Acórdão nº 4/19.0PECTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução07 de Julho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 4/19.0PECTB do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Juízo Central Criminal de Castelo Branco - Juiz 1, por acórdão proferido em 12/01/2021, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]: “3.1- Absolve A., J., D. da prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei 15/93 de 22/01 por referência à tabela I-A anexa ao diploma; 3.2- Absolve o arguido H. da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01.

3.3- Condena os arguidos A., J. e D. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01 com referência às tabelas I-A e I-C anexa ao referido diploma, nos seguintes termos: -- a) A., como reincidente, pena de 4 (quatro) anos de prisão; b) J., pena de 3 (três) anos de prisão; c) D., pena de 2 (dois) e 6 (seis) anos de prisão; 3.4- Condena o arguido H., pela prática de um crime de consumo, p. e p. pelo art. 40º, nº 2, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros).

3.5- Ao abrigo do disposto nos art.os 50º e 53º do C.Penal, suspende-se a execução das penas de prisão ora decretadas quanto aos arguidos J. e D. por igual período de tempo - com regime de prova relativamente ao arguido J., onde deve incluir-se o tratamento que se revelar necessário à problemática aditiva e acompanhamento médico/psicológio que se revelar adequado.

3.6- Condenam-se os arguidos nas custas do processo, fixando em 2 Uc´s a taxa de justiça para cada um dos arguidos.

3.7- Julga-se improcedente o pedido de perda de vantagens, nos termos supra expostos.

[…] * 2. Inconformado com a decisão recorreu o arguido A., formulando as seguintes conclusões: “a) O Acórdão recorrido condenou o Arguido pela prática de um crime de tráfico de Estupefacientes P. P. pelo artigo 25º; b) Fundamentou a sua decisão na matéria que deu como provada e nas convicções que para si resultaram da produção da prova; c) O douto Acórdão Recorrido, relativamente aos factos provados, assentou, basicamente, nas declarações do arguido D. em sede de primeiro Interrogatório Judicial; d) Porém, relativamente a este arguido não foi possível exercer o contraditório, porquanto, o mesmo faltou à audiência de julgamento; e) Na data do referido primeiro interrogatório judicial do Arguido D., o Recorrente não era Arguido nos autos e, consequentemente, não esteve representado por defensor ou Mandatário na Diligência Judicial sub judice.

f) Consequentemente, o depoimento do coarguido D., apesar de lido em sede de audiência de julgamento, não pode ser valorado como meio de prova quanto ao Recorrente, porquanto, não foi possível exercer o direito ao contraditório.

g) Relativamente às respostas dadas à matéria de facto, o Meritíssima Juiz “a quo”, na perspectiva do aqui Recorrente e, com o devido respeito, respondeu erradamente aos factos considerados como provados n.º 1 a 24, 32, 33 e 40 a 42.

h) O Artigo 32º da CRP consagra o chamado direito ao contraditório. E esse direito não é, meramente, formal.

i) O processo penal português comunga dos princípios do justo processo, consubstanciados normativamente na Constituição da República Portuguesa, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Código de Processo Penal e legislação avulsa.

j) A epistemologia do processo penal é de natureza cognitiva, instruído com as provas recolhidas de modo lícito, transparente, leal, acautelando sempre o direito de defesa, assegurando sempre o contraditório, ainda que sujeito a um procedimento especial, como é o caso de testemunhas protegidas ou agentes encobertos.

l) A impossibilidade de contraditar, de exercer o contraditório, através do Mandatário, é absolutamente ilegal e como tal não pode ser aceite pelo tribunal.

m) O direito de defesa é "sagrado", pilar fundamental do processo equitativo, consagrado na Constituição da República Portuguesa, só podendo ser limitado por lei expressa.

n) Assim sendo, a fundamentação da matéria de facto da douta sentença é ilegal por violação do artigo 32º da CRP.

o) Acresce que, se retirarmos as declarações do Arguido D., não olvidando que ele refere que “desconfiava” que era para o N., não existe qualquer prova directa de que o ora Recorrente praticou os factos pelos que foi condenado.

p) A douta decisão faz tábua rasa do depoimento das testemunhas e outros meios de prova constantes nos autos e apenas se funda nas declarações de um coarguido que não foi possível contraditar.

q) Na verdade, em sede de Audiência de Julgamento, e após audição da prova gravada, não se vislumbra qual o fundamento para a conclusão debitada na douta Sentença.

