Acórdão nº 222/18.8PAABT-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GONÇALVES
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Supremo Tribunal de Justiça, … secção criminal, em conferência, acorda: A - RELATÓRIO: 1. o recurso: A Procuradora da República no Juízo Local Criminal ..., invocando o disposto no artigo 437.º n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), veio ao processo em epígrafe, onde é arguido: - AA, com os demais sinais dos autos, interpor, por requerimento apresentado em 15 de março de 2021, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 26 de janeiro de 2021, registado no mesmo dia, transitado em julgado em 5/02/2021, que, na procedente do recurso do Ministério Público, revogando o despacho do Tribunal de 1ª instância, (no segmento em que, indeferindo promoção da Recorrente, havia decretando que a notificação ao arguido da decisão de converter a pena de multa em prisão subsidiária, era feita por via postal simples, na morada que consta do termo de identidade e residência oportunamente prestado nos autos pelo arguido), decidiu que aquele despacho fosse substituído por outro que ordenasse a sua notificação pessoal ao condenado.

A Recorrente, rematou a alegação com as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso extraordinário interposto para fixação de jurisprudência, nos termos do art. 437.º, n.ºs. 1, 2 e 4 do Código de Processo Penal (C.P.P. de ora em diante), do Acórdão proferido a 26.01.2021 pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora nos presentes autos com o n.º 222/18.8PAABT, por manifesta oposição com o douto Acórdão proferido a 12.01.2021 pela mesma Veneranda Relação nos autos com o n.º 144/18.2GBABT.

II. Ambos os Acórdãos transitaram em julgado e o Acórdão do qual agora se recorre foi o último a ser proferido – cfr. art. 438.º, n.º 1 do C.P.P. (sendo que apenas este se encontra publicado em www.dgsi.pt); inexiste, entre a data em que foi proferido cada um dos referidos Acórdãos (12.01.2021 e 26.01.2021), qualquer alteração legislativa às normas aplicáveis – cfr. art. 437.º, n.º 3 do C.P.P. – nomeadamente aos art. 49.º, n.º 1 e 3, 113.º, n.º 10 e 196.º, n.º 3, alíneas b), c) e e), todos do C.P. e art. 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

III. Em cada um daqueles processos, o recurso foi interposto pelo Ministério Público que promoveu a conversão da multa não substituída por trabalho a favor da comunidade e não paga, voluntária ou coercivamente, em prisão subsidiária e a notificação por contacto pessoal da decisão que viesse a ser proferida, tendo a Mma. Juíza de Direito do Juízo Local Criminal de ... decido a promovida conversão e ordenado, fundamentadamente, que a notificação tivesse lugar por via postal para a morada indicada pelo arguido no TIR.

IV. Assim, nos presentes autos e naqueles que vieram a culminar no Acórdão fundamento, o Ministério Público interpôs recurso reconduzindo-se a vexata quaestio à natureza da notificação a efectuar ao arguido da decisão da conversão da pena de multa em prisão subsidiária ao abrigo do disposto nos art. 49.º, n.º 1 e 3, 113.º, n.º 10 e 196.º, n.º 3, alíneas b), c) e e), todos do C.P. e art. 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente se deveria ser realizada por via postal simples para a morada constante do TIR ou se deveria concretizar-se por contacto pessoal com o arguido.

V. Nos presentes autos com o n. º 222/18…., o recurso foi julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão proferida ordenando-se a sua substituição pela notificação pessoal ao arguido do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária; nos autos com o n.º 144/…, o recurso foi julgado improcedente e confirmada a decisão que ordenou a notificação por via postal para a morada constante do TIR.

VI. Assim, tais Acórdãos foram proferidos na sequência de recurso interposto de decisões proferidas pela mesma Mma. Juíza de Direito do Juízo Local Criminal ....., o recurso foi interposto, em ambos os processos, pela signatária, perante o mesmo regime jurídico que não sofreu qualquer alteração e por referência a argumentos esgrimidos em sede de recurso pelo Recorrente Ministério Público que eram não apenas semelhantes mas exactamente os mesmos.

