Acórdão nº 3641/19.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução01 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

RELATÓRIO AUTOR/RECORRIDO- Ministério Público RÉ/RECORRENTE- “Associação Empresarial de X, Y e W”.

PEDIDO - O autor Ministério Público, através de acção especial prevista nos artigos 186º-H e seg. do CPT, pediu a condenação da ré a reconhecer como sendo de trabalho o contrato celebrado a 1-09-2006 com a trabalhadora S. C.

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CAUSA DE PEDIR - Alegou, em suma, que, apesar de sucessivos contratos intitulados como de prestação de serviços formador externo, esta exerceu sempre as funções, subordinadamente, como docente na Escola Profissional de X, desde 1 de Setembro de 2006, invocando factos reveladores da existência desse contrato de trabalho, que assentam, nomeadamente na circunstância dela prestar as suas funções nas instalações da R., utilizar os seus instrumentos de trabalho, ter um horário pré-definido, o controle das horas de início e termo da prestação de serviços, a obrigação de justificar as respectivas faltas, o poder disciplinar que a R. tem sobre ela e estar sujeita à avaliação de desempenho.

CONTESTAÇÃO – a ré pediu a absolvição da instância, invocando:(i)a inutilidade/impossibilidade originária da lide ou excepção dilatória inominada (porque na data da propositura da acção já vigorava um contrato de trabalho celebrado entre a ré e a trabalhadora S. C., desde 1-09-2019); (ii) a falta de interesse em agir (estando reconhecido já o contrato de trabalho não há necessidade de tutela); (iii) o meio processual inadequado (estando em causa tão somente a antiguidade deveria ter sido intentada acção comum); (iv) a ilegitimidade/incompetência do autor (derivada do facto de o contrato de trabalho já estar celebrado e o autor não poder vir discutir a questão da antiguidade); (v) a nulidade do processo (por o MP intentar a acção quando o contrato de trabalho já está reconhecido, sendo cometido acto que a lei não prevê) e, finalmente, a absolvição de todos os pedidos, reiterando a existência de meros contratos de prestação de serviços.

O autor respondeu às excepções e nulidade invocadas, defendendo a sua improcedência.

A trabalhadora em causa não apresentou articulado, nem constituiu mandatário.

No despacho saneador julgaram-se improcedentes todas as excepções e questões prévias suscitadas pela ré.

RECURSO DE DECISÃO INTERCALAR: a ré interpôs recurso dessa decisão, que foi admitido, a subir com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final e com efeito meramente devolutivo. Questões arguidas: (I) a inutilidade/impossibilidade originária da lide ou excepção dilatória inominada (à data da propositura da acção o contrato de trabalho já estava existia e estava reconhecido); (ii) a falta de interesse em agir (estando reconhecido já o contrato de trabalho não há necessidade de tutela; permitir a discussão da antiguidade é susceptivel de gerar uma desigualdade de tratamento com outros trabalhadores que têm de recorrer, por si, à acção comum, com violação do princípio da igualdade)); (iii) o meio processual inadequado (estando em causa tão somente a antiguidade a acção de reconhecimento de contrato de trabalho não é idónea, deveria ter sido intentada acção comum); (iv) a ilegitimidade/incompetência do autor (derivada do facto de o contrato de trabalho já estar celebrado e o autor não poder vir discutir a questão da antiguidade, tratando-se de uma ingerência pública injustificada); (v) a nulidade do processo (por o MP intentar a acção quando o contrato de trabalho já está reconhecido e cumprida a advertência da ACT, sendo, portanto, cometido acto que a lei não prevê) Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: Pelo exposto, julga-se a acção procedente por provada e, em consequência, reconhece-se que a relação contratual que existe desde 1 de Setembro de 2006 entre a R. e a trabalhadora S. C. consiste num contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artº 12º do C. do Trabalho.

Custas pela R.

Fixo à acção o valor € 2 000,00.

A RÉ RECORREU. IMPUGNA A DECISÃO DE FACTO E DIREITO. REQUER A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA. LEVANTA AS SEGUINTES QUESTÕES (SÍNTESE/CONDENSAÇÃO):

  1. Impugnação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 11, 12, 13, 15, 17, 18, 23, que devem ser não provados e o 23 deve ter a seguinte redacção “O pagamento dessa quantia era por transferência bancária para a conta do trabalhador que este fornecia à R”.

  2. Impugnação de matéria não provada e que entende que deve ser provada contida nos pontos 3, 4 e 7. A matéria relaciona-se com a inaplicabilidade à trabalhadora do regulamento interno, com o facto de o horário de trabalho ser elaborado em função da disponibilidade da trabalhadora, e com as quantias auferidas pela autora.

