Acórdão nº 360/18.7T8PVZ.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelAFONSO HENRIQUE
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO) I - RELATÓRIO AA/A.

instaurou a presente acção de processo comum contra, BB e CC, DD e EE, e FF/RR., todos devidamente identificados nos autos.

Pedindo que: - sejam declaradas nulas as escrituras públicas em causa e cancelados os registos prediais efectuados com base nesses títulos.

Para o efeito, alegou, em suma, que: - Através das referidas escrituras, a primeira das quais de compra e venda de um prédio e a segunda de dação em cumprimento de um outro prédio, celebradas entre o 1.º R., enquanto alienante, e a 2.ª R., enquanto adquirente, e uma terceira de doação dos mesmos prédios celebrada entre 2.ª R., enquanto doadora, e os 3.º e 4.ª RR., enquanto donatários, os referidos RR. pretenderam unicamente desprover o primeiro de património e, assim, impedir que a A., entretanto reconhecida sua filha, à sua morte, não sucedesse nos seus bens.

- Mais refere que, porque através de uma quarta escritura, o 1.º R., durante a pendência da acção de investigação da paternidade que o reconheceu como seu pai, alienou ao último dos RR. um outro prédio, entende que também este negócio deve ser declarado nulo.

Citados os RR.

, além de impugnarem que os negócios celebrados não correspondem à sua vontade, defenderam que a A. age por ganância e, portanto, em abuso de direito, ofendendo os bons costumes e sem legitimidade porque à data dos referidos negócios não tinha qualquer reconhecimento de paternidade tutelado, o que mereceu Resposta da A., reafirmando a sua posição nos autos.

Proferido o despacho saneador, fixado o objecto do litígio bem como os temas de prova, houve reclamação que foi atendida.

A instância foi julgada extinta quanto ao 1.º R. por óbito do mesmo e, em sede de recurso, foi proferido Acórdão nestes termos: - “… Conclui-se, assim, que, falecendo um dos réus da acção em que é autora a sua filha, a habilitação desta para com ela prosseguir a causa não é possível, já que passaria a ser simultaneamente autora e ré na mesma acção.

Deste modo, não deveria o Tribunal a quo ter suspendido a instância, aguardando a habilitação de herdeiros do falecido, já que a única sucessora do mesmo é a própria autora mas sim extinguido a instância quanto ao réu falecido, por impossibilidade superveniente da lide (artº 277º, al. e) do CPCivil) e, ordenado o prosseguimento da acção contra os restantes réus.

Procedem, assim as conclusões formuladas pela apelante e, com elas, o respectivo recurso.

(…) Pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra nos termos supra referidos.” Prosseguindo os autos, realizou a Audiência de Discussão e Julgamento e foi proferida sentença – parte decisória: “Pelo exposto: Julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência declaro nulo, por serem simulados, o contrato de compra de venda e o contrato de dação e pagamento supra ids. em 5), 6) e 8) a 11) dos Factos Provados e válido o contrato real de doação dos mesmos imóveis pelo 1.ª R. ao 3.º R. e aos 3.º R. e 4.ª R. nos termos que constam de 14) a 16) dos Factos Provados, e, absolvo os RR. do restante peticionado.” A A. apelou da referenciada sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES: – O presente recurso versa sobre a sentença proferia a 07-06-2021 a qual, apenas, concedeu parcial provimento ao peticionado pela Autora.

- Conforme se colhe da prolação ora sindicada, os negócios jurídicos foram – nos termos do art. 240.º do Código Civil - declarados nulos, por simulação, o contrato de compra e venda e o contrato de dação em pagamento. Contudo, e com todo o respeito – que é muito – foi declarado válido o contrato de doação dos mesmos imóveis pelo 2.º Réu ao 3.º e aos 3.º Réus e 4.º Réus respetivamente.

- Conforme os factos dados como demonstrados (item 22.), bem como as explicações que o Tribunal recorrido, na respetiva motivação, teceu acerca do regime simulatório aplicável in casu não subsistem dúvidas de que o mesmo consubstanciou uma simulação absoluta e, por conseguinte, insusceptível de aplicação do preceituado no art. 241.º do CC, porquanto, este preceito, apenas se aplica à simulação relativa – o que, deveras, não é o caso.

