Acórdão nº 676/21 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução12 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 676/2021

Processo n.º 822/2019

Plenário

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Adão José Fonseca Silva, militante n.º 7125 do Partido Social Democrata (PSD), impugnou, nos termos do artigo 103.º-D, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a deliberação do Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) daquele partido, datada de 24/05/2021, que lhe determinou a aplicação da sanção de advertência.

1.1. Por via do Acórdão n.º 554/2021, da 1.ª secção, foi concedido provimento ao pedido formulado e, em consequência, anulada a referida deliberação do CJN do PSD (cfr. fls. 490 a 529).

No referido aresto, a título de questão prévia, julgou-se a deliberação definitiva, por se encontrarem esgotados todos os meios de impugnação (cfr. ponto 2.1.1. do acórdão) e, após um excurso sobre os princípios norteadores da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito do contencioso dos partidos políticos (com referência ao Acórdão n.º 396/2021 e demais jurisprudência ali citada), decidiu-se o seguinte, no tocante ao mérito da causa:

“[…]

2.3. Para além do princípio da intervenção mínima, outras notas do regime jurídico do poder disciplinar dos partidos podem ser mobilizadas com especial relevância para o caso dos autos.

Da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos, doravante LPP) resulta que a organização interna dos partidos políticos não constitui um terreno de absoluta liberdade associativa.

Em coerência com o reconhecimento aos partidos políticos da função político-constitucional de concorrer “[…] para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política” (artigo 1.º da LPP), com o consequente papel fundamental por eles protagonizado na vida democrática, estabelece-se que os mesmos se regem “[…] pelos princípios da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus filiados” (artigo 5.º, n.º 1, da LPP), competindo “[…] aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso” (artigo 22.º da LPP). De entre as regras de organização interna constantes da LPP destacam-se as seguintes:

Artigo 24.º

Órgãos nacionais

Nos partidos políticos devem existir, com âmbito nacional e com as competências e a composição definidas nos estatutos:

a) Uma assembleia representativa dos filiados;

b) Um órgão de direção política;

c) Um órgão de jurisdição.

Artigo 25.º

Assembleia representativa

1 – A assembleia representativa é integrada por membros democraticamente eleitos pelos filiados.

2 – Os estatutos podem ainda dispor sobre a integração na assembleia de membros por inerência.

3 – À assembleia compete, sem prejuízo de delegação, designadamente:

a) Aprovar os estatutos e a declaração de princípios ou programa político;

b) Deliberar sobre a eventual dissolução ou a eventual fusão com outro ou outros partidos políticos.

Artigo 26.º

Órgão de direção política

O órgão de direção política é eleito democraticamente, com a participação direta ou indireta de todos os filiados.

Artigo 27.º

Órgão de jurisdição

Os membros do órgão de jurisdição democraticamente eleito gozam de garantia de independência e dever de imparcialidade, não podendo, durante o período do seu mandato, ser titulares de órgãos de direção política ou mesa de assembleia.

Artigo 30.º

Deliberações de órgãos partidários

1 – As deliberações de qualquer órgão partidário são impugnáveis com fundamento em infração de normas estatutárias ou de normas legais, perante o órgão de jurisdição competente.

2 – Da decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente, nos termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

Das normas transcritas resulta, designadamente, que a lei procurou garantir um equilíbrio interno e, nessa medida, uma separação entre órgãos (rectius, entre funções) representativos, de direção política e jurisdicionais.

Os órgãos jurisdicionais apresentam-se, prima facie, como portadores de uma essência que emula a dos tribunais, refletindo uma parte das respetivas garantias – designadamente, a independência e a imparcialidade –, prevendo-se algumas incompatibilidades que têm em vista estabelecer as melhores condições para que sejam efetivas.

Na interpretação das normas de estatutos de um partido relativas às competências de cada órgão, deve ter-se presente que elas se destinam, também, a concretizar a sobredita separação e equilíbrio interno.

Dando corpo ao “órgão de jurisdição” previsto na LPP, os Estatutos do PSD preveem o seguinte:

Artigo 13.º

(Órgãos Nacionais)

São órgãos nacionais do Partido:

----------------------------------------------------------------------------------------------

e) O Conselho de Jurisdição Nacional;

----------------------------------------------------------------------------------------------

Artigo 28.º

(Competência)

1 – O Conselho de Jurisdição Nacional é o órgão encarregado de velar, ao nível nacional, pelo cumprimento das disposições constitucionais, legais, estatutárias e regulamentares por que se rege o Partido.