  3. Direito- Essencialmente defende que os contratos celebrados entre a trabalhadora S. C. e a ré são verdeiros contratos de prestação de serviço e não de trabalho celebrados ao abrigo do princípio estruturante da autonomia privada, tendo sido escolhido pelas partes um contrato de prestação de serviços.

    CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna pela manutenção das decisões recorridas (despacho saneador e sentença).

    Os recursos foram apreciados em conferência.

    QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): RECURSO DE DECISÃO INTERCALAR PROFERIDA NO ÂMBITO DO DESPACHO SANEADOR: excepção de: (i) impossibilidade/inutilidade originária da lide; (ii) de falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente; (iii) de ilegitimidade ou incompetência; (iv) de uso de meio processual inadequado; (v) nulidade do processo.

    RECURSO DA DECISÃO FINAL: impugnação da matéria de facto provada e não provada; verificação da existência de contrato de trabalho/prestação de serviços.

    I.I. FUNDAMENTAÇÃO A- FACTOS Factos provados: 1 - A R. (Associação Empresarial de X, Y e W), MPC ………, NISS ………, com sede na Rua …, X, exerce como actividade principal organizações económicas e patronais, à qual corresponde o CAE — ….

    2 - No desenvolvimento dessa sua actividade é proprietária da Escola Profissional de X, titular da autorização prévia de funcionamento no 140, emitida em 9 de Maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direção Regional da Educação Norte.

    3 - Os locais de trabalho onde se desenvolve esta actividade são geridos pela R. e situam-se na Praça …, X, na Rua ..., X e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa ..., …, X.

    4 - A R. tem como Presidente da Direção, J. C., NIF ………, residente na Travessa de S…, X.

    5 - A trabalhadora S. C., foi admitida ao serviço da Ré, como docente de Português nível IV e Língua Portuguesa, embora seja docente profissionalizada de Português grupo 300, e Orientadora Educativa de Turma/Diretora de Turma (turma 16.8 do curso técnico de multimédia e diretora de curso turma 15.6 do curso operador de fotografia), para o ano lectivo de 2006/2007, por contrato celebrado entre a R. e a trabalhadora a setembro de 2006, e denominado como contrato de prestação de serviços formador externo.

    6 - A R. e a trabalhadora assinaram, ao longo dos anos, e para os respetivos anos lectivos contratos denominados como prestação de serviços formador externo.

    7 - Todos os contratos estipulam como fim de vigência a data de 31 de Julho dos respectivos anos 2007, 2008, 2009, 2010, 2011,2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2016, 2017, 2018 e 2019.

    8 - O mês de Agosto de cada ano corresponde a um dos períodos de interrupção das actividades escolares e lectivas.

    9 - Está previsto no artº 128º, nº 1, inserido na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar) do Regulamento Interno da Escola Profissional de X 2017 – 2020, aprovado pela R. que: “o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de setembro de cada ano e o dia 31 de agosto seguinte“ e nos nºs 2, 3 e 5, do mesmo artº que o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos lectivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles e que o mês de Agosto é reservado para as férias de verão.

    10 - No artº 129º do mesmo Regulamento, que tem como epígrafe “Períodos de interrupção lectiva “, consta que o ano escolar é organizado de modo que sejam cumpridas, no mínimo, 3 interrupções das actividades escolares, coincidentes com o Natal, Carnaval e a Páscoa, e uma quarta, por um período nunca inferior a 22 dias úteis seguidos, a ocorrer, em cada ano escolar, entre 1 de Agosto e 1 de Setembro.

    11 - A trabalhadora desenvolveu, ao longo destes anos lectivos a sua actividade de docente/formador, na área tecnológica e na área cientifica nas instalações da R. e por si geridas, referidas no nº 3 supra, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça … e na Rua ....

    12 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou instrumentos e equipamentos pertencentes à R., nomeadamente, mobiliário nos locais de trabalho, mesa, cadeira e quadro interativo e branco, computador, videoprojector, fotocópias, colunas canetas, softwares onde escreve os sumários e registo de ocorrências e plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.

    13 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela R., comparecia às reuniões de trabalho e de organização para que era convocado pela R. e participava como orientadora.

    14 - A trabalhadora registava as aulas dadas e os respectivos sumários e através de uma plataforma informática existente na R., na qual entra através de “login“ no programa/plataforma “eschooling”.

    15 - Para cada um dos anos lectivos era a R., quem no início dos respetivos anos, definia o horário de trabalho da trabalhadora e dos restantes colegas docentes, de acordo com as disciplinas que ministravam e que afixava nas instalações e entregava à trabalhadora.

    16 - A trabalhadora aprecia os desempenhos escolares dos alunos e nota-os.

    17- Como directora de turma a trabalhadora regista as faltas, elabora a reposição de aulas...

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