Acórdão nº 834/19.2JABRG.G1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO GUERRA (RELATOR DE TURNO)
Data da Resolução06 de Agosto de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº. 834/19.2JABRG.S1 Recurso Penal Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça.

I- Relatório: 1.

No Tribunal Judicial da Comarca ..... – Juízo Central Criminal ......, Juiz .. – foi o recorrente AA julgado nos termos do disposto no artº. 472º, do CPP e, por acórdão de 20.1.2021, condenado na pena única conjunta de 8 (oito) anos e 1 (um) mês de prisão, resultante do cúmulo jurídico superveniente das penas parcelares aplicadas neste Processo Comum Coletivo nº. 834/19.......... e no Processo Comum Coletivo nº. 1844/17......, do Juízo Central Criminal ......, Juiz .., do Tribunal Judicial da Comarca ..... (com exceção da pena de prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa), e nas seguintes penas acessórias pelo período de 5 (cinco) anos: proibição de contacto com a vítima BB, por qualquer forma, ou por interposta pessoa, sendo que tal medida deverá ser fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância, a qual se mostra imprescindível para a garantia do cumprimento da medida e, consequentemente, a proteção da ofendida/vítima, conforme o artº. 36º, nº. 7, da Lei nº. 112/2009, de 16.9, e obrigação de frequência de um programa específico de prevenção da violência doméstica.

  1. Inconformado, interpôs recurso do acórdão cumulatório para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes Conclusões: “1. O Recorrente AA não se conforma com o douto Acórdão prolatado em 20.01.2021, que o condenou, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 1 (um) mês de prisão, com as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima BB, e de obrigação de frequência de um programa específico de violência doméstica, ambas por um período de 5 (cinco) anos; 2. Salvo o devido respeito e merecido respeito, no douto Acórdão, o Ilustre Coletivo, sem prescindir ser composto por Magistrados Judiciais de inegável qualidade técnica e humana, não efectuou, no caso concreto, uma correcta apreciação de facto e de direito, tendo condenado, sem escamotear a gravidade dos crimes, em pena que, de acordo com as necessidades de prevenção geral e especial sentidas no caso concreto poderia e deveria ter sido mais reduzida. A pena única de 8 (oito) anos e 1 (um) mês de prisão a par das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima BB e de obrigação de frequência de um programa específico de violência doméstica, ambas por um período de 5 (cinco) anos – em cúmulo das penas aplicadas nos processos 834/19.......... e 1844/17...... – são contrárias aos fins das penas; 3. A aplicação da pena visa a proteção dos bens jurídicos violados (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a medida concreta da pena exceder a culpa do agente (artigo 40º do Código Penal), assim, o nosso ordenamento jurídico proíbe as penas exemplares ou as penas que não respeitem os seus próprios fins. Deve, na sua determinação atender-se a todas as concretas circunstâncias e ao homem (ou mulher) que está perante o Tribunal; 4. Com o devido respeito, que é muito, e no caso concreto devido e muito merecido, o Tribunal a quo não teve em conta, na determinação da presente pena que aqui se coloca em crise, que o aqui recorrente é um indivíduo com um passado desestruturado e toxicodependente, factores que não justificam de todo o seu comportamento, mas contextualizam parcialmente o mesmo, porque os factores exógenos são esmagadores e conduziram o mesmo à sua autodestruição, e infelizmente nesse processo o recorrente fez vítimas e teve os comportamentos desumanos dos autos, mas tal aconteceu quando o mesmo estava absolutamente descontrolado, e sem freios éticos, nem amor próprio, nem respeito por terceiros, o que contudo, actualmente já não é assim, tendo existido uma evolução da personalidade, sendo um individuo a carecer de uma nova oportunidade. O Tribunal a quo sopesou mais o reflexo negativo deste, resultante do número de crimes praticados e da gravidade dos mesmos que emergem do registo criminal e acima de tudo dos factos dados como provados. O Tribunal a quo deveria, para determinar as concretas penas deste cúmulo, aqui postas em crise, atender e procurar conhecer o homem que estivera à sua frente, e que existe e se está a transformar, e que já não é apenas aquele reflexo negativo espelhado no registo criminal, conforme resulta do relatório social constante dos autos; 5. O Tribunal a quo, sem prescindir a reconhecida qualidade técnica e humana dos magistrados judiciais que compunham o coletivo - os quais, reitera-se, são reconhecidamente qualificados e merecem todo o respeito e são um bom exemplo da grande qualidade dos magistrados judicias portugueses - nestes autos errou, e não considerou as circunstâncias por si apuradas e vertidas na matéria de facto que depunham a favor do recorrente, entre as quais, uma manifesta evolução da personalidade do condenado, refletida pelo seu comportamento ajustado e cumpridor das regras na Comunidade Terapêutica onde se encontra inserido. A atual e contínua abstinência de produto estupefaciente, a qual, o aqui recorrente mostra-se determinado em manter. Mais ainda, os inegáveis progressos denotados ao recorrente no que concerne ao autodomínio, controlo da agressividade e interação interpessoal; 6. O aqui recorrente apresenta, inclusivamente, perspectivas futuras de assumir uma conduta em conformidade com a lei, profissionalmente activa, e num ambiente familiar reorganizado, onde o mesmo se encontra claramente suportado e amparado pelos seus familiares, especialmente, pela sua mãe, com a qual tem uma relação harmoniosa e coesa, pautada pelo apoio incondicional; 7. Deve, além do referido, ter-se em consideração a pragmática ambição do condenado em emigrar para a Suíça/Alemanha, onde possui familiares maternos dispostos a ajudá-lo e orientá-lo na sua debanda em busca de melhores condições de vida, estabilidade pessoal e profissional, promovendo, indubitavelmente, um distanciamento do ambiente nocivo com o qual o aqui recorrente sempre se defrontou e que, só por si, se afigura contraproducente para uma adequação dos seus comportamentos e atitudes com o que é social e legalmente espectável; 8. Reitere-se, nos presentes autos, em sede de julgamento dos crimes de que o aqui recorrente veio a ser condenado, este mesmo Tribunal a quo havia condenado na pena única de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, ressalvadas as respectivas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de obrigação de frequência de um programa especifico de prevenção da violação doméstica, pelo período de 5 anos - cfr. Acórdão condenatório proferido em 30.04.2020, transitado em julgado em 29.09.2020, relativamente a crimes cometidos em 29.05.2019 -, quando, além do mais e conforme supra referido, do registo criminal do arguido já constavam as demais condenações que foram objeto do presente de cúmulo. Ainda assim, entendeu o Tribunal a quo, nessa altura e apesar das condenações anteriores, condenar o aqui recorrente na pena de única de 6 (seis) anos e 8(oito) meses de prisão, a par das respetivas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de obrigação de frequência de um programa específico de prevenção da violação doméstica, pelo período de 5 anos.

