Acórdão nº 1591/20.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalh
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * I - RELATÓRIO J.

, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08 de abril de 2021, pela qual, em suma, tendo sido julgado verificado o direito do ora Recorrente a consultar ou a que lhe sejam emitidas certidões dos onze processos administrativos por si identificados [atinentes a pedidos de concessão de apoio judiciário e onde os Patronos nomeados deduziram pedido de escusa de patrocínio], mais decidiu que deve a Recorrida Ordem dos Advogados expurgar desse direito de consulta e reprodução, os elementos por si identificados em 3 desses processos relativos à reserva da intimidade da vida privada, onde se inserem os dados nominativos por motivos de saúde dos Senhores Advogados e/ou de seus familiares, bem como, os registos ou as transcrições de mensagens de texto emitidas a partir do dispositivo telefónico dos Senhores Advogados que contenham informações privadas, designadamente, sobre consultas médicas dos próprios ou/e de seus familiares [data ou/e hora da consulta médica].

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “B – Conclusões: 1.

O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, através do qual se decidiu que o ora Recorrente tem direito a “Em cumprimento do douto acórdão do TCAN proferido antecedentemente nestes autos, de 08/01/2021, que procedeu à revogação da decisão anteriormente proferida, e depois de analisados todos os dossiers físicos relativos aos procedimentos administrativos de nomeação de patrono [processos n.ºs 34859/2020; 85143/2019; 70332/2020; 105355/2017; 70340/2020; 70351/2020; 70342/2020; 70347/2020; 207026/2019; 110710/2019/também numerado como 141770/2018; 82593/2020/também numerado como 206449/2019] e o seu conteúdo documental, determino, nos termos dos artigos 107.º, n.º 2, e 108.º, n.º 1, do CPTA, que a Ordem dos Advogados faculte ao Requerente a consulta dos procedimentos administrativos em causa ou/e a emissão de certidão dos mesmos, conforme as fls. a indicar pelo ora Impetrante.” 2.

Para o efeito o tribunal a quo, considerou que deveria ser expurgada da consulta: Assim sendo, por conterem elementos informativos atinentes à reserva da intimidade da vida privada dos Srs. Advogados e/ou de seus familiares, o Tribunal enuncia os documentos cuja consulta ou certidão não podem ser facultados ao ora Impetrante: 1 – Processo n.º 34859/2020 – fls. 15 e 16 (certificados de incapacidade temporária para o trabalho); 2 – Processo n.º 105355/2017– fls. 21 a 23, 49, 51 (dados sobre viagens aéreas privadas do respectivo Advogado) e 76 (lista e chamadas telefónicas); 3 – Processo n.º 141770/2018/também numerado como 110710/2019 – fls. 211 (factura de pagamento de taxa moderadora em centro hospitalar), 232, 233 e 262 (transcrições de mensagens em texto emitidas a partir do telemóvel do Advogado) 3. Ora, salvo o devido respeito não pode, o ora recorrente, conformar-se com tal decisão, uma vez que, salvo melhor entendimento, o pedido formulado pelo Recorrente subsume-se ao direito de acesso à informação procedimental, na medida em que a documentação em causa integra um procedimento em que o mesmo é diretamente interessado.

  1. Pode ler-se na fundamentação de direito que o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 01-02-2017, no âmbito do processo 0991/16 decidiu “Titulares do direito à informação procedimental são os cidadãos directamente interessados num procedimento administrativo, e titulares do direito À informação não procedimental são todos os cidadãos, enquanto membros da comunidade, e interessados na res publicados, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo”.

  2. Dissecada a factualidade dada como provada nos autos, o acórdão já proferido, não restam dúvidas que o Recorrente assume um interesse direto nos procedimentos administrativos cuja consulta requereu, afigurando-se manifestamente ilegal a restrição de acesso à integralidade do processo.

  3. O recorrente, beneficiário de apoio judiciário, é interessado na informação trocada entre a Ordem dos Advogados e o Advogado, nomeadamente quanto aos motivos que determinam o pedido de escusa que poderão, em abstrato, impedir que a Ordem proceda à nomeação de novo Advogado. Pelo que de modo algum se pode considerar que o aqui, recorrente, é terceiro sem interesse direto nesta relação.

