Acórdão nº 471/18.9T8SSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelSEQUINHO DOS SANTOS
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 471/18.9T8SSB.E1 * (…) requereu a interdição de seu pai, (…), por anomalia psíquica, fixando-se a data do início da incapacidade que viesse a ser apurada nos autos. Foi produzida prova testemunhal e pericial. Em 10.04.2019, já após a entrada em vigor do Regime Jurídico do Maior Acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14.08, foi proferida sentença mediante a qual o tribunal: - Concluiu pela necessidade de acompanhamento do requerido; - Designou a requerente como acompanhante do requerido; - Cometeu à acompanhante a representação geral do requerido, com dispensa de constituição do conselho de família, a administração total de bens, a autorização para gerir a conta bancária do requerido, a autorização para, junto dos postos dos CTT ou IGCP, obter informações sobre os débitos com certificados de aforro que caem na referida conta bancária, e a autorização para pesquisar, junto da Conservatória dos Registos Centrais, quais os testamentos outorgados pelo requerido, em que data e a favor de quem; - Determinou a limitação ao direito pessoal do requerido de casar, perfilhar e testar.

A sentença não foi objecto de recurso ordinário, tendo transitado em julgado.

Posteriormente à data do trânsito em julgado, (…) interpôs recurso de revisão da sentença.

O tribunal proferiu despacho de não admissão do recurso de revisão, com fundamentação que assim se resume: 1) A recorrente não foi parte na acção, pelo que carece de legitimidade para a interposição de recurso de revisão; 2) Não se verificam os pressupostos legais para a interposição de recurso de revisão, previstos no artigo 696.º do CPC.

(…) interpôs recurso de apelação do despacho de rejeição do recurso de revisão, tendo formulado as seguintes conclusões: 1ª. Injustificavelmente e sem a devida análise que uma situação desta natureza requeria, logo no despacho de indeferimento do presente recurso revidendo, tal como sucedera no primeiro, passando por cima da causa de pedir e do pedido, a Mma Juiz ignorou pura e simplesmente toda a factualidade, documentação e prova testemunhal oferecidas no R.I., sem lhes ter prestado a devida atenção nem lhes ter feito a menor referência.

  1. Subtraindo, assim, tão melindroso desiderato à superior sindicância dos nossos Tribunais superiores, e deixando de conhecer, para os valorar, todos os fundamentos em que a Recorrente ancorara a sua pretensão, voltou a Mma Juiz a incorrer na prática da nulidade prevista no artigo 615.º-1, d), com referência à prescrição dos artigos 607.º-3, 4, 5, e 608.º-2, todos do CPC, coartando à suplicante, mais uma vez e à nascença, a legítima espectativa de ver a sua pretensão apreciada e julgada com a celeridade que o caso impõe.

  2. Discorda-se, pois, do entendimento adotado no despacho sub judice não só porque a Recorrente se socorrera do meio processual adequado, mas também porque os argumentos que o suportam não se aplicam ao caso sub judicium, porque balizados na assacada ilegitimidade da Recorrente e numa pretensa inexistência de fundamento legal, à revelia dos artigos 1.º-2 e 2.º, b), in fine, da Lei 7/2001, versão da 71/2018, e dos artigos 141.º-1 e 143.º-2, b), do CC, todos a apontarem a Recorrente, em 1ª linha, in casu, como única titular do reconhecimento judicial do direito/dever de continuar a cuidar do seu companheiro, ainda que sujeita aos deveres que lhe fossem impostos como sua acompanhante.

  3. Mas isso, apenas, se o (…) sofresse de qualquer doença grave que não lhe permitisse sobreviver com dignidade e sem a ajuda de terceiros e não sofria, ao contrário do que a (…) terá alegado no processo e a que a Sra. Juiz deu aceitação incondicional, sem reservas e, sobretudo, sem antes ouvir a Recorrente, quanto mais não fosse, para poder contrariar a falsa e malsinada acusação que aquela lhe fez.

  4. É indiscutível a legitimidade da Recorrente para intervir no processo não só pelo que se refere no 4º item, mas também porque, se tal fosse o caso, não teria este Venerando Tribunal, secundado pela Exma PGA, deixado de pronunciar-se in concreto sobre tal pretensa anomalia, quanto mais não fosse, por estar na linha da frente das questões suscetíveis de conduzirem à absolvição da instância de que o Tribunal logo teria de aperceber-se ex officio e ex vi do disposto nos artigos 278.º-1, d) e 608.º-1, do CPC.

  5. Aferindo-se a legitimidade processual pela relação das partes com o objeto da ação, e sendo tal enquadramento idêntico ao do processo de maior acompanhado, então, ao invés do que se defende no apelado despacho, a ação de cuja sentença se interpôs o indeferido recurso revidendo, configura um verdadeiro processo de partes, equiparável, é certo, aos de jurisdição voluntária – mas só quanto aos poderes do Tribunal, ao critério de julgamento e à alteração das decisões, e só se lhe aplicando as devidas adaptações com fundamento em circunstâncias supervenientes, sendo, pois, inconstitucional o artigo 891.º-1, do CPC, na interpretação que vem de lhes ser acometida no 2º §, página 4, do despacho de que se apela, por violação concomitante dos princípios consignados nos artigos 18.º e 20.º da CRP.

