Acórdão nº 856/21.3T8PDL.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelLUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Data da Resolução09 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A e B requereram a aplicação do estatuto de maior acompanhado à sua mãe C, pedindo cumulativamente, o suprimento de autorização da requerida.

Para tanto alegam que são os únicos filhos da requerida, a qual tem 73 anos de idade e é alcoólica há mais de 30 anos, o que lhe provocou diversas patologias clínicas, encontrando-se presentemente acamada (embora continue a comandar empregados e colaboradores que vai contratando para o seu serviço). Para além disso, a requerida não cumpre a complexa medicação que lhe foi prescrita, oscilando permanentemente entre momentos de grande excitação e momentos depressivos. Por fim, alegam que aquela foi detentora de um património pessoal considerável que tem vindo a dissipar, sem nada conseguirem fazer para o impedir. Para fundamentarem o pedido de suprimento da autorização alegam que a requerida se encontra absorvida por sentimentos de desconfiança permanente, suspeitas irracionais de conspiração, pelo que aquela jamais daria, voluntariamente, o consentimento para a instauração da presente ação.

A requerida contestou: invoca a ilegitimidade ativa dos requerentes e alega que não padece de nenhuma doença mental, encontrando-se em pleno poder das suas capacidades e faculdades mentais, deixando expresso que não concede autorização para o prosseguimento da ação. No mais, impugna todos os factos alegados, pois todos os atos praticados por si foram-no de forma consciente, sendo que as patologias físicas de que padece não a incapacitam ou impossibilitam de gerir a sua pessoa e bens. Por fim, e para prova do alegado, requereu a realização de perícia psiquiátrica.

Os requerentes responderam.

O tribunal proferiu o seguinte despacho: «Dispõe o artigo 141º, nº1, do Código Civil que o acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.

Por seu turno, dispõe o artigo 892º, nº2 do CPC que, nos casos em que for cumulado o pedido de suprimento da autorização do beneficiário, deve o requerente alegar os factos que o fundamentam.

Ora, o pedido foi requerido pelos filhos de C, mas sem a autorização desta, a qual, aliás, se opõe frontalmente a este processo.

A este respeito dispõe o artigo 141º, nº 2 do Código Civil, o Tribunal apenas pode suprir a autorização do beneficiário em dois casos: quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível.

Tal justifica-se em virtude do reconhecimento de que o beneficiário é o único interessado na sua instauração, face à valorização da sua autonomia (e logo da sua vontade reconhecível) e ao carácter profundamente intrusivo da instauração da medida, potencialmente ablativa de direitos fundamentais(Vítor, Paula Távora, in Código Civil Anotado, Almedina, 2019, pág. 175).

Analisando a situação em concreto, e lidos os fundamentos invocados pelos requerentes para o pedido de suprimento (artigos I a VII), nada é alegado que permita concluir que a requerente não possa livre e conscientemente dar o seu consentimento. Pelo contrário, é alegado que aquela jamais prestará tal consentimento, até porque aquela é uma pessoa muito inteligente, com consciência própria e que expressa correta e eficazmente a sua vontade a terceiros (artigo 2º da resposta à contestação).

Repare-se que dos documentos clínicos juntos por aqueles nada resulta que a requerida não possa, livre e conscientemente, dar o seu consentimento, sendo que não podemos estranhar a circunstância de serem os próprios requerentes a oporem-se à realização de perícia para se aferir das condições mentais da requerida! Quanto a outro fundamento atendível para suprir o consentimento, não vislumbramos qual seja, sendo que as quezílias familiares jamais constituirão fundamento para se dar inicio a um processo que poderá limitar os direitos fundamentais da requerida.

Em face do exposto, e dos elementos constantes dos autos, teremos de concluir que a requerida tem plena capacidade, para, em liberdade e de modo responsável, segundo a avaliação que por si faça dos seus próprios interesses e das suas necessidades, de se autodeterminar e de se socorrer da representação voluntária para dispor de quem o ajude, conforme fez aquando da constituição de mandatário judicial, onde se insurge contra o presente processo.

Em face do exposto, não supro da autorização da beneficiária, pelo que, sendo os requerentes parte ilegítima, absolvo a requerida da instância, nos termos dos artigos 278º, nº 1, alínea e), conjugado com os artigos 576º, nº 2, 577º, alínea e) e 578º, aplicáveis ex vi do artigo 549º, nº 1, do Código de Processo Civil]».

Inconformados, interpuseram os requerentes competente recurso, cuja minuta concluíram da seguinte forma: I.-Os Requerentes, ora Recorrentes, únicos filhos da Requerida, ora Recorrida, vieram aos autos pedir a aplicação à Recorrida do Estatuto de Maior Acompanhado, pedido que cumularam com o de suprimento do seu consentimento para o efeito, nos termos do artigo 141º, nº 2 do Código Civil.

II.-Para tanto, alegaram, em resumo, que a Requerida padece de alcoolismo crónico há mais de trinta anos e que, por força do alcoolismo e de várias patologias que derivaram do mesmo alcoolismo, padece a Requerida de uma afecção grave no que respeita ao processo de formação de uma vontade livre, autónoma e esclarecida, exigível à prática de determinados actos, quer de natureza de cuidado pessoal, quer de natureza patrimonial.

III.-No que respeita à questão de cuidado pessoal, o condicionamento da vontade da Recorrida pelo álcool, determina uma dificuldade em observar os tratamentos médicos que lhe são prescritos, como determina uma recusa veemente na moderação da quantidade de consumo de álcool (na média das vinte cervejas diárias).

IV.-No que respeita à questão patrimonial designada e, especialmente, na questão relativa aos actos de disposição, alegaram ainda os Recorrentes que a referida afecção da Recorrida a levou já a dissipar um património pessoal considerável e que, a não ser que possa ser decretado algum tipo de protecção legal ao pouco património ainda restante e em risco, rapidamente ficará a Requerida sem qualquer fonte de rendimento e em situação necessitada.

V.-Sem sequer uma...

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