Acórdão nº 01286/08.8BEPRT 0243/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A………., com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Norte dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. O Recorrente, inconformado com a decisão da 1ª Instância, basicamente com a matéria de facto, interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte.

  1. O Recorrente cumpriu todas as exigências adjectivas que a lei processual determina, quando em causa está o recurso da matéria de facto e tenha havido gravação de prova. Por isso, esperava o Recorrente que o Tribunal Central Administrativo do Norte, como Tribunal de Apelação, reapreciasse a prova, respondendo aos pontos que lhe foram objectivamente colocados para apreciação e julgamento - conforme, aliás, lhe está imposto por lei e cabe por direito, ao Recorrente.

  2. O mesmo é dizer que o Recorrente pretendeu que esse Tribunal procedesse à reapreciação da prova produzida, mormente, no que concerne à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento. 4. O tipo de critério de apreciação de provas determina a possibilidade de fiscalização em sede de recurso da fixação da matéria de facto levada a cabo em primeira instância. Esse é, também o entendimento, já cristalizado, da jurisdição Constitucional, para quem "o sistema da livre apreciação da prova não deve definir-se negativamente pela ausência de regras e critérios legais predeterminantes do seu valor, havendo antes de se destacar o seu significado positivo, que há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos” 5. A prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento foi, ao abrigo do disposto nos arts. 522.º-B e 522.º-C, do Código de Processo Civil, toda ela, registada através de gravação áudio. À medida que foi pertinente, foram sendo indicadas as passagens da gravação em que se fundava cada impugnação apresentada (art. 685-B.º, do CPC).

  3. O douto acórdão do Tribunal Central que se ousa censurar, acabou por julgar improcedente o referido recurso, referindo não haver fundamento para se proceder à alteração da matéria de facto fixada na sentença recorrida. Mas fá-lo, rematando que “os julgadores que realizaram o julgamento da matéria de facto fizeram uma correcta apreciação da prova produzida” (sic. pág. 25). Só que, de concreto, nada evidencia. Não dá um exemplo, um único, que demonstre ter sido apreciada (ouvida) a prova na sua globalidade e explicitada (então) a falta de razão do Recorrente.

  4. O TCA do Norte não cumpriu com as suas obrigações, ou seja, nenhum exame crítico revela ter feito para decidir, como decidiu, manter a matéria de facto inalterável. Resulta daí a violação do art. 712.º, n.º 2, do CPC (Dever de Reapreciação das Provas pelo Tribunal de Apelação): o Tribunal Central não levou a cabo a reapreciação das provas em que assentou a decisão impugnada, nem fundamentou de facto e de direito a sua própria decisão por referência aos meios de prova considerados.

  5. Tal facto gera a nulidade consignada no art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC - nulidade essa que, para todos os efeitos, desde já se invoca - devendo o processo ser reenviado para o Tribunal Recorrido (art. 729.º, n.º 3, do CPC) 9. O douto acórdão, ao não respeitar o estipulado no art. 712.º, n.º 2, do CPC, acaba por hipotecar o valor do “efectivo segundo grau de jurisdição” em matéria de facto, afectando, de forma inequívoca, o direito ao recurso e, até mesmo, o direito de defesa consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP.

  6. Com o devido respeito por opinião contrária (quando essa opinião e fundamentada, suportada em casos objectivos e concretos, e não quando se sustenta apenas em abstraccionismos e teses generalistas, com as quais, em abstracto, evidentemente se não discorda) o Recorrente apresenta uma vez mais a sua discordância relativamente a vícios que a Nota de Culpa encerra e que, de todo impediram o Recorrente de percepcionar o âmbito total da acusação.

  7. O Tribunal Central, ao invés de responder aos pontos paulatinamente sintetizados nas conclusões de recurso n.º IV, V, VI, VII, e IX a XV, optou por transcrever o texto da primeira decisão (cfr., fls. 27 a 31) referindo aderir ao mesmo, secundarizando lapsos de qualificação jurídica, e referindo que as concretas contradições da Nota de Culpa evidenciadas pelo Recorrente (então arguido) se deviam a uma visão subjectiva e deturpada, promovida por jogos de palavras e transcrições parciais.

  8. Mesmo no apelidado erro material (inexistentes alíneas c) e d), do n.º 4, do art. 4.º, do DL 184/2004, de 29/07), cuja constatação o então arguido desde início evidenciou, nunca o mesmo foi explicado ou corrigido. Nem foi dada, ao então arguido e ora Recorrente, qualquer hipótese de se pronunciar sobre a verdadeira qualificação (clarificada agora pelo TCAN).

  9. Por outro lado, considera o Recorrente igualmente nula a Nota de Culpa, quando a mesma remete para peças existentes no processo - cfr. doutrina do STJ (cfr., vg., Ac. do STA, in D. R. de 85/07/17, e tb Ac. do STA, de 9/04/81, pag.1291, do n.º 239, dos Acórdãos Doutrinais do STA).

