Acórdão nº 0786/17.3BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente o recurso instaurado por “A…………., Lda.” das decisões administrativas proferida pelo Serviço de Finanças de Amadora 2, por falta de pagamento de portagens, nos processos de contra-ordenação nº 31402017060000020763 e apensos - processos apensos n.ºs 787/17.3BESNT 788/17.1BESNT, 789/17.8BESNT, 790/17.1BESNT, 791/17.0BESNT, 792/17.8BESNT, 793/17.6BESNT, 794/17.4BESNT, 795/17.2BESNT, 817/17.7BESNT, 818/17.5BESNT, 819/17.3BESNT, 820/17.7BESNT, 821/17.5BESNT, 822/17.3BESNT, 823/17.1BESNT, 824/17.0BESNT, 825/17.8BESNT, 826/17.6BESNT, no valor global de € 115.978,00, interpôs o presente recurso jurisdicional 1.2.

Tendo alegado, formulou, a final, as seguintes conclusões: «A) À Recorrente foram aplicadas no âmbito do Processo Contra-ordenacional n.º 31402017060000020763 e processos de contra-ordenação referentes aos processos de recurso de contraordenação apensos aos presentes autos coimas no valor global de €115.978,00, pela prática de infracções ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 25/06, de 30 de Junho, por falta de pagamento de portagem, puníveis nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma legal.

  1. Julgou o tribunal a quo procedente o recurso de contraordenação, com anulação das decisões de aplicação das coimas, com remessa à Administração Tributária para que “(…) proceda à análise dos pressupostos do regime de infracção continuada, por força do artigo 3.º do RGIT e do artigo 32.º do RGCO, definido no artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal, com previsão da sua forma de punição consagrada no artigo 79.º, n.º 1 do mesmo diploma.”.

  2. Salvo o devido respeito, diverge a Fazenda Pública do entendimento vertido na douta sentença, porquanto procede a mesma a um enquadramento legal da questão desadequado, com errado julgamento por errónea interpretação e aplicação das normas legais.

  3. Divergimos da fundamentação da douta sentença, que apela a fundamentação constante de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.05.2017, proferido no recurso n.º 01302/16, e do qual resulta que “(…) ninguém melhor que a AT se encontra em condições de verificar, prima facie, se estão ou não preenchidos os pressupostos legais da infracção continuada e daí retirar as necessárias consequências, sendo esse o caso, ou, não sendo, e verificando haver in casu um efectivo concurso de contra-ordenações, proceder à respectiva punição através da aplicação de uma coima única, resultante do cúmulo material das sanções aplicadas às várias contra-ordenações em concurso, como prescreve o artigo 25.º do RGIT.”., por entendermos não se mostrar ser tal douto acórdão passível da aplicação pretendida dar pela douta sentença, atendendo à dissemelhança factual verificada em tais autos e nos presentes.

  4. Pois em tais autos não ocorreu a apensação de processos de contraordenação em sede administrativa, nem o Tribunal a quo determinou em sede judicial a apensação dos vários processos de impugnação das várias decisões de aplicação de coima, não se encontrando nesse caso o Tribunal a quo na posse dos factos imprescindíveis e necessários à aferição do preenchimento nos autos dos pressupostos da infracção continuada, o que não acontece nos presentes autos.

  5. Com efeito, e conforme despacho proferido nos presentes autos, de 17.01.2018, foi determinada a apensação aos presentes autos dos processos n.ºs 787/17.3BESNT 788/17.1BESNT, 789/17.8BESNT, 790/17.1BESNT, 791/17.0BESNT, 792/17.8BESNT, 793/17.6BESNT, 794/17.4BESNT, 795/17.2BESNT, 817/17.7BESNT, 818/17.5BESNT, 819/17.3BESNT, 820/17.7BESNT, 821/17.5BESNT, 822/17.3BESNT, 823/17.1BESNT, 824/17.0BESNT, 825/17.8BESNT, 826/17.6BESNT, constando dos presentes autos os elementos necessários à verificação, ou não, do preenchimento dos requisitos da infracção continuada, pelo que, ao Tribunal a quo caberia na sequência da apensação dos processos proceder a tal análise de facto e de direito.

