Acórdão nº 00263/19.8BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução02 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1. D.

, moveu a presente ação administrativa contra o CENTO HOSPITALAR (...), E. P.E, pedindo a anulação do ato impugnado, que determinou que procedesse à restituição da quantia de € 39.254,18, auferido a título de bolsa de formação por ocupação de uma vaga preferencial, no âmbito do internato médico.

Para tanto alega que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, porquanto dele não consta a motivação de facto ou direito que sustentam a decisão de reposição da bolsa de formação.

Considera ainda que se verifica o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto não existiu qualquer incumprimento da obrigação de permanência por parte da Autora, mas sim incumprimento da Entidade Demandada que não procedeu à celebração do contrato de trabalho a que estava obrigada.

Por fim, invoca que a decisão impugnada violou o princípio da proporcionalidade e da boa fé.

1.2. Citada, a Entidade Demandada contestou, defendendo-se por impugnação, invocando, em síntese, que a decisão impugnada não enferma de qualquer vício.

Refere que contactou a Autora no sentido de celebrar com ela contrato de trabalho como médica especialista, com efeitos à data de ingresso e como pagamento das diferenças salariais que fossem devidas, tendo sido a Autora que recusou a celebração do contrato.

A Autora, ao decidir, de forma unilateral, deixar de prestar funções para a Entidade Demandada constituiu-se no dever de devolver a quantia recebida a título de bolsa de formação, por incumprimento do dever de permanência constante do artigo 12º -A do Decreto-Lei n.º 45/2009.

1.3. Em 04/12/2020 proferiu-se despacho saneador- sentença, no qual se considerou a prova documental oferecida suficiente para a apreciação do pedido, sem necessidade de mais indagações, dispensou-se a realização da audiência prévia (n.º 1 do art.º 7.º-A, alínea d), do n.º 1 do art.º 87.º-A, alínea b), do n.º 1 do art.º 88.º e n.º 3 do art.º 90.º, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e art.º 547.º do Código de Processo Civil), fixou-se o valor da causa em € 39.254,18 e conheceu-se do mérito da ação, constando do saneador-sentença o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente procedente e, em consequência, anulo o acto impugnado que ordenou a reposição de € 39.254,18, auferido a título de bolsa de formação, no período de 01.01.2012 a 30.11.2016.

Custas pela Entidade Demandada.

Registe e notifique”.

1.4. Inconformada, a Entidade Demandada interpôs a presente apelação, pugnando pela improcedência da ação, apresentando as seguintes conclusões: “

A) Com o devido respeito que é muito, discorda o Recorrente da decisão do Tribunal a quo que decidiu em sede de saneador sentença: “Pelo exposto, julgo a presente procedente e, em consequência, anulo o acto impugnado que ordenou a reposição de € 39.254,18, auferido a titulo de bolsa de formação, no período de 01.01.2012 a 30.11.2016. (...)”.

B) Ora, a Recorrente não concorda do douto Despacho Saneador Sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a que se reportam os autos supra, porquanto considera que:

  1. A sentença é nula, por violação do principio do contraditório, aferido na vertente da dispensa ilegal da audiência prévia a que alude o art.º 87º- A do CPTA e por falta de fundamentação da mesma, o que consubstancia a violação das normas jurídicas insertas nos artigos 7º-A, art.º 87º-A, art.º 88º e n.º 3, do art.º 90, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e art.º 547º, art.º 3º do Código de Processo Civil.

  2. O Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação das normas jurídicas –Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa; Art.º 2º, n.º 1 do CPTA, Art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 341º artigo 376º ambos do Código Civil; Artigo 410º e seguintes do CPC - à situação fáctica que se traz à douta apreciação de V.ªs Exªs.

  3. O saneador sentença é nulo por violação do princípio do direito à prova, por insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental.

    Senão vejamos, C) Nos presentes autos, a prolação do despacho saneador sentença consubstanciou uma decisão surpresa para as partes intervenientes D) Somente com a notificação do despacho saneador sentença é que, o aqui Recorrente, teve conhecimento da dispensa da audiência prévia a que alude o art.º 87º-A do CPTA.

    E) A arguição da presente nulidade processual – dispensa ilegal da audiência prévia – por meio de recurso jurisdicional é o meio adequado para reagir contra a aludida nulidade. Por conseguinte, a nulidade processual aqui invocada em sede de recurso deve ser apreciada pelo Douto Tribunal Superior, nos termos que se seguem.