  10. Por isso insiste o Recorrente na nulidade da Nota de Culpa (art. 42.º, do ED) - violação do nº 4, do art. 59.º, do então ED - nulidade insuprível, por aplicação do art. 42.º do mesmo diploma. Interpretação diferente, colocará em causa o direito constitucional do então arguido, em utilizar “todas as garantias de defesa”, conforme o dispõem os art. 32.º, n.º1,e art. 269º, n.º 3, da CRP, aqui violados, se reconhecida fosse a legalidade desta acusação 15. O Tribunal Central não andou bem quando ignorou o défice em matéria de determinação da pena (plasmados nos arts. 28.º, 29.º e 30.º. do ED). A pena não é ajustada ao caso, proporcional à culpa ou adequada à necessidade de prevenção.

  11. A conduta evidenciada pelo arguido, não chegou ao ponto de se tornar manifestamente incompatível com a manutenção de funções no contexto escolar, nem constitui uma ameaça real a pessoas e bens. Tivesse o Tribunal Central Administrativo do Norte reapreciado a prova gravada e nenhuma dúvida restaria para retirar tais conclusões (suscitadas pelo Recorrente na motivação e respectivas conclusões, mas que, infelizmente o TCAN não apreciou como seria sua obrigação).

  12. Se todos estes critérios tivessem sido observados, nunca a pena ultrapassaria a medida da culpa e, sobretudo, nunca a mesma inviabilizaria, definitivamente, a continuação da relação funcional.

  13. Disposições violadas: arts. 712.º, n.º 2; 668.º, n.º 1 al. b), ambos o C. Processo Civil; art. 59º, nº 4 e art. 42.º do ED; art. 20.º, n.º 1; 32.º, n.º 1 e 269, n.º 3, da CRP.

    * O Ministério da Educação e Ciência, ora Recorrido, contra-alegou, concluindo como segue: 1. Não se verificam os pressupostos exigidos para a admissibilidade do presente recurso de revista descritos no n.º 1, do art. 150º, do CPTA; 2. O recorrente nada alega com vista a demonstrar a existência, no caso, dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, pois, como as alegações do recurso evidenciam, impugna a decisão como se estivesse em causa um normal terceiro grau de jurisdição; 3. O Recorrente não faz, na sua peça processual, qualquer referência aos pressupostos legais da admissão do recurso de revista; 4. Não se vislumbra nenhuma questão de relevância social fundamental, por contender com interesses especialmente importantes da comunidade ou particularmente complexa do ponto de vista jurídico; 5. Não se detecta a existência de erro manifesto ou grosseiro na decisão do acórdão recorrido; 6. O essencial das questões levantadas pelo Recorrente - alegada falta de reapreciação crítica da prova e da matéria de direito - não podem ser objecto de revista; 7. O Tribunal Central apreciado e decidido todos os pontos/vícios apontados à decisão recorrida, sendo o mesmo, o vício que o Recorrente transpõe para o Acórdão agora colocado em crise e que já vinha imputando ao processo disciplinar.

  14. O Acórdão recorrido decidiu que não existia fundamento para proceder à alteração da matéria de facto fixada na sentença, tendo explicitado as razões que a conduziram àquela decisão.

  15. Não deve ser admitido o recurso de revista interposto pelo Recorrente, mantendo-se o decidido no Acórdão recorrido.

    * Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA foi decidido admitir a revista.

    * O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    * Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

    * Pelas Instâncias foi julgada provada a seguinte factualidade: a) O Autor estava definitivamente provido no Quadro do Ministério da Educação, mais concretamente na Escola EB 2,3 ……………, no Porto, com a categoria de auxiliar de manutenção.

    b) Por despacho de 28 de Março de 2007 da Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento Vertical da EB 2,3 ………………., foi instaurado um processo disciplinar contra o Autor.

    c) Foi deduzida a acusação constante de fls. 137 a 154 do processo disciplinar apenso, na qual foi imputado ao Autor o seguinte circunstancialismo fáctico: (..) Artigo 1º i) No dia 08.03.2007, ao final da tarde, o funcionário B…………., a prestar serviço no Pavilhão Gimnodesportivo da EB2.3 ……….., Porto, tendo ordem da Sra. Presidente do Conselho Executivo, da mesma escola, para desocupar um armário que se encontrava no gabinete do pessoal auxiliar, sito no mesmo Pavilhão Gimnodesportivo a fim de nele serem guardados os valores dos alunos, durante as aulas de Educação Física, para que se evitasse o seu desaparecimento, dirigiu-se ao arguido, A……….., no mesmo Pavilhão Gimnodesportivo, perguntando-lhe “Ó A…….. sabes de quem é este armário?” tendo o arguido respondido “É meu.” Nessa altura o funcionário B………….. explicou ao arguido que tinha falado com a Sra. Presidente do Conselho Executivo (PCE), por causa...

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