Acórdão nº 0206/16.0BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “MUNICÍPIO DE BRAGANÇA” intentou contra “ÁGUAS DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, S.A.” (atual “ÁGUAS DO NORTE, S.A.”) ação administrativa em que peticionou ser a Ré condenada a (cfr. p.i. a fls. 1 e segs. SITAF): «1) reconhecer que em 27 de junho de 2007 celebrou com o Município Autor um “Acordo de Repartição de Custos para Recolha e Tratamento de Águas Residuais Domésticas dos Subsistemas de Águas Residuais de Bragança e Izeda”, nos termos do qual ficou expressamente convencionado que o ora Autor pagaria à ora Ré uma factura mensal que resultasse da afectação ao caudal médio mensal verificado nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de cada ano, e pela aplicação dos coeficientes aí previstos, bem como reconhecer que tem incumprido aquele acordo na apresentação da respectiva facturação, devendo, em consequência, ser condenada a emitir e entregar ao Autor as necessárias notas de débito, referentes ao período de Fevereiro de 2009 a Fevereiro de 2011, e pelo valor que exceder o que resultar da correcta aplicação do mesmo; 2) reconhecer e aceitar os valores propostos pelo Estado, através da então Ministra da Tutela, na reunião efectuada na CCDRN em 26/01/2011, de 0,48€ por metro cúbico de água fornecida e de 0,53€ por metro cúbico de esgotos tratados, e a facturação emitida pela ATMAD a partir de 01/01/2011 ter por referência esses valores, devendo, em consequência, ser condenada a emitir e entregar ao Autor as necessárias notas de débito, pelo valor que exceder o que resultar da aplicação daqueles valores aos volumes efectivamente fornecidos e aos caudais efectivamente tratados; 3) reconhecer que, no que à recolha e tratamento de efluentes diz respeito, na facturação efectuada após 28 de Fevereiro de 2009 a ATMAD tem vindo a facturar ao Município de Bragança quantidade superior de metros cúbicos do que a própria capacidade instalada das ETAR’s permite tratar; 4) reconhecer que, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2016 e 31 de Maio de 2016, facturou um total de Ré 767.653,82€ e que o Município de Bragança apenas reconhece a existência de dívida no montante de 558.090,03€, constando como facturação indevida um total de 209.563,79€, devendo, em consequência, ser condenada a emitir e entregar ao Autor nota de crédito neste valor; 5) mais deve a Ré ser condenada nas custas da presente demanda».

  1. Por decisão contida em despacho-saneador de 27/3/2020 (cfr. fls. 222 e segs. SITAF), o TAF de Mirandela julgou-se absolutamente incompetente para a apreciação do litígio, por procedência da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, e, consequentemente, absolveu a Ré da instância.

  2. Inconformado com esta decisão do TAF de Mirandela, o Município Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual, por Acórdão de 27/11/2020 (cfr. fls. 263 e segs. SITAF), negou provimento ao recurso, confirmando aquela decisão de 1ª instância.

  3. Mantendo-se inconformado com este julgamento do TCAN, veio o Município Autor interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 289 e segs. SITAF): «1ª O teor literal do nº 3º da cláusula 9ª do contrato de fornecimento junto com a Petição Inicial como documento nº 2, e da cláusula 10ª do contrato de recolha de efluentes junto com a Petição Inicial como documento nº 3, exceciona da sujeição ao Tribunal Arbitral as questões relativas a faturação, ao seu pagamento ou falta dele, sendo-lhe apenas obrigatoriamente submetidas, fruto da referida convenção, «todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato».

    1. Na Petição Inicial o Autor referiu expressamente estarem em causa questões de faturação, mais concretamente de não pagamento da totalidade das quantias faturadas.

    2. Por erro de julgamento, entendeu o TAF de Mirandela que a causa de pedir alegada na Petição Inicial dizia respeito a questões de interpretação ou execução dos contratos em causa, desvalorizando a falta de pagamento expressamente alegada, e considerando que as «questões de mero pagamento» serão «questões pontuais e de menor complexidade».