    F) O Tribunal “a quo” dispensou ilegalmente a audiência prévia, cuja realização era obrigatória, ao abrigo do art.º 87-A do CPTA, passando de imediato a apreciar e a decidir a questão de mérito dos autos, na sequência do qual emanou o despacho saneador sentença.

    G) Ao abrigo do Principio da legalidade concluídas as diligências de aperfeiçoamento previstas no art.º 87º do CPTA, é obrigatória a realização da audiência prévia prevista para os fins indicados no art.º 87º-A do CPTA.

    H) A audiência prévia só pode ser dispensada nos casos em que a lei admite expressamente essa dispensa (art.º 87-B) ou no uso da faculdade de gestão processual, respeitando, sempre o princípio do contraditório.

    I) O artigo 87º – B do CPTA, sob a epígrafe não realização da audiência prévia permite a dispensa da audiência prévia nas situações aí elencadas nas alíneas d) e) e f) do n.º 1, do artigo anterior (87º-A), ou seja, para proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1, do artigo 88º; para determinar, após debate, a adequação formal ou a agilização do processo; e para proferir após debate, despacho destinado a identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes.

    J) O conhecimento do mérito da causa encontra-se incluído na alínea b) do n.º 1, do art.º 87º-A do CPTA (facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa), porém o Tribunal está obrigado por determinação legal a convocar audiência prévia, para o efeito prescrito, na alínea b), do n.º 1, do artigo 87º-A do CPTA.

    K) Não o tendo feito incorreu o Tribunal em omissão de um acto processual expressamente prescrito na lei processual, o qual culmina com a nulidade.

    L) O Recorrente, nos presentes autos, não foi ouvida acerca da possibilidade de dispensa da realização da audiência prévia, nem quanto à possibilidade de se poder opor a tal, no prazo de 10 dias.

    M) Assim, a dispensa da audiência prévia com fundamento no poder de gestão processual invocado no despacho nomeadamente pelos “(...) do art.º 88º e n.º 3, do art.º 90, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e art.º 547º do Código de Processo Civil). (...)”, também não tem provimento, atenta a finalidade de conhecer do mérito da causa e não ter sido dado prazo para o contraditório.

    N) Esta nulidade processual é susceptível de gerar ou influir no exame ou na decisão da causa, por violação flagrante do princípio do contraditório a que se reporta o art.º 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o que conduz inevitavelmente à nulidade da decisão.

    O) O despacho de dispensa da audiência prévia viola de forma manifesta e grosseira o princípio do contraditório (Art.º 3, n.º 3, do CPC) e a obrigatoriedade de convocação da audiência prévia (art.º 87º-A do CPTA), que têm como finalidade última evitar verificar-se no processo judicial situações de decisão surpresa.

    P) No caso “sub iudice”, não foi conferido o direito ao contraditório sobre a tramitação processual da causa, assim como, não foi dada possibilidade do direito ao contraditório sobre a prolação de decisão de mérito sem produção de prova.

    Q - Pelo que, é nulo o despacho que dispensou a audiência prévia a que alude o Art. 87º-A do CPTA, nulidade que determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente, como seja, o proferido saneador sentença. O que se requer.

    R) Sem prescindir da nulidade já invocada, acresce arguir a nulidade do despacho de dispensa de audiência prévia, por falta de fundamentação (violação do artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

    S) O Tribunal “ a quo” decidiu dispensar a produção de outros meios probatórios por simplesmente considerar sem mais “(...) que a prova documental oferecida é suficiente para a apreciação do pedido, sem necessidade de mais indagações, que as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal foram objecto de suficiente discussão de facto e de direito nos articulados (...)”.

    T) Constata-se, assim, que o aludido despacho não se encontra fundamentado de facto ou de direito, contém meras alegações genéricas, não indicando as ilações tiradas nem especificando fundamentos que fossem decisivos para formar a sua convicção e levasse à conclusão da dispensa da audiência prévia.

    U) Resulta, deste modo, uma clara ausência de fundamentação, que não permite o exercício esclarecido do direito ao contraditório e nem assegura a transparência e a reflexão decisória, para convencer e não apenas impor.

    V) Nulidade, que se invoca para os devidos efeitos legais.

    AINDA, SEM PRESCINDIR, X) O saneador sentença é nulo por violação do direito à prova; insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental, que se invoca para os devidos efeitos legais.

    Z) Resulta do Saneador Sentença no ponto 1.3. Motivação que: “A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como dos documentos constantes do PA os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos. Os restantes factos consideram-se admitidos por acordo por não terem sido...

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