VII. Como daqui resulta inequivocamente, sobre duas decisões iguais e mediante a interposição de recursos com as mesmas alegações e conclusões o Venerando Tribunal da Relação de Évora, decidiu em sentidos opostos.

VIII. Em síntese, e porque tal resulta melhor explanado no corpo da motivação supra, nos presentes autos, o Venerando Tribunal da Relação de Évora considerou que “(…) a índole e a gravidade dos efeitos do despacho recorrido que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, com a consequente privação da liberdade do arguido, recomendam e impõem uma reflexão e uma ponderação acrescidas, de forma a respeitar, de modo mais consentâneo a defesa das garantias constitucionais, a privação de liberdade dos cidadãos, exigindo, para tal defesa que a notificação dessa decisão seja efectuada, quer ao defensor, quer ao arguido e, relativamente a este, através de contacto pessoal. Pois que, a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária produz uma autêntica alteração da natureza da pena previamente imposta, que afecta a liberdade do arguido.”, fundamentando que não é aplicável a jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010 por analogia, e, ainda, que o Tribunal Constitucional sublinha a necessidade de notificação pessoal da sentença para concluir que se tal exigência é feita relativamente à sentença, tal imposição deverá ser aplicável ao despacho que revoga a substituição da pena de prisão por multa.

IX. No Acórdão fundamento proferido nos autos com o n.º 144/18.2GBABT, o Venerando Tribunal da Relação de Évora deliberou que “(…) o arguido prestou termo de identidade e residência e foi devidamente advertido das obrigações constantes do mesmo e que as mesmas se mantinham até à extinção da pena, pelo que se impõe manter o despacho recorrido”, isto pois considerou que, se é admissível a notificação postal da decisão da revogação da execução da pena de prisão – por força da jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2010 –, situação mais gravosa que a de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, inexistem razões para que não seja notificado por via postal sendo que, após tal notificação, sempre poderia obstar à reclusão pelo pagamento da multa ou fazendo prova que a falta de pagamento não lhe é imputável. Considerou também a Veneranda Relação que, devidamente advertido o arguido das obrigações do TIR constantes do art. 196.º, n.º 3, alínea a), b), c) e e) do C.P.P. e atento o disposto no art. 214.º, n.º 1 do C.P.P., após o trânsito da sentença continua a ser a notificação por via postal simples a modalidade preferencial de notificação ao arguido que satisfaz as exigências de eficácia e celeridade da administração da justiça penal sem por em causa as garantias de defesa dos arguidos.

X. Entende o Ministério Público ora Recorrente que, atenta a natureza e o procedimento que conduz à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, a notificação de tal decisão deve ser realizada pessoalmente ao arguido – e naturalmente, como todas as demais, ao Defensor.

XI. Num esclarecimento prévio, cumpre notar que, até à entrada em vigor da Lei n.º 20/2013 de 21 de Fevereiro, a jurisprudência era consentânea no sentido de se impor a notificação pessoal do arguido, porquanto até então os efeitos do TIR cessavam com a sentença. O presente recurso é interposto no âmbito da actual redacção do art. 196.º, n.º 3 do C.P.P., pelo que não será considerada qualquer decisão ou argumento que se alicerce no regime anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013 de 21 de Fevereiro.

XII. A decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, apesar de uma consequência de previsão legal, não é mera decorrência da sentença mas opera uma alteração na natureza da pena e, consequentemente, os valores constitucionais referentes às garantias de defesa do arguido impõem que o mesmo seja pessoalmente notificado de uma decisão que cria e torna obrigatório uma decisão quanto à pena diferente daquela que já constava da sentença.

XIII. A suficiência da notificação postal, nos termos do art. 113.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P., por via da circunstância de as obrigações decorrentes do TIR, em caso de condenação, não cessarem até à extinção da pena, não se coaduna com a natureza garantística do processo penal...

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