Acórdão nº 23290/19.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

O Ministério Público instaurou, em 7 de Novembro de 2019, o presente processo judicial de promoção de direitos e protecção, em benefício de menor, recém-nascido do sexo masculino, então não identificado e internado na Unidade de Neonatologia do Hospital ..., em ....

Alega para o efeito que, no dia .../.../2019, cerca das 19.00, deu entrada naquela unidade hospitalar, um recém-nascido do sexo masculino, com uma parte do cordão umbilical.

A equipa médica que o observou no serviço de urgência, considerou que o nascimento teria ocorrido poucas horas antes, provavelmente seis horas, e a sua idade gestacional seria superior a 36 semanas.

A criança foi conduzida para o Serviço de Neonatologia do Hospital ... após ter sido localizada, naquele dia .../.../2019, cerca das 18.00, num ecoponto com terra circundante, despido e com hipotermia.

A identidade dos pais era desconhecida.

Se não tivesse sido conduzido de imediato ao hospital, onde recebeu os cuidados de saúde de que necessitava, a criança não teria sobrevivido.

Por se desconhecer a identidade dos pais não foi possível fazer intervir uma CPCJ.

Pelas mesmas razões não foi possível avaliar a situação vivencial de outros familiares que pudessem vir a acolhê-lo.

Estava em perigo a saúde e o desenvolvimento da criança, em caso de não acolhimento, após alta clínica, pelo que se impunha que lhe fosse aplicada a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, para que beneficiasse dos cuidados de que necessitava.

  1. No dia 8 de Novembro de 2019 foi proferida decisão provisória, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: “Face ao exposto e ao abrigo das normas legais citadas, conjugadas com o artigo 92.º, da LPCJP, decido: a) Confirmar o procedimento de urgência de internamento no Hospital; b) Aplicar a favor do bebé, nascido no dia .../.../2019, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, por 2 (dois) meses, a designar logo que o bebé tenha alta clínica no Estabelecimentos Hospitalar, sem prejuízo da sua alteração em momento anterior logo que seja viável a sua confiança efectiva a um núcleo familiar”.

  2. No mesmo dia foi validada a transferência da criança para a Unidade de Cuidados Intermédios da Maternidade ..., em ....

  3. No dia 12 de Novembro de 2019 foi proferida decisão da qual consta, além do mais, o seguinte: “No caso concreto, atenta a idade do menor, é essencial para o seu desenvolvimento a vinculação em ambiente familiar, sendo de evitar, na medida do possível qualquer forma de institucionalização.

    Deste modo, a medida sugerida pela Santa Casa da Misericórdia é aquela que se mostra conforme com o superior interesse do bebé, acautelando o respeito pelos princípios orientadores da intervenção, mormente o da prevalência de ambiente familiar, estatuído na alínea h) do nº4 da LPCJP.

    O casal escolhido não se propôs a acolhimento, apenas e na sequência da notícia amplamente divulgada na comunicação social, quanto às circunstâncias adversas do nascimento deste bebé. Fê-lo muitos meses antes, tendo-se candidatado, sido avaliado e selecionado para acolher no seio da sua família, uma criança que carecesse de tal apoio.

    Em face do exposto, afigura-se-nos estarem reunidas condições para tal, pelo que nos termos do disposto no artigo 35º alínea e), e artigo 62º, nº2 da LPCJP, se altera a medida de proteção aplicada de acolhimento residencial, para a medida de acolhimento familiar, a concretizar junto do agregado familiar composto por BB e CC.

    Notifique e comunique, com máxima urgência”.

  4. No dia 20 de Novembro de 2019 foi proferida a seguinte decisão: “Veio a Exma. Sra. Directora Coordenadora do Serviço Social junto da ... requerer esclarecimentos atinentes ao registo de nascimento do bebé recém nascido.

    Resulta dos autos que o bebé depois de ter sido encontrado em estado de “exposição”, foi conduzido ao Hospital ..., onde recebeu assistência médica, tendo sido seguidamente transferido para a ..., onde ainda se encontra.

    Esta situação subsume-se, pelo menos em abstracto, ao disposto nos artigos 105º a 108º do Código de Registo Civil.

    Contudo, nada obsta que tal registo seja efetuado pela Direção do Estabelecimento Hospitalar onde se encontra, nos termos previstos na alínea c) do artigo 97º do mesmo Código de Registo Civil.

    Sugere-se assim que o registo do nacimento com as informações de que se dispõe relativamente à data do mesmo, poderá ser feita pelo próprio Hospital, apenas com determinação de um nome próprio, sem qualquer menção de maternidade ou paternidade, uma vez que pese embora haja divulgação pela comunicação social da identificação da progenitora certo é que a estes autos nada foi até ao presente momento comunicado, que permita o averbamento ou declaração de menção de filiação.

