Acórdão nº 2915/13.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Julho de 2021

Data07 Julho 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Instituto dos Registos e Notariado, IP, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 20/02/2017, que no âmbito da ação administrativa especial, instaurada por M.........

, julgou a ação parcialmente procedente, anulando o ato impugnado e condenando o Réu a proceder à apreciação e decisão do procedimento de concessão de nacionalidade ao Autor, aplicando o requisito previsto na alínea d), do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, no sentido de que o facto relevante para integração da previsão normativa é a pena concretamente aplicada e não a moldura penal abstrata do crime, deferindo o pedido do Autor, se nada mais obstar.

* Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações (cfr. fls. 151 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I.

O facto de M......... ter sido punido por sentença, com trânsito em julgado, pela prática de crime punível, em abstracto, com pena de prisão de máximo igual a três anos, obsta à aquisição da nacionalidade portuguesa, independentemente de o crime que cometeu ser alternativamente punível com multa e de, a final, se ter sido condenado no seu pagamento; II.

O requisito, legalmente exigido para efeitos de naturalização, da não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos é de verificação objectiva, sendo a conduta da Administração vinculada nesta sede; III.

O Acórdão recorrido, ao fazer depender a verificação do requisito da alínea d) do n.º 1 do art.º 6º da LN da opção punitiva do juiz (prisão ou multa), advoga uma interpretação que não tem qualquer correspondência na letra da lei, conforme determina o n.º 2 do CC, preconizando uma tarefa interpretativa correctiva que não é legalmente admissível; IV.

Além de que pode sancionar uma flagrante violação dos princípios constitucionais da segurança e da igualdade (artigos 2º e 13º da CRP), uma vez que os mesmos factos podem ser legitimamente valorados de forma diferente por diferentes julgadores; V. Esta Conservatória, ao indeferir o pedido de naturalização do ora recorrido, interpretou correctamente a alínea d) do n.º 1 do art.º 6º da LN, pois a medida abstracta da pena, segundo a lei portuguesa, como pressuposto fundamental para determinar quem pode ou não adquirir a nacionalidade portuguesa é um elemento perfeitamente objectivo e encontra pleno acolhimento quer na letra quer no espírito da lei; VI.

Não se vislumbra, por essa razão, qualquer vício de violação de lei que afecte a validade da decisão impugnada; Por isso, VII.

Deve ser revogada a douta sentença recorrida; e, VIII.

Integralmente mantida a decisão que indeferiu a naturalização requerida,”.

* O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, não apresentou contra-alegações.

* O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por entender que os requisitos exigidos pelo artigo 6.º da Lei da Nacionalidade são vinculativos, tendo que se entender, no que se refere à al. d), do n.º 1 do artigo 6.º e al. b), do n.º 1 do artigo 24.º do Regulamento da Nacionalidade, que a pena a considerar para afastar a possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa é a abstratamente aplicável e não a medida concreta da pena que o Tribunal aplicou.

Defende que desde que o Requerente da aquisição da nacionalidade tenha sido condenado por um crime punível com moldura penal de pena de prisão máxima igual ou superior a três anos e, ainda que a condenação, em concreto, seja na de pena de multa, fica afastada a possibilidade de adquirir a nacionalidade portuguesa.

As referidas normas não distinguem entre condenações por crimes punidos com moldura penal com alternativa ou sem ela, não sendo lícito ao intérprete fazer distinções onde o legislador as não fez, não devendo fazer juízos valorativos casuísticos.

Considerar-se inexistir uma regra precisa e independente da pena aplicada em concreto e sobre o que constituem abstractamente os impedimentos à concessão da nacionalidade conduziria à incerteza, pois que os requisitos seriam apreciados casuisticamente, e pessoas condenadas pela prática dos mesmos ilícitos poderiam ter soluções diversas, uns obtendo a naturalização outros não, ofendendo-se, assim, o princípio constitucional da igualdade (artº 13.º da CRP).

De entre o mais alegado, conclui que a sentença recorrida procedeu a uma erra interpretação da lei aplicável, devendo ser revogada e ser concedido provimento ao recurso.