r) Ou seja, dos depoimentos não se pode retirar, com a certeza necessária, a possibilidade de questionar o princípio da presunção de inocência.

s) Em suma, interpretação conferida pelo Meritíssimo Juiz "a quo” ao art. 127° do C.P.P., ofende o "princípio da presunção da inocência" do Recorrente do art. 32°. n°. 2 da C.R.P., sendo este prejudicado em termos jurídico penais pela valoração errada de declarações que conforme foi acima defendido não podem sustentar a base de uma condenação.

t) Alterando-se a resposta à matéria de factos nos termos constantes da conclusão precedente, resulta claro que o Arguido deverá ser absolvido da prática do crime pelo que foi condenado e, consequentemente do pedido de Indemnização Cível.

u) Ou seja, a prova produzida leva-nos necessariamente a conclusões diferentes das extraídas pelo Acórdão Recorrido.

v) A prova produzida quanto ao Arguido é manifestamente insuficiente; x) Conclui-se pois que a Sentença Recorrida merece, nos termos do vertido nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 412º do CPC, ser censurado por ser manifesto que as provas produzidas impõem decisão diversa da Recorrida.

z) Para concluir, a Sentença Recorrida deve ser revogada e substituída por outra que aplique correctamente o direito aos factos apurados, nos termos supra expendidos.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, revogada a Sentença Recorrida, que deve ser substituído por outro que decidida em conformidade com a prova produzida e junta aos Autos.” * 3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  1. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu: “1. Alega o recorrente que “a fundamentação da matéria de facto da douta sentença é ilegal por violação do artº 32º da CRP”, assentando este seu entendimento de que foi violado o princípio do contraditório nacircunstânciade o Tribunalaquo ter formadoasuaconvicção para a condenação, exclusivamente, na versão do co-arguido D. apresentada aquando do depoimento prestado em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, versão essa que o recorrente não pôde contraditar, nem na altura de tal interrogatório uma vez que, então, não era arguido, nem posteriormente pois que não esteve presente na audiência de discussão e julgamento.

  2. Porém, quer arguido ora recorrente, quer o seus Ilustres Advogados conheciam, desde logo a partir do momento em que foram notificados do despacho de acusação, a versão dos factos apresentada pelo co-arguido D., não podendo vir agora invocar o seu desconhecimento e com isso a postergação de garantias de defesa. Não tendo reagido ao despacho de acusação conformou-se com a mesma.

  3. Do mesmo modo, quanto à falta do arguido à audiência de discussão e julgamento, e alegada impossibilidade de exercício do contraditório daí decorrente, temos que o tribunal a quo entendeu, ancorado no disposto no nº 2, do artº 333º do Código de Processo Penal, e com os fundamentos exarados em acta (cfr. acta de audiência de julgamento de 04.12.2021, a que corresponde a referência 32739828), que a audiência podia iniciar-se sem a sua presença.

  4. Tal decisão do tribunal a quo mereceu a concordância do seu Ilustre Defensor, posto que à mesma não reagiu.

  5. Acresce que nos termos do disposto no nº 3 do predito normativo (artº 333º) “No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312.º”.

  6. Contudo, também aqui nada foi dito ou requerido pela defesa do recorrente, impondo-se a conclusão de que o Ilustre Advogado do recorrente entendeu não haver interesse, necessidade ou pertinência em que o arguido viesse exercer o seu direito a prestar declarações em qualquer momento após o início da audiência de discussão e julgamento e até ao seu encerramento. E, se assim foi, não se vê como pode vir agora orecorrente invocar a violação do princípio do contraditório ou de qualquer outro.

  7. Falece ainda razão ao recorrente porquanto, como decorre da fundamentação da matéria de facto, para além das declarações do co-arguido D. o tribunal a quo a valorou ainda outras provas que, conjugada e criticamente apreciadas, levaram à condenação do recorrente.

  8. De resto, o arguido em momento algum, prévio ao julgamento ou até aoencerramento deste, lançou mão de qualquer das faculdades /direitos que a lei processual penal prevê para reagir contra o que considera agora ter andado mal em qualquer das fases processuais e, não o tendo feito não se vislumbra que o possa agora fazer, sendo certo que não foi violado pelo douto acórdão que o arguido impugna o disposto no art.32º, ou...

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