Acórdão nº 01044/15.3BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A……………… e B……………, com os sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 24-05-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente improcedente a impugnação que deduziram da liquidação de IRS, relativa a 2012, n.º20144005302324, onde foi apurando uma colecta líquida de 4.451,18 euros.

Inconformados, nas suas alegações, formularam os recorrentes A…………… e B…………, as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem como objecto a decisão de 24 de Maio de 2020 que julgou como improcedente a impugnação judicial.

  1. Conclui o Tribunal a quo que a bolsa de formação em análise constitui rendimento do trabalho dependente, enquanto remuneração acessória da remuneração principal, consequentemente fora da incidência objectiva da norma de exclusão da tributação.

  2. Mais entendeu o Tribunal a quo quanto à violação do princípio da protecção da confiança, que a questão não foi bem enquadrada, concluindo pela improcedência total da impugnação.

  3. Impõe-se fazer um enquadramento jurídico quer da bolsa de formação em apreciação, quer do conceito de rendimento de trabalho dependente (designadamente de remunerações acessórias), para aferir se a mencionada bolsa se subsume ao conceito de remuneração acessória, como defende o Tribunal a quo.

  4. No que se refere ao regime jurídico dos internatos médicos, o mesmo encontra-se regulado pelo Decreto-Lei nº 203/2004, de 18 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de Fevereiro, diploma que procurou redefinir o regime jurídico da formação após a licenciatura em Medicina, com vista à especialização, estabelecendo os princípios gerais a eu deve obedecer o respectivo processo.

  5. Nos termos do seu artigo 2º, nº 1, “Após a licenciatura em Medicina, inicia-se o internato médico, que corresponde a um processo único de formação médica especializada, teórica e prática, tendo como objectivo habilitar o médico ao exercício tecnicamente diferenciado na respectiva área profissional de especialização”.

  6. Os internos são, em princípio colocados, nos locais de formação, mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas com a administração regional de saúde ou com as Regiões Autónomas, na modalidade de contrato a termo resolutivo incerto ou, no caso do internato ser titular de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado constituída previamente, mediante comissão de serviço. O contrato vigora pelo período de duração estabelecido para o respectivo programa de formação médica especializada, incluindo repetições e interrupções.

  7. Assim, o Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de Fevereiro, veio aditar o artigo 12º-A, sob a epígrafe “Vagas Preferenciais”, e passou a prever-se a atribuição de uma bolsa de formação aos médicos internos que preencham uma vaga preferencial, bem como a obrigatoriedade daqueles, após o internato, ficarem a realizar trabalho para o estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, por um período não inferior ao do respectivo programa de formação médica especializada, incluindo repetições. Em caso de incumprimento desta obrigação, o interno terá de devolver a totalidade ou parte do montante da bolsa recebida.

  8. É precisamente a percepção desta bolsa de formação prevista no nº 8 do artigo 12º-A, do Decreto-Lei nº 203/2004, de 18/08, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 45/2009, de 13/02, que está em causa nos presentes autos, mais concretamente se tal bolsa deve ser tributada em sede de IRS ou se, pelo Contrário, a mesma não constitui rendimento tributável, à luz do disposto no artigo 2º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

  9. O artigo 2º do CIRS, tipifica, de forma muito ampla e abrangente, a incidência de imposto no que respeita aos rendimentos provenientes do trabalho dependente, ou seja é rendimento da categoria A tudo o que o trabalhador receba, em dinheiro ou em espécie ou sob a forma de quaisquer vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei, desde que tais rendimentos tenham natureza remuneratória, ou seja, eu tenham sido auferidos em razão da prestação de trabalho.

  10. Tal entendimento é confirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que se tem pronunciado no sentido de que os rendimentos auferidos com natureza meramente compensatória não estão abrangidos no âmbito da incidência do IRS (cfr. Acórdão do STA, de 07-12-2011, Processo nº 0713/11, disponível in www.dgsi.pt).

  11. A remuneração base auferida pelo Recorrente em face do seu contrato de trabalho em funções públicas é fixada nos termos do disposto no artigo 214º do RCTFP. À remuneração base acrescem suplementos remuneratórios previstos e devidos nos termos do artigo 73º da Lei 12-A/2008, de 27/02, nos quais não se encontra prevista a bolsa de formação auferida pelo Recorrente, recebida por efeito de preenchimento de uma vaga preferencial.

  12. Tal bolsa de formação é concedida ex lege, por força do nº 8 do artigo 12º-A do Decreto-Lei nº 45/2009, de 13/02, e assume uma natureza compensatória no âmbito do processo de formação médica especializada, concedida ao médico que ocupe uma vaga preferencial, em contrapartida da obrigação de, após realização do respectivo internato, permanecer ao serviço do estabelecimento onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial e por um período igual ao do respectivo programa de formação médica especializada, restringindo, dessa forma a liberdade de escolha e de exercício do seu trabalho.

  13. Tal obrigação, além de futura (por apenas se poder efectivar após o internato), é eventual, pois conforme resulta do nº 5 do artigo 12º-A, do Decreto-Lei nº 45/2009, de 13/02, a mesma depende da celebração de um (novo) contrato de trabalho em funções públicas, precedido de um processo de recrutamento onde serão considerados e ponderados o resultado da prova de avaliação final do internato médico e a classificação obtida em entrevista de selecção.

  14. Por outro lado, resulta ainda que a referida bolsa de formação não tem interesse exclusivamente para o interno, que assegura uma vaga para prestar o seu trabalho como médico especialista, mas também, e especialmente, para a entidade pagadora, isto é a futura entidade empregadora, na medida em que assegura o recrutamento de médicos especialistas em áreas onde têm carência de profissionais.

  15. Resulta assim, que a bolsa de formação é uma compensação pela obrigação futura que os médicos internos assumem, não existindo correlação entre a bolsa de formação e a prestação de trabalho enquanto interno, pelo que não derivando esse montante de qualquer prestação de trabalho presente e efectiva, é de afastar o seu caracter remuneratório, seja a título principal ou acessório.

  16. Tal ilação pode ainda ser retirada do facto de, o incumprimento da obrigação de permanência, bem como a não conclusão do respectivo internato médico por motivo imputável ao médico interno, implicar a devolução do montante de bolsa de formação (cfr. Nº 10 do artigo 12º-A do Decreto-lei nº 45/2009, de 13/02), o que não sucederia se tal bolsa tivesse caracter remuneratório.

  17. No mesmo sentido se pronunciou o TCA Sul, no acórdão de 12-01-2017, processo nº 09966/16 (disponível in www.dgsi.pt), no qual se refere: “Em conclusão, a bolsa de formação em causa não constitui uma remuneração acessória derivada de uma prestação de trabalho dependente, mas antes, um incentivo pecuniário atribuído, a titulo compensatório, no âmbito de um processo de formação profissional, ao médico interno que ocupe uma vaga preferencial, em contrapartida da obrigação por ele assumida de, findo o internato, permanecer ao serviço do estabelecimento onde se verificou a necessidade que deu lugar...

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