  4. Já quanto ao invocado sigilo profissional, é sabido que este visa a proteção do cliente e da relação que se estabelece entre este e o seu advogado. Ora, no que toca aos pedidos de escusa é evidente que não em causa a relação de confiança entre Beneficiário de apoio judiciário e o patrono que pediu escusa, pelo que o Recorrente tem direito a aceder a estes documentos.

  5. Devia o tribunal a quo ter observado a jurisprudência dos tribunais superiores e por aplicação do disposto nos art.ºs 268 da CRP, 83 e 85 do CPTA, deferir a consulta integral do processo, sem as limitações impostas e a emissão de cópias e/ou certidões.

  6. Ao Decidir o Tribunal que, os certificados de incapacidade para o trabalho não deveriam ser fornecidos, bem como dados sobre viagens lista de chamadas pagamento de taxas e mensagens transcritas do telefone, está a retirar os documentos juntos, que são meios de prova de um pedido de escusa e que podem ser relevantes para a não nomeação de novo patrono.

  7. Ora o Advogado ao juntar esse meio de prova, permite o acesso a terceiros sobre esses documentos, e se o mesmo é utilizado para justificar uma escusa, tem o A. direito a saber e verificar a razão de ser da escusa.

  8. Aliás, o direito fundamental à «reserva da intimidade da vida privada», e por aplicação direta do artigo 26º, nº1, da CRP, sempre teria de ser conjugado, de acordo com o princípio da proporcionalidade, com o referido direito fundamental à informação [ver artigo 18º da CRP].” 12. Ora quaisquer dados pessoais concretos que devam ser protegidos nos termos da lei, conforme o previsto no artigo 83º nº 2 do CPA novo, deve ser franqueado o pretendido acesso ao processo respeitante aos pedidos de escusa, com emissão e entrega ao requerente, aqui recorrente, das respetivas certidões, pelo que deve proceder a pretensão recursiva dirigida a este Tribunal.

  9. Face ao exposto, de facto e direito, entendemos que não existe qualquer obstáculo de ordem legal para a recusa à consulta integral do processo pelo recorrente.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim Justiça!”** A Recorrida Ordem dos Advogados não apresentou Contra alegações.

** O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.

** O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

*** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos], cumpre apreciar e decidir.

*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que nas situações em que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões das suas Alegações resume-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em torno da interpretação dos factos e aplicação do direito, mormente, no que toca à solução jurídica aportada ao pedido formulado pelo Requerente ora Recorrente, na medida em que este entende que não existe nenhum obstáculo de ordem legal para a recusa da consulta integral dos processos, e que deveria o Tribunal a quo ter deferido essa consulta e a emissão de cópias e/ou certidões, sem as limitações impostas à Recorrida Ordem dos Advogados.

** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO Pese embora o Tribunal a quo não tenha fixado na Sentença qual a factualidade que teve como provada, para efeitos da apreciação do presente recurso jurisdicional, e em face do que resulta do seu processado, é possível com toda a segurança jurídica fixar a que segue: A - A Sentença proferida pelo Tribunal a quo foi prolatada nos termos e para efeitos de cumprimento do Acórdão deste TCA Norte, datado de 08 de janeiro de 2021, já proferido nestes autos – Cfr. fls. dos autos; B - Naquele Acórdão, foi por nós fixada a factualidade que segue: 1 - O Requerente dirigiu ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados vários pedidos de consulta de processo administrativo, e possível passagem de certidão dos referidos processos [cfr. doc.s n.ºs 1 e 5 juntos com o Requerimento inicial que motiva os autos], a saber: - Em 02 de Julho de 2020 a consulta do processo com o NP110710/2019; - Em 01 de Julho de 2020 a consulta do processo com o NP82593/2020; - Em 23 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP34859/2020; - Em 23 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP85143/2019 - Em 18 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70332/2020; - Em 18 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP105355/2017 - Em 16 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70340/2020; - Em 16 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70351/2020; - Em 15 de Junho de 2020 a consulta do processo com o...

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