Acórdão nº 209/21.3YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO GUERRA (RELATOR DE TURNO)
Data da Resolução30 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº. 209/21.3YRLSB.

Extradição Acordam, em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1.

Vem o presente recurso interposto por AA, cidadão …….., do acórdão proferido no processo de extradição nº. 209/21.3YRLSB pelo Tribunal da Relação ….., que concedeu a sua extradição requerida pelas autoridades judiciárias de Angola, para procedimento criminal pela pática do crime de peculato, no processo-crime n° 27/2019 em que é arguido, a correr termos na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da Procuradoria-Geral da República de Angola (DNIAP), e que terá sido praticado em território angolano, entre os anos de 2009 e 2010.

  1. O recorrente terminou a motivação do seu recurso com as seguintes Conclusões: “1. Contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, entende o Extraditando que a falta de garantia formal do Estado Requerente que não procederá criminalmente contra o opoente por factos diversos dos que fundamentaram o pedido de extradição, em violação do disposto na alínea c) do artigo 44.º da Lei 144/99, é um facto determinante para a concessão da extradição, 2.

    Nem sem a junção da cópia dos textos legais (incluindo a moldura penal) dos crimes pelos quais é fundamentada a extradição, em cumprimento da alínea f) do artigo 23.º da Lei 144/99 e alínea c) do n.º 3 do artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a qual é elemento fundamental para a aferição do pedido de extradição e consequente decisão.

  2. Entendeu o Acórdão recorrido que, encontrando-se juntos a folhas 116 a 130 excertos do Código Penal Angolano, e que tendo o Subprocurador Geral da República de Angola informado a fls. 144 e 145 que a moldura abstrata aplicada ao crime de peculato é de 12 a 16 anos de Prisão Maior, se encontra preenchido o requisito legal.

  3. Não pode o Extraditando concordar com esta decisão, porquanto as cópias dos extratos legais não referem a moldura penal do crime de peculato.

  4. A fl. 117 dos autos, não permite ao Extraditando ou Tribunal concluir qual a moldura penal do crime, e nenhum elemento ou documento junto aos autos permite concluir que a moldura penal do crime de peculato é igual ou superior a 12 anos, e, por conseguinte, não se encontra amnistiado.

  5. Não basta a mera informação do Estado Requerente que o crime de peculato não se encontra amnistiado porque prevê abstratamente uma pena de 12 a 16 anos, sem qualquer base legal, para ser aceite tal informação como substituição de textos legais.

  6. É legitimo ao Extraditando questionar a moldura penal do crime de peculato, e querer aferir que o crime de peculato não se encontra amnistiado, uma vez que a amnistia do crime é fundamento para a rejeição da extradição nos termos do disposto no artigo 8.º n.º 1 da Lei 144/99 e artigo 3.º, alínea d) da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

  7. Mais acresce que o Estado Requerente, no pedido de extradição, no mandado de captura e no pedido de colaboração internacional à INTERPOL ignorou a existência da Lei da Amnistia, pedindo a captura do Extraditando com base em crimes amnistiados.

  8. Sendo também verdade, e de conhecimento publico, que tem vindo a condenar judicialmente diversas pessoas politicamente expostas em Angola, seja ex-ministros, ex-diretores de empresas ou outras pessoas que estiveram relacionadas de alguma forma com o anterior Governo angolano, por crimes amnistiados, e nos não amnistiados sem a redução de ¼ da pena conforme previsto na Lei da Amnistia, conforme aconteceu no processo judicial 23/2018 de onde foi extraída certidão para abertura de processo crime 27/2019 contra o Requerido, e no qual foi julgado o ex-ministro dos transportes Angolano, BB, em sentença proferida em Agosto de 2019, após a amnistia concedida pela Lei 11/16 de 12 de Agosto, e que foi condenado pelo Tribunal Supremo de Angola, pelos crimes de violação das normas de execução do plano de orçamento sob forma continuada a uma pena de um ano e seis meses; pelo crime de abuso de poder sob forma continuada a uma pena um ano e seis meses de prisão e dezoito meses de multa; pelo crime de participação económica a uma pena de três anos de prisão.

  9. Ou seja, embora perante crimes amnistiados de acordo com a Lei Angolana, o Tribunal Supremo do Estado Requerente – Angola – julgou e condenou pela prática de crimes amnistiados pela Lei 11/16 de 12 de Agosto, como se a Lei da Amnistia não existisse.

  10. Mais acresce que houve uma alteração do código penal angolano entre a data dos alegados factos e atual data, sendo aplicável em Angola, à semelhança do ocorrido em Portugal a lei penal mais favorável ao Arguido, a qual se desconhece qual é, e a moldura penal aplicável à data da prática dos factos e a aplicável à presente data.

