Acórdão nº 283/18.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: C..

, Recorrente no âmbito da presente acção administrativa intentada contra o Estado Português, em que pede a condenação deste a indemnizá-lo, a título de responsabilidade civil extracontratual, dos danos que diz ter sofrido por força da violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável no âmbito do processo crime n.º 497/06.5JDLSB, que correu termos na 1ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa, vem intentar recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a presente acção e em consequência, condenou o Recorrido a pagar-lhe a quantia de dois mil euros, acrescida de juros de mora vincendos a contar desde a data da prolação da sentença.

Apresentou as seguintes conclusões com as alegações do recurso: 1. “O recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto se considera que ocorreu incorreto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

  1. O recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, pois considera que, atentos os circunstancialismos do caso, e designadamente a prova testemunhal que foi feita, é de concluir que foi reproduzida prova suficiente, congruente e com razão de ciência no sentido de dar como provados os pontos de factos n° 1,2,3,4,5,6,7,8,9, 10 e 11.

  2. Quanto ao ponto de facto número 8, o recorrente considera incorretamente julgado o na parte em que refere ”...

    houve a necessidade de contactar e coordenar as investigações com as autoridades estrangeiras ... ”, e ainda alínea c) do ponto de facto n° 8, referenciados à numeração dos “Factos Provados” da sentença, dado que tal expressão contamina o sentido da decisão final.

  3. Porquanto, atentas as diligências a que alude o ponto de facto n° 8 dos factos dados como provados, resulta que a esmagadora maioria das diligências foram efetuadas precisamente na Embaixada de Portugal em Ancara. sendo certo que a Embaixada Portuguesa faz parte da Rede Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

  4. Quanto à alínea c) do ponto de facto n° 8 consta o seguinte: “Solicitada a disponibilização de documentos e informações várias autoridades estrangeiras”, na medida em que tal alínea não refere, sequer, quais foram essas autoridades estrangeiras, adotando, antes uma designação concreta e não discriminada das concretas autoridades contactadas.

  5. Por seu turno, quanto aos pontos de facto n° 1,2,3,4,5,6,7,8,9, 10 e 11 da matéria de facto dada como não provada, as provas que impunham decisão diversa da recorrida resultam dos depoimentos das testemunhas L.., F.. e V...

  6. Neste conspecto, para efeitos de alteração da matéria de facto nos termos requeridos, indica-se que o depoimento de parte de L.., registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos 00:48:20 e o seu termo ao minuto 00:58:14, conforme consta da ata da Audiência Final de 14.01.2019, o depoimento de F.. registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minuto 01:00:05 e o seu termo ao minuto 01:15:40, conforme ata da audiência final de 14.01.2019, e o depoimento de V.. registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minuto 00:21:00 e o seu termo ao minuto 00:15:55, conforme ata de Audiência Final de 14.01.2019.

    Sem prescindir.

  7. O recorrente discorda, igualmente, da fundamentação de direito aposta na douta Sentença recorrida.

  8. É dado adquirido e consensualizado que, no plano do ordenamento jurídico português vigente, o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva - artigos 20°, n° 4 e 5 e 268°, n°s 4 e 5 da C.R.P..

  9. E que a infração a tal direito, que é extensível a qualquer tipo de processo (cível, penal, administrativo/tributário, laboral, entre outros), constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual - artigos 22° da C.R.P., 6o da CEDH em conjugação ou concretizado com a Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro.

  10. A apreciação e integração do conceito de justiça em “prazo razoável” ou de obtenção de decisão em “prazo razoável constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido “in concreto ” e nunca em abstrato.

  11. Para tal tarefa de avaliação e de ponderação tem-se como adequado e útil o recurso à jurisprudência do TEDH, quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração de um processo.

  12. No caso em apreço resulta que as questões de facto não apresentavam complexidade, reportando-se à imputada conduta do arguido na alegada, mas infundada, concessão de vistos, pedidos de asilo, entradas ilegais em território francês, violação deveres funcionais, corrupção passiva para ato ilícito, falsificação de documentos, auxílio à imigração ilegal, abuso do poder, declarações fiscais e tráfico de influência.

  13. As provas a produzidas foram praticamente as mesmas constantes do processo disciplinar que o Ministério dos Negócios Estrangeiros moveu ao arguido, aqui recorrente., sendo o volume do processo é normal, tendo em conta a tipologia de crimes.

