Acórdão nº 684/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução27 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 684/2021

Processo n.º 859/2021

Plenário

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A Câmara Municipal da Covilhã, notificada da deliberação da Comissão Nacional de Eleições (adiante, abreviadamente, «CNE»), tomada na reunião n.º 97/CNE/XVI – Processo n.º 63, de 17 de agosto de 2021, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 102.º-B da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), que: (i) Ordenou procedimento contraordenacional contra o Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, por violação do n.º 4, do artigo 10.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho; (ii) Ordenou a notificação daquele, no uso dos poderes conferidos pelo n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 71/78, de 27 de dezembro para, sob pena de cometer o crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal, no prazo de 48 horas, proceder à remoção de todos os conteúdos de publicidade institucional que constam da página da Câmara Municipal da Covilhã no Facebook; (iii) Recomendou ao Presidente da Câmara Municipal da Covilhã que, no decurso do período eleitoral, até à realização do ato eleitoral marcado para o dia 26 de setembro próximo, se abstenha de efetuar, por qualquer meio, todo e qualquer tipo de publicidade institucional.

2. Em 12 de julho de 2021, o cidadão João Lopes Bernardo apresentou queixa junto da CNE contra a ora recorrente, por ter «constatado a publicitação de atividade e obras através da página oficial do Facebook (https://www.facebook.com/covilhamunicipio/post/5808844982521183) depois da marcação de eleições», e juntou cópia da publicação intitulada “Acessibilidade Inclusiva”, referente a um vídeo que referia, em subtítulo, “O Município está a executar um ambicioso projeto com o objetivo de promover e melhorar consideravelmente a acessibilidade inclusiva na cidade e concelho da Covilhã.” (cf. fls. 21-22).

3. Recebida a queixa, a CNE notificou a ora recorrente para, no prazo de 2 dias, se pronunciar sobre os factos dela constantes, tendo o Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, em resposta, remetida a 16 de julho, refutado a participação, «por infundada e carecer de elementos objetivos sobre a atuação ilegítima do atual executivo», invocando que o princípio da neutralidade «não significa que o cidadão investido de poder público, funcionário ou agente do Estado, não possa, no exercício das suas funções, fazer as declarações que entender convenientes sobre a atuação governativa. Que foi o que aconteceu no vídeo em apreço» (cf. fls. 26).

4. Através de mensagem de correio eletrónico expedida a 6 de agosto de 2021, o cidadão queixoso veio complementar a queixa apresentada com novos documentos, alegando que na página oficial do Município da Covilhã têm sido realizadas várias publicações, que considerou constituírem material publicitário e promoção institucional, em especial vídeos e fotografias destinadas a promover as obras e ações do atual executivo camarário. Mais invocou que «até a imagem, lettering e cores do Município foram alteradas para serem iguais às da campanha do Partido Socialista, por forma a que haja uma total identificação e confusão entre a imagem da candidatura e a imagem oficial do Município». Juntou igualmente cópia do “Jornal da Covilhã” para que se aferisse da “bondade” das intenções dos responsáveis municipais «com a indicação de que até cupons de descontos comerciais em lojas foram distribuídos conjuntamente com a publicação». (cf. fls. 28-45).

5. Por mensagem de correio eletrónico de 20 de agosto de 2021, a CNE comunicou à ora recorrida ter, em sessão plenária de 17 de agosto de 2021, tomado a seguinte deliberação:

«[...]

- AL.P-PP/2021/63 - Cidadão | CM Covilhã | Publicidade institucional (publicação no Facebook)

A Comissão deliberou, por unanimidade, aprovar a proposta constante da referida Informação que, a seguir, se transcreve:

«1. No âmbito do processo eleitoral em curso, foi apresentada a esta Comissão uma queixa, contra a Câmara Municipal da Covilhã, com fundamento na disponibilização de várias publicações "... com alcance e propósito (...) manifestamente publicitário e de promoção institucional ...". No caso, trata-se da publicação de um vídeo na página institucional do Município, na rede social Facebook, disponibilizada no passado dia 9 de julho.

2. Nas palavras do queixoso "...os vídeos e fotos são propositadamente produzidos e realizados, com o único intuito de promover as obras e ações do atual executivo camarário, que se recandidata às próximas eleições autárquicas."