  11. Ora, não se mostrando cumprido o estipulado no artigo 23.º n.º 1 al. f) da Lei 144/99, por não ter sido junta cópia dos textos legais onde se encontra prevista a moldura penal aplicável ao crime de peculato, é legitima a duvida sobre se o crime de peculato se encontra ou não amnistiado em Angola, facto que a se verificar é causa de recusa de cooperação internacional e extradição, ao abrigo do artigo 8.º n.º 1 da Lei 144/99 e art. 3.º, n.º 1, al. d) da Convenção de Extradição entre Estados da CPLP.

  12. Por outro lado, não foi prestada pelo Estado Requerente qualquer garantia formal, que o Requerido não será extraditado para terceiro Estado, nem detido para procedimento penal, cumprimento de pena ou outro fim, por factos diversos dos que fundamentam o pedido, não se mostrando cumprido o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 44.º da Lei 144/99 de 31.08.

  13. E não pode o Extraditando concordar com o Tribunal Recorrido quando afirma que “a segurança do extraditando nesta questão é plena, visto que as autoridades judiciarias angolanas esclareceram a Sra. Ministra da Justiça (…) que para efeitos de extradição pedida, a razão de prevalência do crime de peculato como sendo o crime principal, mais grave e não amnistiado”.

  14. A fls. 122 o Estado Requerente na informação prestada à Senhora Ministra da Justiça, não exclui o julgamento e condenação do Extraditando por outros crimes, mas apenas que o crime principal será o de peculato, admitindo ainda a possibilidade de julgamento do Requerido pelo crime de branqueamento de capitais.

  15. Salvo melhor opinião, admite o Estado Requerente no seu esclarecimento de fls. 122 que após a extradição poderá não cumprir a regra da especialidade, a qual o Requerido não renunciou, afirmando poder vir a julgar o Requerido também pelo crime de branqueamento de capitais.

  16. A inexistência da garantia formal prestada pelo Estado Angolano, é indicativa de que o mesmo irá ocorrer com o Extraditando, uma vez concretizada a extradição, em clara e flagrante violação da regra da especialidade.

  17. O Extraditando nunca se negou a colaborar com a justiça angolana, nunca foi emitida qualquer carta rogatória por Angola para que o Requerido colaborasse com a justiça angolana, pese embora o seu paradeiro fosse conhecido, e nada obstava a que, a partir de Portugal o Requerido colaborasse com a justiça angolana no decurso do processo criminal.

  18. Verifica-se assim, que no pedido de extradição não se verificam reunidos os requisitos dos artigos 23.º e 44.º da Lei 144/99, havendo dúvida séria sobre a aplicação da lei da amnistia ao crime de peculato, a qual a extradição é fundamento de recusa nos termos do artigo 6.º e 8.º da Lei 144/99.

  19. Se assim fosse, e se não fosse necessário o cumprimento dos requisitos dos artigos 23.º e 44.º da Lei 144/99, mas apenas e tão só verificar se estavam verificadas situações taxativas que impedissem a extradição, não seria necessária a analise dos processos de extradição pelos Tribunais da Relação, havendo lugar apenas e tão só à verificação de um formalismo burocrático, num procedimento automático, em completa denegação de justiça, o que não pode acontecer num estado de direito como o nosso.

  20. Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 16/13.7YREVR.E1.S1 ao referir “Dado que “a decisão de extradição não se configura, não se deve configurar, como um procedimento quase automático, assente numa repetição de estereótipos, mas sim uma cuidada equação das circunstâncias do caso vertente” (Ac. STJ, de 31-03-2011), e face ao disposto no art. 10.º, da Lei 144/99, entendemos que o tribunal deveria apresentar fundamentação justificativa da necessidade e proporcionalidade da extradição em atenção aos factos praticados...” 22. Ora, no Acórdão recorrido tal não aconteceu… não foram verificadas as circunstâncias concretas, legislação aplicável, verificação eventual da aplicação da Lei da Amnistia ao crime de peculato, nem as garantias formais necessárias, para que haja lugar a um processo de extradição justo e que confira as necessárias garantias ao Extraditando”.

  21. Ao recurso respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso, concluindo pela seguinte forma: “1 - O pedido de extradição foi formulado pela República de Angola, sendo o recorrente cidadão daquele Estado.

    2- O Estado angolano possui uma Constituição escrita que congrega e integra um amplo conjunto de regras e princípios que regulam o exercício do poder, sujeitando-o a regras jurídicas e desta forma, garantindo aos seus cidadãos a protecção dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente...

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