  2. O que mudou desde então? 10. Nada. Ou melhor, continuou a mudar, continuou a positivamente evoluir a personalidade do recorrente AA, conforme resulta da factualidade dada como provada, e do relatório social, presente dos autos; 11. Aliás, resulta inclusive dos autos que o aqui recorrente confessou, conscientemente, os factos referentes ao Processo Comum Coletivo nº 1844/17......, sob os quais se mostrou arrependido; 12. Acresce que, o condenado demonstra vontade de se manter profissionalmente ativo, contrariando a precariedade laboral que, até à data, infelizmente, o assolava.

  3. No mais, destaca-se, desde já, a procura de apoio e auxílio na figura dos seus familiares emigrados na Suíça/Alemanha, corroborada pela sua mãe, visando o objetivo supracitado e contrariando a tendência laboral intermitente que o caracterizava.

  4. Acresce, ainda, que o Recorrente é jovem, teve o passado desestruturado, não provem de um ambiente familiar ajustado, nem lhe foi assegurado um são desenvolvimento – sem prescindir do seu livre-arbítrio –, carece de ter um FUTURO e a possibilidade de recomeçar uma nova vida junto da família e namorada que o apoiam.

  5. Em reclusão, em cumprimento de pena, para além de ver coarctado um futuro e um caminho de retidão e honestidade que tem pela frente, tomará contacto com a nefasta realidade das prisões que poderá vir a ter uma influência perniciosa e contrária aos interesses de reinserção social que o nosso ordenamento institui.

  6. Efetivamente, a liberdade é um dos valores, senão o mais importante da existência humana. Pela sua possibilidade muitos homens se submeteram e submetem à tortura. Morreram e morrem. No horizonte da utopia a sua conquista os fez abrir mão do bem estar, carreira e família.

  7. Assim, o recorrente, jovem, com uma mão cheia de oportunidades para dar um novo rumo à sua vida, inerente à vontade de trabalhar e fazer de si um HOMEM, não apela à condescendência da justiça, mas sim que nela aposte e lhe dê uma merecida e justa oportunidade de retomar o correto caminho.

  8. Destarte, salvaguardados os requisitos de prevenção geral e especial das penas, se tem por mais ajustados os critérios do artºs. 71º a 73 do C.Penal.

  9. Acresce que, tendo em conta o relatório social do arguido - que o Tribunal a quo parcialmente ignorou -, assim como os factos dados como provados, o Tribunal a quo estava em condições de poder efetuar um juízo de prognose favorável ao condenado, bem como, estava em condições de poder definir ou situar, as concretas necessidades de prevenção geral e especial, em grau mínimo ou, no limite, em grau médio. E se o tivesse feito, como se impunha, podia e devia condenar o aqui recorrente AA em pena de prisão única mais próxima do limite mínimo...

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