- O Tribunal recorrido jamais poderia dar como válido o negócio da doação pois se, por um lado, não estamos na companhia de uma simulação relativa; por outro lado, reconheceu um nemo plus iuris transferre potest quam ipse habet, ou seja, reconheceu que alguém pode transmitir um direito superior àquele que tem.

- As especialidades da nulidade da doação de bens alheios são: a) o doador não pode opor a nulidade ao donatário de boa-fé – artº 956.º n.º 1) b) CC - o tribunal não pode declará-la ex officio, salvo a má-fé do donatário.

– In casu, a doadora (2ª Ré) era empregada doméstica do pai da Autora, e, pelos serviços prestados durante a vida (o que jamais será de considerar crível que alguém trabalhe uma pequena eternidade sem auferir rendimentos (só mesmo nos tempos do esclavagismo) participou numa teia com o único fito de depenar a herdeira legítima do 1º Réu; isto para ser concluir que não estamos na presença de uma terceira de boa-fé, seja para que efeitos for (como de resto, em relação a isso, nada consta nos factos dados como demonstrados).

- Sem prejuízo da oficiosidade atribuída à douta segunda instância – nos termos do disposto no n.º 2 do art. 662.º do CPC – deverá ser aditado um ponto à matéria de facto no qual se consigne que a doação celebrada entre 2.º R ao 3.º e 4ª R tenha assentado numa doação de bens alheios a donatários que não se mostram como terceiros de boa-fé e, por conseguinte, deverão suprimir-se todos os pontos que com este facto colidam; para o efeito, e salvo melhor opinião, para alcançar este desiderato demonstram-se suficientes os factos obtidos como assentes (nomeadamente item 22.º), bem como toda a prova produzida e tudo que já supra se expendera.

- Em síntese, se o Tribunal a quo declara nulos, por simulação, o contrato de compra e venda e o contrato de dação em pagamento, identificados nos itens 5), 6), e 8) a 11), sempre teria de declarar nulo o contrato de doação dos mesmos imóveis, porquanto a doação de bens alheios e a violação do princípio que já lográramos trazer à colação.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.

RR. também recorreram e contra-alegaram (levantando previamente, as questões das inadmissibilidade e rejeição do recurso que não foram atendidas), formulando extensas conclusões, em que, resumidamente, invoca várias nulidades (também não atendidas) e defendendo a inexistência de simulação no que respeita aos questionados negócios.

A autora apresentou contra-alegações (onde também suscita, sem êxito, a rejeição do recurso) pugnando pela improcedência do recurso dos RR., formulando, nomeadamente, as seguintes CONCLUSÕES: - Considerando o princípio da verdade biológica, bem como o direito a que cada cidadão tem em conhecer a sua efectiva identidade, não cremos que, da conduta da Apelada/A. tenha resultado qualquer situação enquadrável no art. 334.º do CC.

- No que concerne à prova do acordo simulatório - ainda que se conjecture que à data dos negócios a Apelada/A. era uma terceira - desde que exista um mínimo de prova documental (por exemplo, o extrato de remunerações da Apelante; a prova testemunhal afigura-se idónea - vide fundamentação); assim caminha a doutrina e a jurisprudência mais recente.

- No que se reporta ao facto de a Apelada/A. apenas ter apresentado essa questão no exercício do contraditório em relação à contestação, sempre se diga que à luz do art. 240.º do CC são três os requisitos para que se esteja na presença de um negócio simulado: um acordo entre o declarante e o declaratário; no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes; o intuito de enganar terceiros; todos estes requisitos, enquanto factos principais da causa de pedir, foram alegados pela Apelada na Petição Inicial; porém, são ainda considerados pelo Tribunal, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado.

- Quanto à alegada inobservância de factos susceptíveis de provar os negócios simulados in casu, basta observar os vertidos nos pontos 21), 22) e 23) da matéria provada que, efetivamente, ocorreu simulação.

- No que toca à alegação dos Apelantes/RR. que à data dos negócios esta não era filha do falecido réu pai - e, por conseguinte, não detinha qualquer legitimidade ou interesse na alienação dos prédios in...

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