3. Foi possível apurar que se trata de uma página institucional da CM Covilhã, identificada com o seu logotipo e com o slogan a ele associado (Covilhã Município a tecer o Futuro). Da informação básica da página constam o telefone, o endereço da página na internet e a sugestão de contacto, todos, da Câmara Municipal da Covilhã. A publicação em causa é constituída por um vídeo, que tem como título "Acessibilidade Inclusiva" e em cuja descrição consta: "O Município está a executar um ambicioso projeto com o objetivo de promover e melhorar consideravelmente a acessibilidade inclusiva na cidade e no concelho da Covilhã."

4. Visualizado o vídeo objeto de queixa, verifica-se que se trata de uma peça apresentada pelo próprio Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, onde é enunciado e sublinhado o contributo para a cidade e para o concelho, do trabalho desenvolvido no mandato em curso no âmbito da "Acessibilidade Inclusiva". Trata-se de uma publicação cujo conteúdo extravasa largamente o caráter puramente informativo, não sendo de todo imprescindível à sua fruição pelos cidadãos, nem essencial à concretização das suas atribuições, numa situação de grave e urgente necessidade.

5. De salientar que no texto da queixa ora em apreço é ainda feita referência (e enviada cópia digitalizada, que consta em anexo) a uma publicação em papel, denominada "Covilhã", de distribuição gratuita (Infomail) e de periodicidade bimestral, cuja distribuição do seu número 3, se iniciou no mês de julho. Da referida publicação, que é propriedade da CM da Covilhã e cujo Diretor é o Presidente da Câmara, constam vários artigos onde, a propósito da reabertura da sala do respetivo teatro municipal, da inauguração do 2.° troço ferroviário entre a Covilhã e a Guarda, do investimento de € 2,5 milhões em eficiência energética com a habitação social e do plano de requalificação das redes viárias, é difundida profusa publicidade institucional, com largo destaque para o Presidente da Câmara em exercício. Não obstante, parece-nos provado que a sua distribuição se iniciou antes do período eleitoral (8 de julho), pelo que não se justifica a sua análise no âmbito do presente processo.

6. Notificado para se pronunciar sobre o teor da queixa apresentada, o Presidente da CM da Covilhã veio, em síntese, oferecer os seguintes comentários: "...que não obstante a imposição de neutralidade às entidades públicas, exigível desde a data da marcação das eleições, a mesma não é incompatível com a normal prossecução das funções de um titular de um órgão de uma qualquer entidade pública..." que "...à data, [16 de julho de 2021] não é conhecida a sua posição quanto a uma eventual recandidatura..." e que, "... Mesmo que isso venha a acontecer, o que o princípio da neutralidade postula é que no cumprimento das suas competências as entidades públicas devem, por um lado, adotar uma posição de distanciamento em face dos interesses das diferentes forças político partidárias e, por outro, abster se de toda a manifestação política que possa interferir no processo eleitoral. Ora, tal princípio não significa que o cidadão investido de poder público, funcionário ou agente do Estado, não possa, no exercício das suas funções, fazer as declarações que entender convenientes sobre a atuação governativa. Que foi o que aconteceu no vídeo em apreço."

7. Entre outras competências que legalmente lhe estão cometidas, ao abrigo do disposto na ai. b) do n.° 1 do artigo 5.° do mesmo diploma legal, compete à Comissão Nacional de Eleições assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos em todos os atos do recenseamento e operações eleitorais, sendo-lhe conferidos, para o efeito, os poderes necessários ao cumprimento das suas funções sobre os órgãos e agentes da Administração (cfr. artigo 7.° do diploma legal em referência).

8. A CNE, no entendimento do Tribunal Constitucional,"... atua na garantia da igualdade de oportunidades das candidaturas e da neutralidade das entidades públicas perante as ações de propaganda política anteriores ao ato eleitoral e, por isso, destinadas a influenciar diretamente o eleitorado quanto ao sentido de voto." (Cfr. Acórdão do TC n.° 461/2017).

9- Em conformidade com o estatuído pelo n.° 4 do artigo 10.° da Lei n.° 72-A/2015, de 23 de julho, a partir da publicação do decreto que marque a data das eleições (no caso, desde 08/07/20211), é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública.

10. Daí resulta que, logo que publicado o decreto que fixa a data da eleição, incumbe ao titular do órgão do Estado ou da Administração Pública, por sua iniciativa, determinar a remoção de materiais que promovam atos, programas, obras ou serviços e/ou suspender a produção e divulgação de formas de publicidade institucional até ao dia da eleição sob pena de, não o fazendo, violar a norma por omissão, como refere o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.° 545/2017).

11. Tal proibição, conjugada com a sujeição aos especiais deveres de neutralidade e imparcialidade, visa impedir que as...

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