  6. Assim, impor-se-ia ao Tribunal a quo proceder ao julgamento de facto e de direito no referente à possibilidade de estarmos nos presentes autos perante a figura da infracção continuada, e só em caso afirmativo revogar as decisões de aplicação de coimas impugnadas, contudo, absteve-se o Tribunal de fazer tal apreciação, não obstante estar, ocorrida a apensação dos processos, nas condições de verificar do preenchimento dos pressupostos legais da infracção continuada.

  7. Não se vislumbrando assim fundamento legal para a anulação das decisões de aplicação de coimas para aferição pela Administração Tributária dos requisitos legais da infracção continuada, sendo que, se consideram não preenchidos tais requisitos, não se identificando ademais na sentença recorrida quaisquer elementos factuais que nos permitam concluir da verificação da infracção continuada.

  8. A aplicação da figura da infracção continuada no domínio das infracções tributárias, admitida pela jurisprudência dos tribunais superiores e doutrina, está subordinada, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 32.º do RGCO e da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, à observância dos seguintes pressupostos: a) realização plúrima do mesmo tipo legal de infracção ou de vários tipos legais que protejam o mesmo bem jurídico; b) execução das infracções por forma essencialmente homogénea; e, c) circunstancialismo exógeno que estimula ou facilita a conduta do agente, diminuindo consideravelmente a sua culpa.

  9. E como resulta do probatório, se poderão estar verificados os primeiro e segundo requisitos, o mesmo não acontece relativamente ao terceiro, uma vez que não estamos, no caso sub judice, perante qualquer circunstancialismo exógeno que diminua sensivelmente a culpa do agente, porquanto nos presentes autos o circunstancialismo a que apela a douta sentença foi criado pelo próprio agente, o qual, não procedendo aos devidos pagamentos conforme lhe incumbia nos termos contratuais, determinou a resolução do contrato de adesão com a ViaVerde, facto de que o agente tinha perfeito conhecimento, conforme decorre aliás do facto constante da alínea I) do probatório, sendo as infracções posteriores à data de tal conhecimento.

  10. Deste modo, não sendo possível a aplicação nos autos da figura da infracção continuada por não preenchimento dos respectivos pressupostos legais, análise que incumbia ao Tribunal a quo ter empreendido, porque na posse de todos os elementos atenta a apensação dos processos, resta-nos debruçar sobre a adicional questão da aplicação do artigo 25.º do RGIT.

  11. Não obstante não ter a Administração Tributária procedido à apensação de processos, veio o Tribunal a quo a proceder à apensação de processos, determinando em sede de segmento decisório à anulação das decisões administrativas e remessa dos autos à entidade administrativa com vista à aplicação da figura da infracção continuada ou à aplicação de uma coima única nos termos do artigo 25.º do RGIT, contudo, questiona-se a existência de fundamento legal para a anulação das decisões administrativas com subsequente remessa dos autos à entidade administrativa para aplicação de uma coima única.

  12. O artigo 25.º do RGIT remete-nos para um regime de cúmulo material, de acordo com o qual a sanção única resulta sempre da acumulação das várias sanções parcelares aplicadas em sede de cada um dos procedimentos contraordenacionais, sendo que os fundamentos para a apensação de processos reconduzidos à necessidade de avaliar de forma conjunta o comportamento do agente e a sua culpa se configuram no âmbito deste regime de cúmulo material de determinação da sanção como irrelevantes, uma vez que a análise do comportamento do agente e respectiva culpa são elementos a ponderar apenas em sede de determinação da sanção parcelar cabível a uma das infracções cometidas pelo agente, e portanto foram analisados já pela entidade administrativa em sede de determinação de cada uma das sanções aplicáveis em cada um dos processos de recurso de contraordenação dos presentes autos.

  13. Assim, não se aplicando ao caso o limite decorrente do artigo 26.º do RGIT, de acordo com Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2008, de 28.05.2008, proferido no processo 78/08 (in DR I Série, de 26.06.2008, p. 3973) e entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, in RGIT Anotado, 4.ª Edição – 2010, p. 291, não se vislumbra o fundamento legal para a anulação das decisões de aplicação de coima para efeitos de aplicar a Administração Tributária uma sanção...

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