Acórdão nº 00344/11.6BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório O CENTRO HOSPITALAR (...), EPE, no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por A., tendente, designadamente, à “condenação dos RR. ao pagamento dos danos, a liquidar posteriormente, sendo que quanto aos danos não patrimoniais em valor não inferior a € 200.000,00 e quanto aos danos patrimoniais os que se mostrarem justificados e devidamente comprovados”, no seguimento de um acidente de moto sofrido em 18.08.2009, que lhe causou “fratura do prato tibial”, foi condenado a pagar à Autora 148.240,00€.

No seguimento de invocada negligencia hospitalar terá a Autora, aqui Recorrente, à data com 29 anos de idade, sofrido as seguintes limitações e despesas: “(…) apresenta um quadro clínico em sede de locomoção não lhe permitindo fazer movimentos de flexão da perna (…) , continuando … em recuperação através de fisioterapia; (…) Teve despesas medicas e medicamentosas, acrescidas de deslocações, internamentos; (…) Desde a data do acidente não pode ir mais trabalhar, (…) sofreu várias intervenções cirúrgicas e tratamentos que lhe provocou e provoca ansiedade, frustração e sofrimento; (…) A A. é uma mulher jovem de 30 anos, que teve de abandonar os seus projetos de vida, nomeadamente o desejo de ser mãe, o que lhe provoca tristeza, frustração e sofrimento; (…) não pode praticar desporto, nem conduzir a não ser veículos adaptados; (…) sente-se inútil por não poder trabalhar, mostrando-se penoso o regresso à vida ativa dada a falta de locomoção; (…) Perdeu o amor próprio e auto estima; (…) viu a sua vida intima e sexual alterada, repercutindo-se na sua relação com o companheiro, sentindo-se profundamente triste, envergonhada e angustiada; No Recurso para esta instância do Centro Hospitalar, apresentado em 15 de dezembro de 2020, constam as seguintes Conclusões: “A – O tribunal está obrigado ao cumprimento do estatuído nos artigo 3º, nºs 1 e 3 e artigo 4º do Código de Processo Civil respetivamente: B – a petição inicial deve cumprir com o previsto no artigo 552º do Código de Processo Civil C- A ação considera-se proposta com a apresentação da petição inicial, nos termos do artigo 259º do Código de Processo Civil.

D - Entendendo-se por causa de pedir o conjunto de factos concretos que integram a situação a apreciar, independentemente da qualificação jurídica que lhes venha a ser atribuída.

E – Conforme Artigo 259º do Código de Processo Civil: “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei” F - O presente processo teve origem na petição inicial apresentada pela Autora/recorrida ao qual o Réu/Recorrente, devidamente citado, deduziu contestação, G – O Réu/Recorrente apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, ao alegado pela Autora na petição inicial.

H - Os artigos 264º e 265º do Código de Processo Civil, determinam, respetivamente: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.” (artigo 264º do CPC) “1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

… 5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.” (artigo 265º do CPC) I – A Autora não veio ao longo do processo, pedir a alteração ou ampliação da causa de pedir, nem o fez até ao encerramento da audiência final em 1ª.

J – Nem houve acordo entre Autora e Ré quanto eventual alteração da causa de pedir nos presentes autos.

K – Nem houve qualquer confissão da Ré que pudesse levar a uma alteração ou ampliação da causa de pedir.

L - A causa de pedir da Autora, relativamente à atuação da Ré (por ação ou omissão) circunscreve-se aos seguintes factos da petição inicial: “ - No dia 18 de Agosto de 2009, a Autora deu entrada no Serviço de Urgência de Centro Hospitalar …, após um acidente de mota, (Artigo 1º) - Sendo-lhe diagnosticado fratura do prato tibial, (Artigo 2º) - A autora foi submetida a cirurgia, o tratamento realizado, com osteosintese com placa e parafusos, (Artigo 3º) - … foi dada a autora alta hospitalar pelo Dr. C., diretor adjunto de ortopedia, no dia 25-08-2009 ( Artigo 4º) - …, já na sua residência de férias sita na rua (…), a autora constatou que a perna intervencionada apresentava um grande abcesso com cor avermelhada o que lhe provocava dores muito fortes, e comichão, (Artigo 5º) - … dirigiu-se no dia 26-08-2009 novamente ao hospital (...) tendo entrado pelo serviço de urgência onde após consulta com o Dr. P. foi-lhe apenas ministrado Ben-u-ron, e a indicação para regressar a casa, (Artigo 6º) - Não lhe tendo sido tratado o abcesso que apresentava a olho nu, tal atitude de ligeireza a esbarrar nos limites a negligencia, a incúria e até a violação das lexis artis, levaram a autora numa atitude de desespero a não confiar nos serviços médicos no Hospital (...), (Artigo 7º) - … a autora acompanhada dos seus familiares decidiram ir imediatamente para França, para ser submetida aos tratamentos negligenciados em Portugal e efectivados de urgência em França, (Artigo 8º) M – A Ré/recorrente no artigo 22º da contestação, alegado: “A “causa de pedir” na presente ação, tal como a A. a configura, assenta num alegado, «ato negligente» e em «violação das “legis artis”» praticado pelo médico do R., Dr. P., no âmbito de um, alegado, episódio de urgência na data de 26/08/2009. (Artigo 22º) N- A causa de pedir são os factos de onde derivam as pretensões do autor, ou seja, os factos que servem de fundamento ao seu pedido ou, como refere ANSELMO DE CASTRO, a “causa de pedir reconduz-se ao acontecimento ou facto concreto em que se baseia o pedido” (in Direito Processual Civil, Volume I, pp. 207).

O - Este ónus de alegação, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, pressupõe a articulação dos factos necessários à demonstração dos seguintes pressupostos do instituto: a) um facto voluntário do agente; b) ilicitude (…violar ilicitamente…), c) nexo de causalidade; d) culpa do lesante (aquele que, com dolo ou mera culpa, violar…), e) dano (cfr. ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 8ª Edição, Coimbra, pág. 532 e ss.).

P - Deste modo, a estruturação da causa de pedir assente na responsabilidade delitual impõe a alegação da prática, pelo agente, do facto positivo (ação) ou negativo (omissão) controlável pela vontade humana que desencadeou um processo causal responsável pela produção de dano, sendo certo que isto não foi alegado pela autora, na sua petição inicial.

Q - Por outro lado, a culpa (na sua dupla vertente de dolo ou negligência, mas que a autora também não esclarece factualmente), que necessariamente tem de ser provada pelo lesado (art.º 487.º do CC) pressupõe, outrossim, um núcleo mínimo de factualidade que permita a imputação dos danos ao agente por via de um juízo de censura, designadamente, alegando que concreta falta de cuidados, cautelas e zelo foram diligentemente preteridos e que seriam de exigir à Ré em condições de normalidade, o que também não foi suficientemente alegado (art.º 5.º, n.º 1, do CPC e 342.º, n.º 1, do CC).

R - Por fim, tendo sido omitidos factos constitutivos essenciais do direito da autora (e não complementares, concretizadores ou instrumentais), não podia a Meritíssima Juiz “Ad quo” por despacho suprir oficiosamente a omissão de alegação de factos que se situem no núcleo dos factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.

S – Nem mesmo, no caso vertente, pelas razões aduzidas no número anterior, poderia o Tribunal convidar (que não convidou) a Autora ao suprimento das insuficiências (art.º 590.º, n.º 4, do CPC).

T - Não podendo a Senhora Juíza do Tribunal “Ad quo” ter oficiosamente (porque tal lhe esta vedado por lei) suprido a omissão de alegação de factos pela Autora e como supriu e refere na Sentença, em “Fundamentação de facto”.

U – Conforme artigo 5º nº 1, do Código de Processo Civil (“Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”) “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.

Mas ainda sem prescindir, V – O tribunal “a quo” não deu possibilidade ao Réu de se pronunciar e exercer o contraditório quanto à “modificações na redação da matéria de facto” e “aditados factos que resultaram da discussão da causa”.

X – Ora o princípio do contraditório, já enunciado no número 27 destas Alegações, tem como base a participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, para que esta seja adequada e justa a composição dos litígios.

Z – Cabendo ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar oportunidade às partes de previamente, sobre elas se pronunciarem, quando estão em causa factos suscetíveis de virem a integrar a base da decisão.

AA – Deste modo, como acontece no caso dos presentes autos, a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual , pois que tal omissão foi suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.

AB – Pelo que é nula a decisão proferida na sentença recorrida, porque não foi dada a...

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