Acórdão nº 2811/18.1T8VIS-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução08 de Julho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: T..., Lda. e outros, executados nos autos em apreço, vieram interpor recurso ordinário de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, da decisão do tribunal a quo, datada de 05-01-2021, com subida em separado e com efeitos suspensivos.

Com os seguintes fundamentos: 1.º A decisão em causa indefere a segunda perícia aos imóveis penhorados, com a finalidade de fixar o valor de mercado dos mesmos, sem que para tal apresente fundamentação da decisão, colocando, portanto, em crise a validade da decisão, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, b) do CPC; 2º A decisão aqui em crise, ainda que não padecesse de nulidade, indeferida a realização de uma segunda perícia, que nos termos do disposto no artigo 487º, n.º 1 do CPC, tinha não só sustento em matéria de direito como de facto, na medida em que a 1º perícia padece de deficiências que enquanto tal legitimavam a 2º perícia requerida, e que no presente recuso se passam a expor.

  1. Fundamenta ainda o recurso aqui apresentado a decisão intempestiva de venda dos imóveis em causa por parte do agente de execução, na medida em que, datando a decisão do tribunal a quo de 05-01-2021 e a decisão de venda por parte do agente de execução do dia 06-01-2021, dúvidas não se levantam quanto ao não respeito por parte desta, dos tempos processuais, nomeadamente do trânsito em julgado.

    Assim, a A..., Lda, e outros, têm interesse e legitimidade para o efeito, estando representada pela subscritora e pago a taxa de justiça, que vai junta, sendo em face do exposto o recurso tempestivo e admissível.

    Seguem alegacões e conclusões:

    1. Da nulidade da decisão: 1. A decisão aqui objeto de recurso, datada de 05-01-2021, por referência ao requerimento (ref. n.º ...), apresentado pelos aqui recorrentes, a fim de solicitar segunda perícia, limita-se à seguinte referência: ”Ressalvando sempre melhor juízo, entendemos que não existe fundamento legal para, no vertente caso, se lançar mão de uma segunda perícia.” 2. Face ao transcrito, é evidente a insuficiência da fundamentação quer de facto quer de direito para o indeferimento da segunda perícia.

      1. Ora devido ao comportamento (omissivo) do tribunal a quo quanto aos porquês da não admissão de segunda perícia, tendo o tribunal a quo na sua decisão meramente referido o transcrito impõem desde logo uma violação do disposto no artigo 154º, n.º 1 do CPC, que dispõe “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (sublinhado nosso).

      2. Ao qual acresce o facto de postular o artigo 205º, n.º1 da CRP, que: “1-As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.” 5. O Ac. do Tribunal Constitucional de 2-12-1998, Proc. nº 680/9, acaba por efetuar uma abordagem à problemática da fundamentação das decisões em termos gerais. A esse propósito entendeu o TC que: “Este texto, resultante da revisão constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artº 208 que determinava que «as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei. A Constituição revista deixa transparecer uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.

        A verdade, porém, é que, estando em causa um elemento da sentença que releva para efeitos da respectiva validade, deve avaliar-se da conformidade constitucional da norma em apreciação à luz do texto constitucional, à luz da prolação da decisão. É certo que a Constituição não determina, ela própria, o alcance do dever de fundamentar as decisões judiciais remetendo para a lei a definição do respectivo âmbito. Certo é, também, igualmente, que o legislador ao concretizar a liberdade de conformação que a Constituição lhe confere, não a pode reduzir de tal forma que, na prática, venha a inutilizar o princípio da fundamentação.

        Isso não significa, tal como se vincou naquele primeiro aresto (e bem assim no Ac. nº 310/94 daquele mesmo Tribunal de 29/08/94, in “DR, II S, de 29/08/94”), que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade da fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional”.

      3. A fundamentação da decisão revela-se fundamental para que as próprias partes e os tribunais de recurso possam fazer o reexame do processo logico-racional pela via do recurso, sendo a fundamentação da decisão um mecanismo de eficácia, na medida em que desta depende a persuasão dos seus destinatários e da comunidade (jurídica) em geral.

      4. A obrigatoriedade de fundamentação das decisões constitui um verdadeiro elemento legitimador do poder jurisdicional, na medida em que atribui sentido ao exercício desse poder e ao dever de aplicar o direito ao caso concreto – “iuris dicere”.

      5. O dever de fundamentação das decisões é o principal pressuposto para o respeito pelos princípios da legalidade, da imparcialidade das decisões e ainda da independência dos juízes.

      6. Ideia que encontra acolhimento na jurisprudência, sendo disso exemplo o Ac. STJ de 26-02-2019 , Proc. 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, nomeadamente quando nos diz que: “Na ponderação da natureza instrumental do processo civil e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil.” 10. Do artigo 205º, n.º1 da CRP resulta uma exigência (de natureza imperativa) de fundamentação das decisões, e como tal a necessidade de fundamentação das decisões (de facto e de direito) é uma exigência constitucional e bem assim de um verdadeiro Estado de Direito, permitindo, assim, o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e sobretudo a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se, desse modo, qualquer livre arbítrio do julgador.

      7. Tendo sido esta ratione legis de índole constitucional que levou a que o legislador ordinário no artigo 615º n.º 1, b) do CPC, cominasse com a nulidade a decisão que, entre outros, “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (sublinhado nosso) 12. A decisão aqui em crise padece desde logo do vicio de falta de fundamentação quanto ao motivo pelo qual não se admite a realização da segunda perícia, e como tal deverá a decisão ser considerada nula, respeitando assim os tramites processuais (civil) e constitucionais.

    2. Da admissibilidade de Segunda Perícia 13. Dispõe, no seu n.º1, o artigo 487º do CPC que: “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.” 14. Os aqui recorrentes lançaram mão deste normativo, para requerer que a mesma fosse admitida, demostrando as deficiências e obscuridades de que a primeira perícia padece.

      1. Contudo, entendeu o tribunal a quo (sem qualquer fundamentação), que a mesma não seria de admitir.

      2. Ora, neste particular entendem os aqui recorrentes que andou mal o tribunal na medida em que, o relatório da primeira (e única) peritagem admitida nos autos padece de graves deficiências.

      3. De forma a colocar em evidência as aludidas deficiências da peritagem impõe-se cuidada analise do ponto 4.1 do relatório de peritagem.

      4. Do qual é possível extrair que o Sr. Perito, diz ter realizado a aludida peritagem tendo como base a metodologia que resulta do Regulamento da CMVM N.º 07/2007 – Fundos de Investimento Mobiliário, do qual, aparentemente, “transcreve” o seu artigo 16º 19. Ora, de uma leitura cuidada e crítica do dito relatório é possível dar conta que o Regulamento da CMVM N.º 07/2007, é apenas um regulamento de alteração de um outro Regulamento (Regulamento da CMVM N.º 08/2002), que além do mais, não interfere com a previsão normativa do artigo 16º, resultando dai a pertinência em referir o Regulamento da CMVM N.º 08/2002, e não o 07/2007.

      5. Apesar disso, o Sr. perito, propõe-se citar no seu relatório o artigo 16º, como demostrado no 27º destas alegações.

      6. Todavia a “citação” não corresponde a verdade do que refere o aludido artigo 16º do regulamento da CMVM.

      7. O verdadeiro...

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