Acórdão nº 675/21 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução12 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 675/2021

Processo n.º 1046/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1. Nestes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A., Lda. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão proferido em 16 de abril de 2020 no Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso pela mesma interposto, mantendo a sentença proferida, em 13 de janeiro de 2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual, por seu turno, julgou procedente a invocada exceção da intempestividade da interposição da ação de contencioso pré-contratual instaurada contra o Ministério da Defesa Nacional e EID - Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Eletrónica Lda. (adiante designada EID), absolvendo-os da instância.

Por inconformada com a decisão proferida no Tribunal Central Administrativo Sul e aqui recorrida, a ora recorrente interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, fundado no artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).

Em sede de apreciação preliminar sumária, por acórdão de 9 de julho de 2020, foi decidido não admitir o recurso por não se verificarem os respetivos pressupostos. Nesta sequência, a recorrente apresentou requerimento de arguição de nulidades, invocando a falta de fundamentação do aresto, por ser obscuro e ambíguo, e a omissão do conhecimento de questões de que deveria conhecer, de acordo com o artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil, ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.

Tendo sido indeferidas aquelas nulidades por acórdão de 15 de outubro de 2020, a recorrente interpôs o presente recurso de constitucionalidade, o qual mereceu admissão em despacho de 5 de novembro de 2020.

2. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente delimitou o objeto respetivo nos seguintes termos:

«(…) A interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, do CPTA, e artigo 279.º, alíneas b) e c), do Código Civil, nos termos da qual, no âmbito da jurisdição administrativa, os prazos de impugnação dos atos administrativos pré-contratuais incluem, na sua contagem, o próprio dia do evento que lhes dá início.

(…) Esta interpretação viola os seguintes parâmetros constitucionais: princípios da igualdade, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ínsitos nos artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.os 3 e 4 da CRP.

(…) A interpretação normativa extraída dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, conjugados com o artigo 279.º do Código Civil, na interpretação segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.º, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito.

(…) Esta interpretação viola os seguintes parâmetros constitucionais: princípios da igualdade, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, garantidos nos artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.os 3 e 4 da CRP.»

3. Subidos os autos a este tribunal foi proferido despacho nos termos do artigo 79.º, n.º 1, da LTC, determinando a apresentação de alegações, com delimitação do objeto do recurso à interpretação normativa extraída dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, conjugados com o artigo 279.º do Código Civil (CC), segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.º, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito, por ter sido este o único critério normativo que o tribunal a quo adotou como a ratio decidendi da decisão recorrida.

Nesta sequência, veio a recorrente apresentar as suas alegações, que conclui nos seguintes moldes:

« I. O presente recurso versa sobre as razões pela quais se deve considerar INCONSTITUCIONAL a interpretação normativa extraída dos artigos 58.° n.° 2, 59.°, n.°s 1 e 2 e 101.°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugados com o artigo 279.° do Código Civil (CC), segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação, em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.°, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito.

II. Tal interpretação determina que a remissão operada, neste contexto, pelo CPTA, para as regras de contagem de prazos consagradas no artigo 279.° do Código Civil, convoque a aplicação APENAS da alínea c) deste normativo, "dispensando "a aplicação da alínea b), porquanto, alegadamente, já acautela a situação que esta norma visa proteger, tendo ínsita na sua previsão a desconsideração do dia do evento.

III. Esta foi a ratio decidendi da decisão tomada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, que determinou a interposição do presente recurso para o Tribunal Constitucional.

IV. A questão em apreço tem relevância Constitucional, porquanto as consequências de tal interpretação são extremamente gravosas no que à certeza e segurança jurídicas diz respeito, dado que as normas em causa reportam ao modo de contagem de um prazo, e, com maior relevância ainda, de um prazo de caducidade do exercício de direitos: concretamente, o direito de ação em juízo.

V. Não se trata de colocar em causa tal prazo - o prazo de um mês consagrado no artigo 101.° do CPTA - mas antes de compreender e definir, com certeza e segurança, as regras da sua contagem, i.e., os seus termos inicial e final.

VI. Tanto mais que, no contexto dos prazos de impugnação de atos administrativos, consagrados, para a generalidade dos atos administrativos, no artigo 58.° do CPTA - prevendo-se o prazo geral e regra de 3 meses para o efeito - o artigo 101.°, situando-se no âmbito do contencioso pré-contratual, enquadra- se na tramitação dos "processos urgentes" (cf. artigos 36.° n.°l c) e 97°. n.° 1 c), ambos do CPTA).

VII. Prevendo, por isso mesmo, um prazo impugnatório substancialmente mais curto - de apenas 1 mês - para a impugnação dos atos previstos no artigo 100.° do CPTA.

VIII. Não é exata a menção, constante do Acórdão recorrido, à jurisprudência maioritária que, alegadamente, acompanharia a interpretação normativa aí propugnada.

IX. Sendo disso exemplo o Acórdão proferido no processo n.° 985/19.3BELSB, pelo próprio TCA Sul, a 16.01.2020, no qual adotou posição oposta à vertida no Acórdão recorrido.

X. E não o é, sobretudo, desde a entrada em vigor da alteração de 2015 ao CPTA (por via do Decreto-Lei n.° 214-G2015, de 02.10), por via da qual se consagrou, precisamente, a remissão do n.° 2 do artigo 58.° do CPTA para o artigo 279.° do CC.

XI. Na verdade, a jurisprudência maioritária, a que alude o Acórdão recorrido, existiu e teve o seu predomínio ao abrigo da LPT A, que previa, igualmente, um prazo de caducidade para o exercício do direito da ação impugnatória de atos administrativos (cf. artigo 28.° da LPT A, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de julho).

XII. No contexto de nova e diferente legislação, a partir de 2002 - o CPTA (aprovado pela Lei n.° 15/2002, de 22.02) - imbuída de um novo espírito, menos arreigado ao contencioso de estrita anulação de atos e antes abonando a favor da plena jurisdição e da tutela jurisdicional efetiva, veio ser, necessariamente outra a posição dos nossos Tribunais.

XIII. E sempre existiu, mesmo aquando da vigência da LPTA, doutrina e jurisprudência - inclusivamente do Supremo Tribunal Administrativo - em abono da forma de contagem do prazo sustentada pela ora Recorrente, ou seja, a favor da aplicação cumulativa das alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil, ao prazo de caducidade de direito de ação então previsto no artigo 28.° da LPTA

XIV. A título de mero exemplo, vejam-se os Acórdãos de 27 de janeiro de 1987, do nosso Supremo Tribunal Administrativo, proferidos no âmbito dos recursos n.° 24351 e n.° 24105.

XV. Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 214- G/2015, de 02.10, não quedam dúvidas de que a interpretação normativa que sustenta a aplicação autónoma e cumulativa das alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil na contagem do prazo de impugnação de atos administrativos, seja no contencioso impugnatório urgente, seja no não urgente, é, na ótica da Recorrente, a única conforme à lei e à Constituição.

XVI. Num domínio tão relevante como o da contratação pública acima referida, em que são conhecidas a complexidade dos processos, a extensa documentação que compõe e integra os processos administrativos na tramitação pré- contratual, bem como o interesse público e os interesses comerciais e económicos em presença, é de suma importância que as regras e os prazos de impugnação dos atos praticados sejam claras e inequívocas.

XVII. A consequência de uma interpretação normativa como a que se extrai do Acórdão recorrido redunda na preclusão da possibilidade definitiva de exercício de ação e de, por essa via, de vir a obter uma apreciação de mérito relativamente aos atos praticados pelo júri/entidade adjudicante no contexto procedimento.

XVIII.A questão colocada à douta análise deste Tribunal Constitucional assume relevância jurídica transversal, nomeadamente porque a questão da aplicação cumulativa ou disjuntiva das alíneas b) e c) do artigo 279.° do CC tem relevância em todas as áreas do Direito, sendo, no entanto, naquelas em que o cidadão aparece numa posição mais frágil ou de desigualdade perante o...

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