    Informe em conformidade”.

  5. No dia 7 de Fevereiro de 2020 foi proferido despacho do qual consta, além do mais, o seguinte: “Em face da informação de que a criança está bem integrada a evoluir favoravelmente, junto da família de acolhimento que lhe prestar cuidados, recebendo atenção individualizada e afeto com acompanhamento próximo e permanente da estrutura de acolhimento familiar, entendo continuar a manter-se adequada a medida de acolhimento familiar, nos moldes em que tem vindo a ser executada, por mais três meses, nos termos do disposto no art. 62º, nº 3, al. c) da LPCJP, o que se determina. Notifique”.

  6. No dia 15 de Maio de 2020 foi proferido despacho do qual consta, além do mais, o seguinte: “Desde 12 de novembro de 2019, a criança DD encontra-se protegida pela medida de promoção e proteção de acolhimento familiar, a título provisório, a qual foi revista e mantida 07-02-2020.

    Não foi ainda possível definir um projeto de vida para esta criança, relativamente à qual, em primeira linha, foi necessário assegurar a sobrevivência e bem estar, bem como confirmar a identidade da família de origem, atentas as condições em que o mesmo foi encontrado e acolhido.

    Deste modo, até ao presente momento, não se alteraram os pressupostos que determinaram a aplicação, a título provisório, da medida de promoção e proteção de acolhimento familiar, pelo que, ao abrigo das normas conjugadas dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 34.º, 35.º n.º 1 alínea e), 37.º, n.º 3 e 62.º, n.º 3, alínea c), todos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro, renovo a prorrogação, a título cautelar e provisório, por mais 3 meses, da medida de promoção e proteção de acolhimento familiar, aplicada em benefício do menor “DD””.

  7. No dia 10 de maio de 2021 foi proferido despacho do qual consta, além do mais, o seguinte: “Encontra-se já definida a filiação do menor DD, tendo o mesmo sido perfilhado por AA.

    (...) Para audição dos progenitores e da técnica da EATTL gestora do processo, bem como para celebração de eventual acordo, nos termos do disposto no art. 112º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro, designo o dia 27 de Maio de 2021, às 13h. 30m.

    Até à data designada para audição agora designada, e a título de revisão da medida, a criança manter-se-á aos cuidados da sua família de acolhimentos, porquanto de acordo com o relatório da EATTL que antecede, a prestação de cuidados por esta prestada tem vindo a mostrar-se ajustada às necessidades do bebé e muito benéfica para o mesmo”.

  8. A fls. 111 encontra-se cópia do assento de nascimento do menor, lavrado a 21 de Novembro de 2019, do qual consta, além do mais, o seguinte: “Nome: DD *** Apelidos: *** Sexo: Masculino *** Hora e data do nascimento: dia ... de 2019 *** (...) Averbamento n.º 1, de 2020-03-04 A mãe é EE, solteira, nascida a .../.../1996, de nacionalidade ... (...).

    *** Averbamento n.º 2, de 2021-05-04 O pai é AA, de 30 anos de idade, solteiro, natural de ..., ... de nacionalidade portuguesa (...)”.

  9. Na diligência destinada à audição de progenitores e acordo de promoção e protecção realizada no dia 27 de Maio de 2021, e a que se reporta a acta de fls. 204-206, à qual apenas compareceu a progenitora, celebrado o seguinte acordo: “ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO 1ª Ao menor DD, nascido a .../.../2019, é aplicada a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, ficando colocado sob a guarda de família de acolhimento (onde se encontra atualmente) - art. 35.º, n.º 1 al. g) da L. P. C. J. P.

    1. A medida terá a duração necessária até ser decretada a adopção do menor e não está sujeita a revisão”.

  10. Na diligência de audição do progenitor, realizada no dia 28 de Maio de 2021, e a que se reporta a acta de fls. 208-209, o pai declarou pretender ficar com o filho, opondo-se à medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.

  11. Foram notificados os progenitores e o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 114.º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (de ora em diante: LPCJP).

    O Ministério Público apresentou alegações, concluindo assim: “Mostram-se, assim, preenchidas as condições objectivas previstas no art.º 1978º, n.º 1, al. b) e d) do Código Civil, aplicável por força do art.º 38º A da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro.

    Encontrando-se, pois, comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, no quadro do presente circunstancialismo, afigura-se-nos que a confiança a família de acolhimento com vista a futura adoção, é a solução que melhor acautela o futuro do DD importando, assim, que lhe seja aplicada a medida de promoção e proteção prevista no art. 35º, nº1 al. g) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro”.

    O progenitor apresentou alegações, concluindo assim: “A) Perante a especificidade e importância das questões suscitadas no presente processo, para avaliação da sua personalidade e capacidades cognitivas, avaliar as atitudes parentais, práticas educativas, e com o...

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