Acórdão nº 446/21 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 446/2021

Processo n.º 116/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No processo de inquérito com o número 439/17.2IDPRT, em que eram arguidas A. e B., Lda. (sendo esta sociedade a ora recorrente), o Ministério Público, antes de proferir o despacho final do inquérito, solicitou a indicação de advogado à Ordem dos Advogados, para exercer o patrocínio oficioso da arguida sociedade. A Ordem dos Advogados indicou, para o referido efeito, o senhor Dr. C..

1.1. Não obstante aquela nomeação, o Ministério Público proferiu acusação, datada de 22/12/2017, na qual nomeou como defensor oficioso da sociedade arguida o senhor Dr. D., que integrava a sociedade “E., Sociedade de Advogados, RL”, constituída como mandatária da coarguida A..

1.1.1. O processo prosseguiu os seus termos até à fase de julgamento, realizando-se a respetiva audiência, e culminou na prolação de sentença, pelo tribunal de primeira instância, contendo a condenação de ambas as arguidas pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal.

1.1.2. Após a prolação da sentença, o senhor Dr. D. renunciou à representação da arguida sociedade, após o que foi proferido despacho que nomeou para o seu patrocínio oficioso o senhor Dr. C., que havia sido indicado pela Ordem dos Advogados na fase de inquérito (cfr. item 1., supra).

1.1.3. O novo defensor da arguida sociedade apresentou, então, um requerimento no qual suscitou a anulação de todo o processado posterior à acusação ou, subsidiariamente, a anulação do julgamento e dos despachos de sentido contrário à nomeação do Dr. C. como defensor daquela arguida.

1.1.4. Tal pretensão foi indeferida por despacho de 29/10/2019.

1.1.5. Deste despacho recorreu a arguida sociedade para o Tribunal da Relação do Porto. No recurso, invocou, designadamente, que a nomeação e assistência de defensor diverso do que foi indicado pela Ordem dos Advogados acarreta a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP) – “ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência” – e, a esse propósito, suscitou a inconstitucionalidade da “[…] norma do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, interpretada no sentido de que quer o Ministério Público, quer o M.mo Juiz podem livre e discricionariamente não observar a nomeação do defensor feita ao arguido pela Ordem dos Advogados nomeando ‘motu proprio’ outro defensor”.

1.1.6. Por acórdão de 13/01/2021, o recurso foi julgado improcedente, considerando, designadamente, que “[se admite] que a [indicação/nomeação pela Ordem dos Advogados] tenha sido indevidamente preterida, face ao disposto no n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, em que se prevê que a nomeação de patrono ou de defensor seja efetuada por aquela Ordem profissional”, no entanto, “[…] a ter havido violação do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, esta configuraria uma mera irregularidade, que, não tendo sido arguida pelos interessados no prazo previsto no n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal e não afetando o valor dos atos praticados, haverá que ter-se como sanada”.

1.2. Desta decisão recorreu a identificada arguida para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos – tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade da “norma que resulta da conjugação do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, com o artigo 119.º, alínea c), do CPP, interpretada no sentido de que não há nulidade insanável na ausência no julgamento do arguido do seu defensor nomeado pela Ordem dos Advogados por o tribunal o não ter convocado, em virtude do juiz, omitindo o nomeado, indicar outro”.

1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação do Porto, com efeito suspensivo.

1.2.2. Já no Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho determinando a notificação das partes para alegarem, “[…]devendo ter-se como objeto do recurso – aqui se procedendo a um ajustamento meramente formal do enunciado da recorrente – a norma que resulta da conjugação dos artigos 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, e 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido segundo o qual não constitui nulidade insanável do processo a representação do arguido, na fase de julgamento, incluindo a respetiva audiência, por defensor nomeado pelo Ministério Público e mantido pelo juiz no despacho de recebimento da acusação, quando esse defensor é diferente daquele que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados na fase de inquérito”.

1.2.3. A recorrente ofereceu as suas alegações, que têm o seguinte teor:

“[…]

Vem o recurso interposto do douto acórdão de 13/01/2021 com a referência 14258219, do Tribunal da Relação do Porto, por inconstitucionalidade da norma que resulta da conjugação dos artigos 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, e 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretados nos sentido segundo o qual não constitui nulidade insanável do processo a representação do arguido, na fase de julgamento, incluindo a respetiva audiência, por defensor nomeado pelo Ministério Público e mantido pelo juiz no despacho de recebimento da acusação, quando esse defensor é diferente daquele que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados na fase de inquérito.

I.

A arguida, ora recorrente, não constituiu mandatário nos autos e a Ordem dos Advogados nomeou ainda na fase de inquérito defensor à arguida.

Porém o Ministério Público nomeou à arguida defensor diferente do nomeado pela Ordem dos Advogados e o M.mo Juiz manteve, aquando da prolação do despacho de recebimento da acusação, o defensor que o Ministério Público havia nomeado.

Com efeito no douto despacho que recebe a acusação o M.mo Juiz consigna que mantém a nomeação do defensor feita pelo Ministério Público.

E o Ministério Público nomeou para defensor da arguida, defensor diferente do que a Ordem dos Advogados tinha nomeado.

Em consequência, o defensor nomeado pela Ordem dos Advogados não foi notificado da acusação nem para os termos posteriores do processo da fase do julgamento, inclusive não foi notificado para a audiência de julgamento que assim decorreu sem a presença do defensor nomeado pela Ordem dos Advogados.

Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, a nomeação do defensor é efetuada pela Ordem dos Advogados.

E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 2.º, sempre que, nos termos da lei, se mostre necessária a nomeação de defensor, a nomeação deve ser solicitada à Ordem dos Advogados.

Por sua vez, nos termos do artigo 119.º, al. c), do CPP, constitui nulidade insanável, que deve ser declarada em qualquer fase do procedimento, a ausência do defensor do arguido, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência como é a audiência de julgamento (cfr. al c) in fine do n.º 1 do artigo 64.º do CPP).

II.

Ora, a nomeação do defensor do arguido em conformidade com os normativos legais, integra as garantias de defesa.

Nestas garantias...

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