    3. Alegar o não pagamento de 209.563,79 € (em razão de faturação indevida) é questão de faturação, concretamente de falta de pagamento, e não é questão pontual e de menor complexidade.

    4. No artigo 58º da Petição, o Autor referiu-se a faturação em excesso no período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de maio de 2016, nos artigos 63º e 64º da Petição referiu-se à faturação indevida, remetendo para o documento junto sob o nº 12, no qual constam expressamente identificadas as 10 (dez) faturas colocadas em causa pelo Autor, emitidas pela Ré no período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de maio de 2016, e aí constam os números das faturas, as datas de emissão, a sua descrição e os valores, bem como constam os valores pagos pelo Município, os valores não pagos, e o número dos ofícios e datas através dos quais aquelas faturas foram devolvidas à então ATMAD e solicitada a emissão da competente nota de crédito.

    5. Essa circunstância, esses dados, consubstanciam por forma inequívoca questão relativa à faturação, ao seu pagamento, ou falta dele.

    6. A ordem de formulação dos pedidos não constitui indicador absoluto da sua decrescente importância e, no caso concreto, o pedido principal formulado pelo Autor, o que verdadeiramente lhe interessa, é o que consta formalmente em 4º lugar, isto é, que seja reconhecida a existência de faturação indevida, que não tem que pagar, a quantia de 209.563,79 €.

    7. Porque o Autor não poderia ter formulado esse pedido (o único que lhe interessa) de forma desgarrada e/ou descontextualizada, formulou antes pedidos meramente instrumentais, que ao pedido principal haveriam de conduzir e a fim de o suportar.

    8. Aquelas cláusulas 9ª do contrato de fornecimento e 10ª do contrato de recolha de afluentes, quando referem que cada uma das partes poderá a todo o momento recorrer à arbitragem, à qual poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução dos contratos com exceção das respeitantes à faturação e ao seu pagamento ou falta dele, não estão a excluir, por forma expressa, o recurso ao Tribunal, que jamais poderá ser restringido, limitado ou diminuído.

      10º Aquelas cláusulas devem antes ser entendidas como uma hipótese, como uma possibilidade, como uma alternativa, que ficou na disponibilidade de cada uma das partes exercer ou não. Aliás, se essa tivesse sido a vontade das partes, as mesmas teriam escrito algo mais objetivo, que lhe atribuísse cunho de obrigatoriedade/imperatividade.

    9. Prevendo-se em convenção de arbitragem que “Ao tribunal arbitral poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com excepção das respeitantes à facturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele”, não fica preterida essa instância quando o Autora peticiona em juízo o reconhecimento de valores indevidamente faturados e se considere legítima a falta de pagamento dos mesmos.

    10. Em face da causa de pedir submetida a juízo, tratando-se de questões de faturação e pagamento, mais concretamente de falta de pagamento, dos valores constantes nas faturas identificadas, a apreciação do litígio em causa é da competência do TAF de Mirandela, e não do Tribunal Arbitral.

    11. Ao assim não considerar, o acórdão recorrido incorreu em erro de apreciação ou de julgamento, que importa reconhecer e declarar, devendo, em consequência, ser a mesma revogada, com consequente baixa dos autos à 1ª instância, para os autos aí prosseguirem a sua ulterior tramitação.

    12. A questão em causa nos autos, pela sua relevância jurídica, reveste-se de importância fundamental, a saber, a delimitação da competência dos Tribunais Administrativos e do Tribunal Arbitral, face ao disposto na Lei nº 31/86, de 29 de agosto, devendo, a final, crê-se, declarar os TAF competentes para a apreciação da matéria concreta a eles submetida.

      NESTES TERMOS, nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vª Exª, deve o presente recurso de revista ser admitido e, a final, considerado procedente, devendo, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, os TAF declarados competentes para a apreciação do litígio a que reportam os autos, e ordenada a baixa destes ao TAF de Mirandela para que aí prossigam os seus ulteriores termos».

  4. A Ré/Recorrida, no âmbito do presente recurso de revista, não apresentou contra-alegações (cfr. fls. 302 e segs. SITAF).

  5. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 13/5/2021...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT