover a realização dos fins preventivos ligados ao sancionamento do crime e na obliteração das inerentes vantagens e o direito do...

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