Acórdão nº 2113/19.6T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução07 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 2.113/19.6T8LRS.L1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório AA, residente na rua …., ….., instaurou ação declarativa contra BB, residente na rua …, ….., e contra CC, residente no Beco …, ….., pedindo que: “ (…) a) Sejam declaradas ineficazes em relação ao Autor, nos termos do disposto no artigo 268.°/1 do CC, a compra e venda celebrada entre as Rés titulada por escritura pública celebrada em 03 de Janeiro de 2017 e, também, a compra e venda titulado por escritura pública celebrada em 14 de Setembro de 2017 celebrada entre as Rés uma vez que a 1.ª Ré não dispunha de poderes de representação para alienar a metade indivisa do Imóvel que pertencia ao Autor; e em conformidade, ordenado o cancelamento dos registos lavrados pela AP….. de 2017/01/03 e pela AP. …… de 2017/09/14 que impendem sobre o imóvel, condenando as Rés a reconhecer o Autor como proprietário de metade indivisa do Imóvel.

Subsidiariamente b) Sejam ser declaradas ineficazes em relação ao Autor, nos termos do disposto no artigo 269.° do CC, a compra e venda celebrada entre Rés titulada por escritura pública celebrada em 03 de Janeiro de 2017 e, também, a compra e venda titulada por escritura pública celebrada em 14 de Setembro de 2017 entre as Rés uma vez que a Primeira Ré atuou com manifesto abuso dos seus poderes de representação ao alienar metade indivisa do Imóvel que pertencia ao Autor por € 0,50 (cinquenta cêntimos); e …em conformidade, ordenado o cancelamento dos registos lavrados pela AP. …. de 2017/01/03 e pela AP. ….. de 2017/09/14 que impendem sobre o Imóvel, condenado as Rés a reconhecer o Autor como proprietário de metade indivisa do Imóvel.

Ainda subsidiariamente c) Sejam declarados anulados os negócios de compra e venda celebrados entre as Rés titulados pelas escrituras públicas juntas, pelo facto de se tratar de negócio consigo próprio celebrado pela Primeira Ré e portanto anulável nos termos do disposto no artigo 261, n.° 1, do CC; e em conformidade, ordenado o cancelamento dos registos lavrados pela AP. …. de 2017/01/03 e pela AP. …. de 2017/09/14 que impendem sobre o Imóvel, condenando as Rés a reconhecer o Autor como proprietário de metade indivisa do Imóvel. (…)” Alegou para tal, em resumo, que, em Julho de 2006, ele/A. e a 1.ª R. adquiriram em comum (com recurso a financiamento bancário) um imóvel (apartamento T2), em …., onde passaram a viver em união de facto; sucedendo que, no ano de 2014, estando o A. já emigrado (a trabalhar em ….), a relação entre ambos se rompeu, razão pela qual, em Março de 2015, numa deslocação do A. a Portugal, este passou à 1.ª R. uma procuração para tratar de assuntos de interesse comum, incluindo a venda de tal imóvel/apartamento, procuração esta que, porém, devido a desinteligências entretanto havidas com a 1.ª R., revogou por instrumento notarial lavrado em 18/12/2015, que enviou por carta registada com A/R para o referido imóvel/apartamento (e que havia sido a morada comum) e de que a 1.ª R. tomou conhecimento.

Não obstante – embora ciente da revogação da procuração e, antes disso, ciente de “que nunca foi vontade do A., quando outorgou a procuração qua mesma vendesse a si ou a qualquer terceiro, a metade indivisa do imóvel (…) pelo preço absurdo de € 0,50”[1] – a 1.ª R., em 03/01/2017, em representação do A. e fazendo uso da procuração, transmitiu metade indivisa do referido imóvel/apartamento (que tinha o valor comercial de € 220.000,00) à 2.ª R., sua irmã, pelo preço declarado de cinquenta cêntimos, após o que, em 14/09/2017, a 2.ª R. “retransmitiu” tal metade indivisa do referido imóvel/apartamento à 1.ª R. pelo mesmo preço declarado de cinquenta cêntimos; sendo certo que “a 2.ª R. não podia ignorar o esquema engendrado pela 1.ª R. cujo único objetivo era o de ficar com a metade indivisa que pertencia ao A.

”[2], que a 2.ª R. “sabia que a 1.ª R. atuava sem poderes de representação quando celebrou a escritura de compra e venda junta sob o doc. 19”[3] (a escritura de 03/01/2017), que a 2.ª R. também “conhecia (…) que a 1.ª R. estava a agir abusivamente relativamente aos poderes que antes lhe tinham sido outorgados pelo A.

”[4] e que a 2.ª R. foi utilizada “como figurante (…) para [a 1.ª R.] doar a si própria metade indivisa do imóvel”[5].

As RR. contestaram, alegando, muito em síntese, que a procuração – de cuja revogação nunca tiveram conhecimento – foi emitida “porque o A. desejou que a 1.ª R. ficasse, de forma gratuita, com a sua parte do imóvel, podendo fazer do mesmo o que lhe aprouvesse”[6] e que, face às hipotecas que incidiam sobre o imóvel, não tinha o mesmo qualquer valor de mercado, razão pela qual só a 2.ª R. se dispôs a adquirir a metade do A., sendo o preço de 50 cêntimos “completamente ajustado” ao valor de mercado de tal metade, sucedendo que, passados uns meses, deixou a 2.ª R. de ter interesse no imóvel – por ter terminado uma relação amoroso que tinha em …. – vendendo, então, a metade que havia adquirido à 1.ª R..