2 – Compete ao Conselho de Jurisdição Nacional:

a) Apreciar a legalidade de atuação dos órgãos nacionais, regionais e distritais do Partido, podendo, oficiosamente ou mediante impugnação de qualquer órgão nacional ou de, pelo menos, 100 ou 5% dos militantes inscritos no âmbito do órgão cujos atos se pretendam impugnar, anular qualquer dos seus atos por contrários à Constituição, à lei, aos Estatutos ou aos Regulamentos;

b) Proceder aos inquéritos e instaurar os processos disciplinares que considere convenientes ou que lhe sejam solicitados pelo Conselho Nacional, pela Comissão Política Nacional ou pelo Secretário-Geral a qualquer órgão nacional ou distrital, sector de atividade do Partido ou a qualquer militante que os integre, podendo para o efeito designar como instrutores ou inquiridores os militantes que entender;

c) Ordenar aos Conselhos de Jurisdição Distritais a realização de inquéritos aos órgãos e sectores de atividade do Partido a nível das Secções, bem como instaurar processos disciplinares aos militantes que os compõem;

d) Julgar os recursos que para eles sejam interpostos das decisões dos Conselhos de Jurisdição Distritais;

e) Emitir pareceres vinculativos sobre a interpretação dos Estatutos e a integração das suas lacunas;

f) Receber as candidaturas a Presidente da Comissão Política Nacional, assegurar a transparência, garantir a imparcialidade e fiscalizar a regularidade do processo eleitoral;

g) Fixar as remunerações dos titulares dos órgãos nacionais;

h) Decidir sobre as propostas de dissolução das Comissões Políticas Distritais apresentadas pela Comissão Política Nacional nos termos da alínea h) do n.º 2 do Artigo 21.º.

3 – O Conselho de Jurisdição Nacional ou qualquer dos seus membros têm o direito de solicitar ou consultar todos os elementos relativos à vida do Partido necessários ao exercício da sua competência.

4 – O Conselho de Jurisdição Nacional é independente de qualquer órgão do Partido e, na sua atuação, observa apenas critérios jurídicos.

5 – Para o exercício da sua competência poderá o Conselho nomear como instrutores de inquéritos os militantes que entender e bem assim fazer-se assistir pelos assessores técnicos que julgar necessários.

6 – As decisões do Conselho são sempre tomadas no prazo máximo de 90 dias, salvo justificado motivo para a sua prorrogação, não devendo, em caso algum, o processo exceder o prazo de cento e oitenta dias até à decisão final.

Artigo 29.º

(Composição)

1 – O Conselho de Jurisdição é composto por nove membros efetivos e por seis suplentes, eleitos em Congresso.

2 – O Presidente é o primeiro candidato da lista mais votada no Congresso Nacional, sendo o Secretário eleito de entre os seus membros, na primeira reunião do Conselho.

Artigo 30.º

(Reuniões)

O Conselho de Jurisdição Nacional reúne ordinariamente uma vez por mês e, em sessão extraordinária, sempre que o Presidente o convocar por sua iniciativa ou a requerimento de um terço dos seus membros.

----------------------------------------------------------------------------------------------

Artigo 75.º

(Incompatibilidades)

1 – O Secretário-Geral não pode acumular com o exercício de funções governativas.

2 – Os membros dos Conselhos de Jurisdição não podem exercer funções nas Comissões Políticas e nas Comissões Permanentes.

3 – Verificando-se acumulação de mandatos, o interessado deverá optar, no prazo de três dias, comunicando a suspensão do mandato ao presidente do órgão respetivo.

4 – Ninguém pode ser simultaneamente membro do Conselho de Jurisdição Nacional e de outro órgão de jurisdição de âmbito territorial inferior ou das organizações especiais do Partido, preferindo sempre o mandato no Conselho de Jurisdição Nacional.

Para além da independência e imparcialidade do órgão, sobressai neste retrato estatutário a vinculação a critérios de atuação e decisão “jurídicos” (artigo 28.º, n.º 4), confirmando, enfim, que se trata de um órgão situado num plano distinto dos órgãos políticos e norteado por critérios de objetiva normatividade estatutária e regulamentar.

Releva o exposto para realçar um corte transversal do sistema.

O princípio da intervenção mínima visa evitar a jurisdicionalização da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT