Acórdão nº 1906/20.6T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução14 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos de protecção em benefício de BB (nascida em ...03.2020, filha de AA e de CC), instaurados pelo Ministério Público em 1.07.2020, veio este a pugnar pela aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adopção.

  1. Em 18.01.2021, proferiu o Tribunal de 1.ª instância decisão em cujo dispositivo pode ler-se o seguinte: “1°- Determinamos a colocação da menor BB à guarda da instituição CAT ........ em vista à futura adopção.

    2°- Os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais.

    3o- Determinamos a cessação de contactos da menor com os familiares.

    V- Nomeamos curador provisório à menor o Ex.o director do CAT ......, DD”.

  2. Inconformada, a mãe da menor, CC, apelou para o Tribunal da Relação do ….. e, igualmente inconformado, o mesmo fez o pai, AA.

  3. Em 25.03.2021 proferiu o Tribunal da Relação de …….. um Acórdão em que se se julgou improcedentes ambas as apelações, mantendo-se a decisão recorrida.

  4. Ainda inconformado, o pai AA interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, als.

    1. e b), do CPC.

    Termina a sua alegação formulando as seguintes conclusões: “1ª: Com o presente Recurso de Revista Excecional, pretende o Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 629.º n.º 1, 631.º, 672.º n.º 1 al. a) e b) e 674.º, n.º 1, al. a), a reapreciação da seguinte questão: violação ou erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios aplicáveis ao caso constantes dos artigos 1978.º, n.º1, alíneas d) e e) do Código Civil e 4.º, 34.º, 35º e 38.º -A da LPCJP, atenta a relevância jurídica da questão e por estarem em causa interesses de particular relevância social.

    1. : Atendendo à situação factual, ao quadro normativo aplicável e eventuais consequências inelutáveis na vida dos intervenientes, com particular relevo na vida de uma criança na sua fase inicial, dúvidas não restam, que se trata de uma questão com grande relevância jurídica e os interesses em apreço revestem particular relevância social, devendo, assim, considerar-se verificados os requisitos constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do C.P.C.

    2. : Tal relevância jurídica implica que esteja em causa uma questão de manifesta importância, que é o caso, com efeitos incontornáveis e grande repercussão na vida dos intervenientes, que reclama uma melhor aplicação do Direito.

    3. : Quanto ao critério vertido na alínea b) tem sido decidido que o “pressuposto de admissibilidade da al. b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC fica preenchido quando a resolução do pleito pode interagir com comportamentos sociais relevantes, ou seja, quando se debatam interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento sociais e a questão tenha repercussão fora dos limites da causa. A entrega de um menor a instituição social com vista a futura adopção constitui uma decisão que se relaciona com valores socais essenciais, porque implica a quebra dos laços afectivos do menor com a sua família natural, tendo evidente repercussão fora dos limites da causa.” – cfr. Acórdão do STJ, de 15-02-2018, Processo n.º 17/14.8T8FAR.E1.S1. Estão, assim, preenchidos os pressupostos formais exigidos para o conhecimento e apreciação do presente recurso como revista excecional.

    4. : Ao decidir pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, em detrimento de outras, que não implicariam um corte dos laços afetivos existentes e que permitiram a receção da criança no seu meio natural de vida, o Tribunal recorrido interpretou e aplicou incorretamente as disposições legais aplicáveis, incorrendo na sua violação.

    5. : A medida de confiança a instituição com vista a futura adoção pode ser aplicada quando se verifique objetivamente alguma das situações previstas nas várias alíneas do artigo 1978.º do CC, mas para além da verificação objetiva de um dos pressupostos é necessário que se verifique um pressuposto genérico: a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.

    6. : Não se demonstrou que estão quebrados os laços afetivos próprios da filiação, enquanto requisito autónomo, nem se fez prova de que a criança foi colocada em perigo ou que o Recorrente revelou um manifesto desinteresse por aquela, portanto, o tribunal recorrido efetuou uma efetiva e errónea aplicação da lei, questionando-se a justeza da aplicação de tal medida.

    7. : Os pressupostos dados como verificados (alíneas d) e e)) não se coadunam com a realidade e verdade dos factos e a decisão desrespeita os princípios orientadores da intervenção, designadamente os princípios do superior interesse da criança, da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família, vertidos no artigo 4.º da LPCJP.

    8. : Os factos apurados não permitem concluir que a medida em causa, dada a sua particular natureza e caraterísticas, é a que melhor tutela os direitos e interesses da criança, sendo certo que de todas as medidas previstas no artigo 35.º da LPCJP é a que maior e mais expressivo impacto tem na vida e no futuro da criança, desde logo, porque determina a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais e a cessação dos laços afetivos existentes entre a criança e a sua família biológica.

    9. : Nos presentes autos não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças em perigo e dúvidas não restam de que não foram esgotados todos os recursos que a lei prevê, sem se defender, neste segmento, contrariamente ao vertido no douto acórdão do Tribunal da Relação, que se esgotem todas medidas, mas sim que se esgotem os recursos disponíveis, mediante a intervenção das Instituições existentes, a fim de ajudar o Recorrente a superar as dificuldades que revela e que limitam a sua capacidade parental.

    10. : A aplicação de tal medida provoca o afastamento da criança da família e é o último recurso, apenas possível se outra medida suscetível de ser aplicada não se revelar adequada e suficiente.

    11. : A criança encontra-se numa situação de institucionalização e não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a condição e recursos do progenitor, com vista a recebê-la, afigurando-se suficientes medidas menos gravosas como seja a medida de apoio junto dos pais ou medida de acolhimento institucional permitindo, durante um determinado período de tempo, ao progenitor, resolver os problemas que lhe foram apontados e, por fim, não o tendo sido, aí sim, reencaminhar a criança para a adoção.

    13.º: Assim, deve o douto acórdão ser substituído por outro em que se decida nos moldes apontados, em que se aplique, acima de tudo, medida de promoção e proteção em consonância com os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, da adequação, da responsabilidade parental, da prevalência da família e do superior interesse da criança, com o que se fará oportuna e, acima de tudo, equitativa Justiça”.

  5. O Ministério Público apresentou resposta às alegações do recorrente, sustentando, no essencial, o seguinte: “A nosso ver, o recurso não deve ser admitido.

    Na verdade, visando ladear o óbice advindo art.º 671, n.º 3, do código citado - a denominada dupla conforme -, veio o recorrente acobertar-se, justificando a admissão da revista, no citado art.º 672, n.º 1, a) e b); ou seja, lançando mão da via excepcional consagrada nas indicadas alíneas.

    Só que, com o devido respeito, não ocorrem, in casu os respectivos pressupostos.

    Com efeito, sendo um imperativo ónus a sua demonstração, como decorre em termos assaz rigorosos do n.º 2 do mesmo artigo, verifica-se que o recorrente se quedou pela simples alegação – retomando aliás os meros dizeres da lei - da relevância social da vexata quaestio e da existência de interesses de particular relevância social; sem mais.

    Estando em causa uma norma excepcional, na medida em que permite o recurso ordinário fora dos ditames genéricos que do art.º 671 do aludido código dimanam, haveria o recorrente de suprir tal exigência ilustrando os requisitos factuais e jurídicos que os preenchem1. Sob pena, a não ser assim, de a excepção deixar de o ser.

    Ora, tal suprimento de todo não ocorreu.

    Nestas condições, o recurso vertente não deverá ser admitido”.

  6. Em 3.05.2021 foi proferido despacho pelo Exmo. Relator do Tribunal da Relação ….. com o seguinte teor: “Do recurso de revista excepcional Nesta Relação foi proferido acórdão em 25.03.2021, que confirmou, sem voto de vencido, a decisão proferida em 1ª instância.

    Inconformada com tal acórdão, dele veio o Recorrente AA interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT