Acórdão nº 02509/20.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalh
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * I - RELATÓRIO C., Ld.ª [devidamente identificada nos autos, onde a final do Requerimento inicial atinente à intimação judicial para a prática de acto legalmente devido, formulou pedido no sentido, em suma, (i) da intimação do Requerido Município (...) a cumprir o dever de decisão que sob si impende, fixando-se um prazo não inferior a 30 dias, (ii) da fixação do conteúdo do acto legalmente devido a praticar pelo Requerido, no sentido do deferimento do requerimento, e (iii) da fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do dever legal de emanar o acto legalmente devido], inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 02 de março de 2021, que julgou pela impossibilidade da lide, e extinta a instância nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “EM CONCLUSÃO: Da nulidade por decisão-surpresa sem contraditório: I – Ao decidir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide sem a observância do prévio contraditório, questão nova que não foi suscitada nos autos até à prolação da douta sentença, o Tribunal a quo incorreu numa decisão-surpresa e que não permitiu a ponderação da posição da Recorrente a esse respeito, tendo colocado a discussão jurídica num plano diferente daquele em que as partes o haviam feito.

II - O que acarretou a violação do direito ao contraditório previsto no art. 3º n.º 3 do CPC, consubstanciando a nulidade a que se refere o art. 615º n.º 1 al. d) do mesmo diploma.

Da inexistência de causa de inutilidade superveniente da lide: III – A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pressupõe a verificação, na pendência da ação, de um facto ou circunstância que objetivamente retire ao autor o interesse em agir, deixando este de obter da lide qualquer utilidade, por a sua eventual procedência não provocar qualquer modificação da situação concreta submetida à apreciação do tribunal.

IV – À luz do pedido I e, acessoriamente, III formulado na p.i, não existiu qualquer facto provado do qual resultasse a supressão do interesse em agir, quer porque o Recorrido não proferiu a decisão final visada naqueles pedidos, quer porque não resultou provado qualquer facto impeditivo do cumprimento desse dever, mormente a prática tempestiva e efetiva de ato procedimental legalmente legítimo por aquele e que devesse anteceder a fase da decisão final.

V – Embora se conceda, segundo a doutrina invocada pelo Tribunal, que a decisão visada pelo art. 112º do RJUE não tem de constituir forçosamente a decisão final do procedimento, o mesmo não aplica corretamente o sentido e alcance desse entendimento.

VI – Pois essa valoração tem de ser efetuada à luz dos pedidos formulados na ação, sendo que as referências doutrinárias invocadas na douta sentença apenas significam que aquele que lança mão do meio processual previsto no art. 112º do RJUE pode visar um ato procedimental interlocutório ou instrumental em falta, por inércia da administração.

VII – E não que àquele que peticiona o ato final do procedimento seja contraposto um ato interlocutório, instrumental ou intermédio extemporâneo, que não satisfaz o interesse visado pelo pedido e pelo meio processual em causa que é, fundamentalmente, a decisão final.

VIII - Com efeito, não é bastante um mero despacho interlocutório ou de mero expediente para dar por realizado o interesse de ver sanada a omissão do dever de decisão findos os prazos legais. Pois, a ser assim, os interessados teriam de lançar mão do presente procedimento para cada ato do iter procedimental em causa, caso a entidade requerida incorresse numa inércia reiterada e sistemática em casa um desses passos.

IX – também não se verifica a específica hipótese de inutilidade superveniente da lide prevista no n.º 5 do art. 112º do RJUE, já que nem se provou a prática do ato devido dentro do prazo da contestação, nem a prática efetiva do ato procedimental de pedido de consulta às entidades externas ao Município que, na ótica deste, seria o passo procedimental subsequente.

Dos pressupostos do direito peticionado em I e III: X – A definição e cômputo dos prazos procedimentais é matéria de direito que deve ser aferida em função dos elementos constantes do processo administrativo apenso aos autos.

XI - Mesmo que se entenda existir uma componente residual de facto nessa definição dos prazos [v.g. saber em que momento as consultas foram efetivamente expedidas para as entidades externas e em que momento foram rececionadas por estas], dúvidas não existem que, mesmo com essa indefinição factual, as consultas teriam de ser promovidas – no limite – dentro do prazo legal para a prolação da decisão final do procedimento caso não tivesse existido a iniciativa dessas consultas.

XII – O direito peticionado dependia da apreciação de questão prévia que condiciona, direta e necessariamente, a apreciação dos pedidos I e III formulados, posto que a necessidade ou desnecessidade da nova consulta às entidades externas ao Município condiciona o cômputo do prazo e o seu decurso, enquanto condição de procedência daqueles pedidos.

XIII – A reapreciação de pedidos de licenciamento, nos termos do art. 72º do RJUE, não importa a renovação da consulta às entidades externas ao Município sempre que não existiram quaisquer alterações de facto ou de direito, designadamente a alteração de instrumentos de gestão territorial ou outras normas legais ou regulamentares, conforme a Recorrente alegou no art. 36º, 37º e 41º da p.i. não impugnados pelo Recorrido, direta ou indiretamente, na sua contestação.

XIV – O que resulta dos princípios da boa administração (que ingera os princípios da eficiência, da economicidade e da celeridade) consagrado no art. 5º do CPA e do próprio princípio da proporcionalidade consagrado no art. 7º do mesmo diploma.

XV – Assim, a Recorrente alegou e provou, como era de seu ónus, o preenchimento dos requisitos legais de que depende o efeito jurídico que pretende obter por via dos pedidos I e III formulados na petição inicial.

XVI – Além de que a Recorrente goza da presunção de regular e completa instrução da pretensão – não infirmada pelo Recorrido – constante do art. 11º n.º 5 do RJUE, já que não foi assinalado qualquer documento ou elemento em falta ou desconforme através de despacho de apreciação liminar, nos termos do art. 11º n.º 2 do RJUE.

XVII – Subsidiariamente, mesmo que se entenda estar a apreciação dos pedidos vinculada ao entendimento do Recorrido quanto à iniciativa da consulta às entidades externas – o que não se concede – já caberia a este o ónus de alegação e prova dos factos impeditivos do direito peticionado pela Recorrente, in casu, que tinha efetivamente expedido o pedido de pronúncia às entidades externas pelo menos dentro do prazo de que dispunha para a decisão final não fosse essa opção.

XVIII – Era, em síntese, ao Recorrido quem competia o ónus de alegar e provar (i) que estava legalmente impedido de praticar o ato final, (ii) que praticou todos os atos interlocutórios nos prazos devidos ou (iii) que existiu uma omissão imputável à Recorrente que o impedir de praticar algum desses atos.

XIX – Ónus esse que não logrou realizar, não resultando – de todo em todo – do P.A. apenso, não podendo recair sobre a Recorrente o ónus de alegação e prova de um facto positivo ou negativo (a efetiva e tempestiva promoção das consultas) que jamais foi levado ao seu conhecimento, conforme pretende a douta sentença recorrida.

XX – Pelo que, segundo o que resulta dos factos provados e do P.A. é manifesto que o Recorrido Município excedeu todos os prazos a que estava vinculado, quer num cenário de iniciativa de consulta a entidades externas, quer num cenário de inexistência dessa iniciativa, estando demonstrados os factos constitutivos do direito peticionado pela Recorrente nos seus pedidos I e III da p.i.

*TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e condenando-se o Recorrido nos termos do pedido I e III formulado na petição inicial.

Com o que se fará JUSTIÇA.”** O Requerido Município (...) não apresentou Contra alegações.

* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos, e modo de subida, tendo ainda sustentado a não ocorrência da invocada nulidade imputada à Sentença recorrida.

** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

*** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos], cumpre apreciar e decidir.

*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece da nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por preterição do dever de garantir a audiência...

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