Acórdão nº 502/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução09 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 502/2021

Processo n.º 558/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., Lda., o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 14 de maio de 2020, no âmbito de uma ação declarativa sob a forma de processo comum, proposta contra a ora recorrida, com vista a que fosse decretada a cessação, por caducidade, dos contratos de arrendamento de duas frações autónomas destinadas a comércio, celebrados em 1970 e 1975.

Em 2012, os proprietários do imóvel comunicaram à arrendatária, ora recorrida, a intenção de submeter os contratos ao Novo Regime de Arrendamento Urbano («NRAU»), de alterar a renda e de reduzir a duração do contrato (conforme previsto no artigo 50.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto). Em resposta, a ora recorrida aceitou o valor da renda, mas opôs-se à duração do contrato proposta e requereu que fosse fixado um prazo de cinco anos, para tal invocando a qualidade de microentidade, embora sem juntar qualquer documento comprovativo.

Em 2017, dentro do prazo estabelecido para o efeito, os proprietários comunicaram à recorrida a intenção de fazer cessar os contratos de arrendamento a 31 de dezembro de 2017. A arrendatária reagiu, invocando novamente a qualidade de microentidade e o regime especial previsto no n.º 1 do artigo 54.º do NRAU (tal como revisto pela Lei n.º 43/2017, de 14 de junho), segundo o qual «Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de 10 anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n.º 4 do artigo 51.º».

Diante do tribunal recorrido, os proprietários do imóvel alegaram, no essencial, que a recorrida não podia beneficiar desse regime, uma vez que não havia feito prova de ser uma microentidade, nos termos exigidos pelo n.º 6 do artigo 51.º do NRAU. Como tal, os contratos de arrendamento já se encontravam submetidos ao NRAU na data em que os proprietários do imóvel comunicaram à arrendatária a oposição à sua renovação, devendo ser reconhecida a respetiva cessação, com efeitos a 31 de dezembro de 2017.

Constando da factualidade dada como provada que a ora recorrida reuniu, desde a data em que invocou essa qualidade até à propositura da ação, os requisitos para ser considerada uma microentidade (cf. o n.º 5 do artigo 51.º do NRAU), o tribunal recorrido decidiu não aplicar «a norma extraída do artº 51º, nºs 4 e 6 do NRAU, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, segundo a qual o arrendatário que não envie o documento comprovativo da qualidade de microentidade fica automaticamente impedido de beneficiar da referida circunstância, sem advertência do senhorio, quer para essa necessidade quer para as consequências resultantes da omissão, face à sua inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.»

Em consequência, julgou improcedente a ação e negou provimento ao recurso.

2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, requerendo a apreciação da norma julgada inconstitucional, tal como enunciada pelo tribunal a quo.

3. Notificado para alegar, o recorrente apresentou, no essencial, as seguintes conclusões:

«V. Conclusões

(…)

31º

O Acórdão recorrido, de 14 de maio de 2020, do Tribunal da Relação de Lisboa concluiu, pois (destaques do signatário):

Pelo exposto, decide-se:

- não aplicar a norma extraída do artº 51º, nºs 4 e 6 do NRAU, na redação introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14/08, segundo a qual o arrendatário que não envie o documento comprovativo da qualidade de microentidade fica automaticamente impedido de beneficiar da referida circunstância, sem advertência do senhorio, quer para essa necessidade quer para as consequências resultantes da omissão, face à sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

- julgar a apelação improcedente, mantendo-se, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, a decisão recorrida.

32º

É deste Acórdão que vem interposto recurso obrigatório, pela digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 69º, 70º, nº 1, alínea a), 75º e 75º-A da LTC.

33º

Ora, julga-se que assiste razão ao tribunal recorrido, no seguimento do decidido, por exemplo, pelo Acórdão 277/16 deste Tribunal Constitucional.

Este Acórdão julgou, com efeito, inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção», por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição.

34º

O Acórdão 277/16 invocou, designadamente, como fundamento da sua posição:

“A solução consubstanciada na norma objeto do presente recurso revela-se, além disso, desproporcionadamente onerosa para o arrendatário, por comparação com os benefícios que a mesma traz para o senhorio e para o interesse comum. Aliás, estes não seriam excessivamente lesados caso tal norma não vigorasse. Com efeito, o senhorio não perde nem o seu direito a promover a transição para o NRAU nem o direito a eventuais compensações devidas pela demora na efetivação dessa mesma transição. Já o arrendatário que reúna as condições que alega – RABC inferior a cinco RMNA e idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade superior a 60% – sem as comprovar no momento devido e que até à comunicação da intenção do senhorio de fazer transitar o seu contrato de arrendamento para o NRAU gozava de um direito consolidado ao locado com uma certa renda, fica, por força de tal norma, numa situação muito precária, já que o seu direito à habitação no locado e a garantia de uma renda ajustada ao seu rendimento ficam dependentes da boa vontade do senhorio.”

Razões idênticas valem para o objeto do presente recurso.

35º

Pode igualmente citar-se, em abono da solução proposta para as presentes alegações, o Acórdão 440/19 (Relator: Conselheiro Lino Ribeiro), que julgou «inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito ao princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, a interpretação normativa da alínea c) do n.º 7 do artigo 36.º e do n.º 5 do artigo 35.º do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, e retificada pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro), segundo a qual os arrendatários a que se refere o artigo 36.º, que no mês correspondente àquele em que foi invocada a circunstância relativa ao rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar, e pela mesma forma, não fizerem prova anual do seu rendimento perante o senhorio, ficam automaticamente impedidos de poder prevalecer-se desta circunstância, mesmo que não sejam alertados pelos senhorios para a necessidade de a apresentar».

36º

Assim como se pode citar o Acórdão 393/20 (Conselheira: Joana Fernandes Costa), que julgou «inconstitucional, por violação do artigo 65.°, n.° 1, conjugado com os artigos 17.° e 18.°, n.° 2, todos da Constituição, a norma extraível dos artigos 30.° e 31.°, n.° 6, da Lei n.° 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.° 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual a falta de resposta do arrendatário à comunicação prevista no artigo 30.° determina a transição do contrato para o NRAU e vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU, sem que ao primeiro tenham sido comunicadas as alternativas que lhe assistem e sem que o mesmo tenha sido advertido do efeito associado ao seu eventual silêncio».

37º

Assim, por todas as razões invocadas ao longo das presentes alegações, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá, agora:

a) negar provimento ao recurso obrigatório de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público nos presentes autos;

b) manter, nessa medida, o Acórdão recorrido, de 14 de maio de 2020, do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação dos AA. e manteve, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, a decisão recorrida de 1ª instância;

c) considerar materialmente inconstitucional a “… a norma extraída do art. 51º, nºs 4 e 6 do NRAU, na redação introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14/08 segundo a qual o...

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