  14. O volume do processo é normal, tendo em conta a tipologia de crimes.

  15. O recorrente era o único arguido do processo crime.

  16. Foram arroladas apenas sete testemunhas pelo Ministério Público e seis testemunhas pela Defesa do arguido.

  17. E o arguido, aqui recorrente sempre teve uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais.

  18. A justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho não tem merecido aceitação, pois, pode-se eventualmente afastar a responsabilidade pessoal dos juízes, não afasta a responsabilidade dos Estados.

  19. No caso vertente, ponderada a factualidade supra alegada, o Recorrido atuou com culpa.

  20. Como consequência direta e necessária da conduta do Recorrido, o Recorrente sofreu danos tutelados pelo direito.

  21. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Administração pela prática de atos ou omissões ilícitas são semelhantes aos pressupostos do instituto da responsabilidade civil consagrados na lei civil, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

  22. O facto imputado pelo recorrente ao recorrido, enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, consiste na demora superior a 10 anos do processo crime n° 497/06.5JDLSB. que correu termos na Ia Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa.

  23. Como afirma - e bem- a douta sentença, no caso dos autos desde a instauração do inquérito até ser proferido o acórdão que pôs termo ao processo crime, com a absolvição do recorrente dos crimes de que vinha acusado, proferido em Ia instância, mediaram mais de 10 anos, “o que não é, de todo, razoável”.

  24. Não obstante a assunção do funcionamento anormal da administração da justiça, a decisão ora em crise veio a considerar que o atraso verificado superior ao período global considerado como razoável para a tramitação de um processo crime com as características do processo em apreço, afasta-se em cerca de dois anos, de acordo com os critérios do homem médio e das suas expectativas sobre o funcionamento da justiça! 26. Destarte, o atraso na justiça corresponde a um comportamento omissivo ilícito por parte do Recorrido, por violação do disposto nos artigos 20°. n° 4 da CRP e 6°. n°l da CEDH.

  25. Por aplicação do artigo 10.°, n.° 2, da Lei n.° 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no artigo 344.°, n.° 1, do Código Civil, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.° 350.°, n.° 2, do Código Civil).

  26. Todavia, o Recorrido não logrou ilidir a presunção legal que sobre si impende.

  27. De acordo com o artigo 22° da CRP o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes da violação do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, direito este consagrado no artigo 6.° n.° 1 da CEDH, ratificada por Portugal em 1978, e no artigo 20° n.° 4 da CRP (desde a revisão constitucional de 1997).

  28. Por sua vez, o dano corresponde à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão.

  29. No caso em apreço, os danos causados por violação do direito do recorrente a obter uma decisão judicial em tempo razoável, correspondente a um comportamento omissivo ilícito por parte do recorrido, por violação do disposto nos artigos 20° n°4 da CRP e artigo 6o, n° 1 da CEDH, vão muito além do apelidado dano moral comum.

    Veiamos: 32. Os dez anos, seis meses e trezes dias que o recorrente aguardou pela prolação de uma decisão final no âmbito do processo n° 497/06.5JDLSB causaram profunda revolta, angústia, tristeza, frustração e um enorme sentimento de injustiça e ineficácia da justiça.

  30. Durante precisamente dez anos, seis meses e treze dias o único anseio do recorrente prendeu-se, tão só, com querer que se fizesse justiça.

  31. O recorrente sentiu frustração pela ineficácia do sistema judiciário, pois sempre esteve ciente da sua inteira inocência.

  32. O recorrente sempre se manteve expectante na resolução do processo crime, mormente quando se dirigia à sua caixa de correio na esperança de receber uma notificação referente ao processo crime e ao seu desfecho. 36. A concreta tramitação do processo crime e a sua duração causaram-lhe um profundo desgaste físico e psíquico, com reflexos na sua autoestima e no seu equilíbrio emocional.

  33. Conforme declarado pelas Testemunhas L.. e V.., a tramitação do processo crime, o modo como o recorrente passou a olhar a vida, a frustração, revolta, mágoa e irritabilidade e nervosismo para com o seu agregado familiar levaram ao divórcio do recorrente.

  34. Conforme declarado pela testemunha L.., devido ao processo crime em que o pai se encontrava envolvido, os...

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