Acórdão nº 538/19.6JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução30 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO P.

, arguido nos autos, veio interpor recurso do despacho judicial, de fls. 303/306, que por inadmissibilidade legal da instrução, rejeitou o requerimento para abertura da instrução por si apresentado.

* A sua discordância encontra‑se expressa na motivação de recurso de onde retirou as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do Douto despacho que ao abrigo do disposto no artigo 286.º do CPP, nega ao arguido a abertura da instrução por inadmissibilidade legal.

  1. O requerimento de abertura de instrução deve ser admitido mesmo quando a final o arguido não requer a sua não pronúncia, estando no direito de expurgar factos que não são suportados por quaisquer indícios nos autos e bem assim discutir a qualificação jurídica tal qual vem vertida na Acusação Pública.

  2. De resto, essa qualificação dada pode também ter em abstracto consequências práticas, nomeadamente quanto ao tribunal materialmente competente e a eventual possibilidade de aplicação de institutos como a suspensão provisória do processo.

  3. Na realidade cada um dos crimes de que vem acusado deve ser visto como uma causa em si.

  4. Com o despacho em apreço foram violados os artigos 286.º, n.º 1, 287.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4 do CPP, assim como o artigo 32.º, n.º 1 e 5 da CRP, sendo inconstitucional, por violação deste último princípio de garantias de defesa, a interpretação dada ao artigo 286.º do CPP no sentido de que não é admissível a abertura de instrução para discussão da qualificação jurídica dada aos factos de que este vem acusado, se esta não procurar evitar a submissão do arguido a julgamento.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e substituído o despacho recorrido por outro que declare aberta a instrução, por legalmente admissível no caso em apreço.

    * A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido pronunciou-se pela improcedência do recurso, tendo rematado a sua resposta com as seguintes conclusões: 1. No encerramento do inquérito o arguido P. foi acusado pela prática, em concurso efetivo, de um crime de abuso sexual de crianças, p. p. pelo artigo 171°, n.º 3 b), um crime de abuso sexual de crianças, p. p. pelo artigo 171°, n° 3 a), um crime de pornografia de menores, p. p. pelos artigos 176°, n.º 1 b) e 177°, n.º 7 e um crime de pornografia de menores, p. p. pelos artigos 176°, n.º 1 c) e n.º 5 e 177°, n.º 7, todos do Código Penal.

  5. Não se conformando com a acusação, requereu a abertura de instrução, pugnando pela sua não pronúncia por alguns dos factos imputados e pela alteração da qualificação jurídica de outros, que importaria a diminuição do limite máximo da(s) pena(s) de prisão aplicável(eis); 3. concluindo pela não pronúncia pelos crimes de pornografia de menores agravados e pela pronúncia por um crime de abuso sexual de crianças p. p. pelo artigo 171°, n.º 3 a), um crime de pornografia de menores p. p. pelo artigo 176°, n.º 5 e um crime de aliciamento de menores para fins sexuais, p. p. pelo artigo 176º-A, n.º 1, todos do CP, pelo que não tendo antecedentes criminais, poderia ser equacionada a realização de julgamento por tribunal singular (cf. art. 16°, n.º 3 do CPP).

  6. Tal requerimento foi rejeitado pelo Exmo. Senhor Juiz, por inadmissibilidade legal, por não cumprir as finalidades da instrução - comprovação judicial da decisão de deduzir acusação em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (cf. art. 286°, n.º 1 CPP) -, entendimento com que concordamos.

  7. O RAI apresentado não visa evitar (nem pode) que o processo prossiga, tendo o julgamento de se realizar quantos aos factos com os quais o arguido se conformou e ainda que, em relação a alguns, por crimes diversos; ainda que viesse a ser proferido despacho em conformidade com o pretendido, sempre o processo prosseguiria para julgamento, pelo que o RAI é inócuo quanto à finalidade da instrução.

  8. Sendo indiferente que estejamos perante crimes diversos, com molduras penais diferentes, pois o objeto do processo é definido e limitado pela acusação, que engloba todos esses factos e crimes, pelo que também a causa é única e a sua submissão a julgamento será inevitável.

  9. Mais se refira que os crimes imputados e aqueles a que alude o arguido revestem natureza pública e em relação a todos eles era possível a suspensão provisória do processo, nos termos do preceituado nos artigos 178°, n.º 4 do CP e 281°, n.º 8 do CPP; 8. já as medidas de coação não foram alteradas após a acusação, em que é imputado crime mais grave do que aquando do interrogatório em que ao arguido foi aplicado o estatuto coativo, e a possibilidade de julgamento por tribunal singular não constitui fundamento para a admissibilidade do requerimento de abertura de instrução.

  10. Assim, não podendo a instrução requerida cumprir a sua finalidade legal e carecendo a mesma de utilidade, impõe-se a sua rejeição por inadmissibilidade legal, que se funda na violação das finalidades da instrução e em razões de economia processual, que proíbe a prática de atos inúteis.

  11. A ausência de instrução não limita os direitos de defesa do arguido, que os pode exercer em pleno na audiência de julgamento, fase fulcral do processo penal, em que mantém todas as garantias e direitos que lhe estão assegurados.

  12. Não se vislumbrando que a rejeição da instrução e a prossecução para julgamento implique a violação dos princípios do contraditório e do acusatório.

  13. O recurso à instrução está limitado pelas suas finalidades legais e respetivas consequências, tendo os direitos de defesa de se compatibilizar-se com outros direitos e interesses que enfermam o processo penal.

  14. Pelo que a decisão recorrida está devidamente fundamentada, não é nula, nem padece de inconstitucionalidade, e assim sendo deverá ser mantida na íntegra.

    * Nesta instância o Exmº Procurador da República emitiu parecer no mesmo sentido, acompanhando a resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido.

    Cumprido o n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido respondeu reiterando os fundamentos do recurso.

    Os autos tiveram os vistos legais.

    *** II - FUNDAMENTAÇÃO Consta do despacho recorrido (por transcrição): “Da inadmissibilidade legal do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo arguido: Findo o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, contra o arguido P.

    , melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática, como autor material e em concurso efectivo, de: - 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal, - 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos art.ºs 171.º, n.º 3, al. a), e 170.º, do Código Penal, - 1 (um) crime de pornografia de menores, previsto e punido pelos art.ºs 176.º, n.º 1, al. b), e 177.º, n.º 7, do Código Penal, e, - 1 (um) crime de pornografia de menores, previsto e punido pelos art.ºs 176.º, n.ºs 1, al. c), e 5, e 177.º, n.º 7, do Código Penal, nos termos dos factos narrados...

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