* Proferido Acórdão por este TCAS, em 14/06/2018, que concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou a ação improcedente, veio o mesmo a ser revogado por Acórdão do STA, datado de 07/11/2019, que determinou a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto no que se refere ao momento em que concretamente a pena aplicada automaticamente se extinguiu.

* Notificado o Ministério Público para promover o que tivesse por conveniente, o mesmo nada promoveu ou requereu.

* Realizada diligência de instrução, sobre as mesmas vieram o Recorrente e o Recorrido pronunciar-se, nos exatos termos constantes das respetivas pronúncias constantes dos autos, para que se remete.

Notificado o Ministério Público, o mesmo nada disse.

* O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, de interpretação e aplicação da lei em relação ao disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea d) da Lei da Nacionalidade, por relevar a medida abstrata da pena, segundo a lei portuguesa, como pressuposto para determinar quem pode ou não adquirir a nacionalidade portuguesa e não a pena concretamente aplicada, sob pena de violação dos princípios da segurança e da igualdade, previstos nos artigos 2.º e 13.º da Constituição.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “A – O departamento de nacionalidade dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras emitiram certidão da qual consta que: “I......... nacional do Paquistão (…) é residente legal em Portugal desde 10 de setembro de 1999” - cfr. fls. 107 do PA.

B – Em 2010-07-15, o A. requereu ao Ministro da Justiça, a concessão da “nacionalidade portuguesa por naturalização, nos termos do artigo 6º, nº 1, da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, por ter residência legal no território português há pelo menos seis anos. (…)”, cfr. fls. 2 e ss. do PA.

C – No boletim de registo criminal do Autor consta que: “1 crime(s) de ofensa à integridade física simples, pp pelo art.º 143.º, n.º 1 do C. Penal, praticado em 07-06-2005”, tendo sido julgado pelo Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, Proc.º n.º 605/05 3PCALM, que o condenou, através de sentença de 27-03-2008 a “Multa 120 dias, à taxa diária de 5,00, que perfaz o total de 600,00 Euros - a que correspondem 80 dias de prisão subsidiária (decisão confirmada pelo Tribunal da Relação por acórdão proferido em 16-12-2008)” transitado em julgado em 23-01-2009 – cfr. fIs. 36 do PA.

D – Na certidão do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada referente às mencionadas decisões judiciais (sentença e acórdão) consta informação coincidente com a acima transcrita, cfr. fls. 60 a 104 do PA.

E – Em 2012-07-09, foi elaborada informação pela Adjunta de Conservador, sobre o pedido de nacionalidade do A., na qual, concluiu: “(...) entendo que deve ser indeferido o pedido do requerente M........., com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d), do n.º 1 do art. 6° da L.N., devendo o mesmo ser notificado em conformidade (...)”, cfr. fls. 109 a 110 do PA.

F – A mencionada informação obteve o despacho de concordância do Conservador Auxiliar da CRC do IRN, IP em 10 de julho de 2012 - cfr. fl. 111 do PA.

G – Em 2012-07-10 foi dirigido ao A. o ofício para se pronunciar sobre o projeto de decisão e remetido por carta registada, cfr. fls. 112 e 113 do PA.

H – Em 2012-07-2, o Autor, apresentou pronúncia por escrito, cfr. fls. 114 e 115 do PA.

I – Em 2011-03-11 foi elaborado parecer pela Adjunta de Conservador do IRN do qual consta: “(...) o legislador português considerou imperioso que não possam adquirir a nacionalidade portuguesa, ao abrigo do art. 6°, n.º 1, da LN, os cidadãos estrangeiros condenados por crime punível com pena de prisão de máximo igual ao superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, independentemente da pena concretamente aplicada.

A interpretação da alínea d), do n.º 1 do artigo 6.º, feita por esta Conservatória, é ditada pelo próprio elemento literal da norma. O facto de a redação do artigo se referir a crime punível (em abstrato) e não punido (em concreto)...

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