E concluem pela total improcedência da ação, pedindo ainda a 1.ª R. – a título reconvencional, o que não foi admitido – que o A. fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 63.142,29 (decorrentes de entregas que alegou ter-lhe feito e do pagamentos de dívidas do mesmo).

Foi realizada a audiência prévia, em que foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a instância regular, estado em que se mantém – identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência, o Exmo. Juiz proferiu sentença em que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, declarou ineficazes em relação ao A. as compras e vendas celebrada entre as RR., tituladas pelas escrituras de 03/01/2017 e 14/08/2017.

Inconformadas com tal decisão, interpuseram as RR. recurso de apelação, que, por acórdão da Relação …. de 17/09/2020, “(…) julg[ou] improcedente a apelação, julgando-se a acção procedente e consequentemente declar[ou] anulados os negócios de compra e venda celebrados entre as Rés titulados pela escritura pública junta sob (Doc. 10) e pela escritura pública junta sob (Doc. 11), pelo facto de se tratar de negócio consigo próprio celebrado pela Primeira Ré e portanto anulável nos termos do disposto no artigo 261, n.º 1, do CC”.

Ainda inconformados, interpõem agora as RR. o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que julgue a ação totalmente improcedente.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: (…) I- O ponto 22 da matéria de facto: “O objetivo da 1ª Ré ao efetuar os dois mencionados negócios de compra e venda foi o de adquirir para si a totalidade do direito de propriedade sobre a identificada fração autónoma.”, corresponde a prova adquirida por presunção.

II- Todas as presunções, apesar de se fundarem nas regras práticas da experiência e senso comum, teriam que assentar em factos já provados no processo.

III- O douto acórdão da Relação indicou as razões pelas quais entendeu presumir este facto: “Ora, analisando a natureza dos negócios realizados primeiro a venda da metade do A. à 2ª R (irmã da 1ª R) e depois da 2ª R para a 1ª R. (ambas as vendas pelo preço declarado de 0,50)- qualquer pessoa em são critério concluirá que o interesse da 1ª R foi o de adquirir para si a metade do A. “ IV- Depois da alteração da matéria da prova, promovida pelo Tribunal da Relação, a conclusão acima exposta não é possível.

V- O acórdão da Relação deu como provados factos e desenvolveu outras conclusões que sempre impedem a presunção acima exposta.

VI- O douto acórdão entendeu, no seu dispositivo, que: estamos perante uma meação de um imóvel onerada com duas hipotecas e uma penhora, o que tornava a sua venda no mercado dificilmente concretizável, para não dizer impossível.

VII- Ou seja, a questão do valor dos negócios não pode ser determinante para esta presunção uma vez que a meação da fração, onerada como estava, nenhum valor comercial tinha.

VIII- Além disso, o douto acórdão parece concluir que, pelo menos a venda à 2ª R., não teve qualquer utilidade ou fundamento.

IX- Contudo, quanto ao fundamento e oportunidade da venda à 2ª R. o mesmo encontra-se perfeitamente demonstrado pelos factos indicados como provados nos pontos 82º, 83º e 84º.

X- A 2ª R., que residia no ….., mantinha uma relação amorosa com uma pessoa que vivia em ….. e quis vir viver para junto do mesmo.

XI- A utilidade do negócio para a 2ª R. ficou demonstrada.

XII- A utilização do imóvel pela 2ª R. ocorreu, de facto, como ficou demonstrado no ponto 90º.

XIII- Assim como ficou provada a justificação para a 2ª R sair do imóvel e vender a sua metade (final da relação com o seu namorado), pontos 91º e 92º.

XIV- O A. ficou desonerado dos encargos com o imóvel, as execuções terminaram e as dívidas foram pagas.

XV- A 1ª R. também ficou desonerada desses encargos e penhora e começou a partilhar os encargos do imóvel com a sua irmã, que com ela passou a viver.

XVI- Existe, assim uma oposição lógica e flagrante entre a matéria de facto provada nos pontos 18, 21, 82 a 84 e 90 a 92 com a provada no ponto 22.

XVII- A matéria do ponto 22 foi provada por presunção, é esta presunção que tem que decair, pois a mesma não pode ser extraída dos factos acima indicados que a excluem, de forma radical.

XVIII- Em sede de sindicância sobre a decisão de facto, deve o tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do artigo 607.º CPC, sem que tal seja considerado colocar em causa a valoração da prova feita.

XIX- No caso dos autos verifica-se que foi feito uso deficiente ou irregular de presunção mediante manifesta ilogicidade porque a presunção não assenta e até contraria os factos provados e os fundamentos do acórdão, uma vez que o mesmo indicou que o preço das vendas era irrelevante e todos os negócios tiveram um fim útil para todas as partes, tendo até sido demonstrado que a 2ª R. tomou a posse da fração durante o período que foi...

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