  6. É pois a recorrente parte legítima para intervir naquela ação dada a qualidade jurídica de que se arroga como acompanhante do requerido e, até, como “terceira”, na aceção do artigo 631.º-2, 3 do CPC, e se não é tida como parte só à dolosa ocultação da requerida se deve, da qual não se terá o Tribunal a quo apercebido, de contrário, dela conheceria ex officio, mostrando-se, pois, o despacho em mérito incurso nas nulidades previstas nos artigos 3.º-1, 2 e 3, 5.º-2, a), c), 6.º-2, 615.º-1, d), 607.º-3, 4, 5, e 608.º-2, do CPC, razão porque se mostra descabido o considerando de que “nunca a recorrente poderia ser prejudicada pela procedência da ação, uma vez não ser visada pela mesma”.

  7. Argumento aquele que, aliás, não poderia surtir qualquer efeito, uma vez que ali se reconhece e se conclui, logo a seguir, que “a Recorrente viveu com o Requerido em condições análogas às dos cônjuges, pelo menos, até setembro de 2018”, contradizendo-se, pois, a Mma Juiz, no tocante à decisão e aos fundamentos que a suportam, e incorrendo, assim, na nulidade prevista no artigo 615.º-1, c), do CPC.

  8. Revestindo-se, ainda, de particular importância o facto de os considerandos pretensamente destinados a suportar a alegada ilegitimidade da suplicante para intervir como parte no processo revidendo não terem levado na devida conta que, vivendo ela cerca de 20 anos com o seu companheiro (…), teria de ser, como foi e continua a ser, inexoravelmente, afetada – do ponto de vista ético, moral, psicológico e familiar – pelas “medidas” decretadas contra ele e, por inevitável carambola, contra si.

  9. Sobretudo quando se acometeram à Requerida poderes de representação geral da pessoa de seu pai, ignorando-se ali, todavia, qual o tipo de relacionamento entre ambos, melhor dito, que os separava, preterindo-se o óbvio à informação oportunamente prestada pela Recorrente ao Tribunal nos itens II-4, 5, 6 do indeferido recurso de revisão que antecede, nessa parte, aliás, idêntico em tudo ao abrangido pela decretada anulação do processado.

  10. Carece, pois, de razão a Mma Juiz ao fundamentar-se na conclusão supra-assinalada a negrito no 8º item, não só porque literal e acriticamente transcrita da “contra-alegação” do MP, mas também ao servir-se da mesma para acrescentar que “a requerente não tem interesse direto em contradizer, visto que o interesse em contradizer se exprimirá pelo prejuízo que advenha para o demandado como consequência da procedência da ação”, quando é ela a vítima central do ardil engendrado e (mal) simulado pela Recorrida.

  11. É o que exsurge do seu comportamento, tanto para levar seu pai da casa onde vivia com a Recorrente – aproveitando-se de uma tosse normalíssima que o acometera, para o conduzir ao Hospital, prometendo-lhe que voltaria com ele nesse mesmo dia – como para o tirar dali cerca de 30 horas após o seu fugaz internamento, para o que subscreveu falsa declaração afirmando, para lho confiarem, que o (…) vivia com ela em sua casa.

  12. E o facto de, na perícia médico-legal ter sido diagnosticada ao pai uma “anomalia psíquica grave”, a ser verdade – e não era, seguramente, pelo menos, reportada a 2016 – só à própria (…) poderia ter ficado a dever-se, porque só ela o poderia ter alegado na p.i ou noutra qualquer peça da referida ação, tendo tal facto sido dado como assente, quiçá por falta de contestação, e consequente ficta confessio, no caso, inadmissível.

  13. Cominação essa, se assim foi, presumidamente contra legem, em consequência da falta de citação e/ou de notificação à Recorrente e ao seu companheiro, conforme o caso, bem como da presumida inobservância das formalidades prescritas nos artigos 567.º e 568.º-b), c) e d), do CPC, tendo-se, pois, por presumidamente errada a tramitação dos autos nessa fase do processo, tal como se fez constar do antepenúltimo §, pág. 4, da decisão recorrida.

  14. É o que a Recorrente crê e mantém, por lhe estar vedado, incompreensivelmente, o acesso aos autos – o que, além da incongruência da fundamentação que tem vindo a suportar a sonegação de tal direito, também viola as determinações prescritas nos artigos 7.º, 8.º, 10.º e 12.º da DUDH – sendo, por isso, inconstitucionais os artigos 21.º-1 e 895.º-2, do CPC, na interpretação inculcada pela Sra. Juíza no penúltimo e último §, página 4 da decisão apelada, que, além de incumpridos ou, se cumpridos, não o foram pela forma correta, i.é, nos termos prescritos no 1º daqueles normativos e nos demais que a este se reportam.

  15. Atenta a tramitação dos artigos 16.º, 17.º, 19.º e 20.º-1, 2 e 4, do CPC, mais claro se torna o artigo 21.º-1, 2, 3, ao determinar que se o (…) tivesse sido citado e não contestasse e o mesmo sucedesse com o seu representante – o que se nos afigura impossível, porque sê-lo-ia, apenas, sendo caso disso, na decorrência do processo, e não, como se fez, tê-lo logo tomado como incapaz, dando inadmissível credibilidade à...

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