Acórdão nº 4797/19.6T8CBR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCARLOS BARREIRA
Data da Resolução15 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes, na 1.ª Seção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra *** I – RELATÓRIO No Processo n.º 4797/19.6T8CBR-D, Comarca de Coimbra - Juízo de Comércio- Coimbra-J3 -, em que são insolventes, A… e B… , devidamente identificados nos autos, foi proferida Decisão Sumária em 24 de abril de 2021, a qual manteve a decisão recorrida proferida em sede de 1.ª Instância.

Inconformados com a mesma, veem os insolventes reclamar para a conferência, pretendendo que sobre ela recaia acórdão – art.º 652.º, n.º 3, do C. P. Civil.

Não houve resposta à aludida reclamação.

Tudo visto, cumpre, em conferência, apreciar e decidir. *** II – FUNDAMENTAÇÃO O teor integral da referida Decisão Sumária, ora em reclamação, é o seguinte: “I – RELATÓRIO No Processo n.º 4797/19.6T8CBR-D, Comarca de Coimbra - Juízo de Comércio- Coimbra-J3, em que são insolventes, A… e B… , devidamente identificados nos autos, foi proferida, em 22.01.2021, a seguinte decisão: “Os insolventes, A… e B… , vieram arguir a nulidade da venda da respetiva casa de habitação, requerendo seja declarada tal nulidade e se ordene ao administrador da insolvência para suspender quaisquer diligências com a mesma, ou se considerem sem efeito os atos já encetados.

Alegaram para tanto, e no essencial, que o art. 6.º, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, com a redação introduzida pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, determina a suspensão de qualquer diligência de venda da casa de habitação do devedor, em qualquer processo judicial.

O Sr. Administrador da insolvência respondeu que, pelo que sabe, não está impedida a venda da casa de morada de família, podendo é haver acordo em que a família abandone a habitação e lhe seja indicada uma data limite.

O art. 195.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do estatuído no art. 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, contém a regra geral das nulidades do processo, para todos os casos não abrangidos nas nulidades especificamente previstas, designadamente nos arts. 186.º a 194.º da lei processual civil.

De acordo com o referido regime geral, a prática de um ato que a lei não admita, ou a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade ou quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Como vimos, os requerentes defendem que os atos praticados tendentes à venda da respetiva casa de morada de família, e que se traduziram no leilão eletrónico realizado no passado dia 17 de dezembro, serão nulos, por entenderem estarem suspensas, na vigência do regime excecional de resposta à pandemia da doença COVID-19, as diligências de venda da casa de morada de família do devedor, em qualquer tipo de processo. Consideram, assim, que a nulidade decorre da prática de um ato não admitido pela lei.

A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, prevê dois tipos de medidas quanto às diligências de venda e entrega de imóveis a realizar no âmbito do processo de insolvência.

O art. 6.º, n.º 6, al. b), determina a suspensão dos atos relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV-2 e da doença COVID -19, tornando desnecessário, naquele período, o recurso ao incidente de deferimento da desocupação, aplicável por força do art. 150.º, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Trata-se aqui de uma suspensão automática, que não carece sequer de decisão judicial: sendo o imóvel em causa a casa de morada de família (do insolvente ou mesmo seus familiares), o que constitui constatação fácil, o administrador da insolvência deve sobrestar as ditas diligências.

O diploma prevê ainda, no art. 6.º-A, n.º 7, a suspensão dos atos referentes a venda e entrega judicial de imóveis, caso estas diligências sejam suscetíveis de causar grave prejuízo ao insolvente, e a suspensão não cause prejuízo grave à subsistência dos credores ou um prejuízo irreparável para a massa. Suspensão esta que, ao contrário da prevista no n.º 6, al. a), já não é automática, pressupondo a alegação e prova dos respetivos requisitos, mormente do grave prejuízo decorrente da prossecução da venda para o insolvente, no âmbito do competente incidente.

Temos, assim, dois regimes distintos: o estabelecido no n.º 6, al. a), específico para a casa de morada de família, que é de funcionamento automático, e que obsta à entrega daquele imóvel, mas não impede a prossecução das diligências tendentes à sua venda; e o previsto no n.º 7, que abrange não apenas a casa de morada de família, mas outro tipo de imóveis, e que permite a suspensão, não apenas da entrega, mas da própria venda do imóvel, dependendo, no entanto, da alegação e prova dos respetivos requisitos.

Nesse sentido, decidiu o Ac. do TRP de 09.11.2020, proc. n.º 1391/18.2T8AMT-D.P1, cujo sumário se passa a transcrever: “I – A norma constante da alínea b) do n.º 6 do art. 6.º-A da Lei 1-A/2020 de 19/3 (na alteração introduzida pelo art. 2º da Lei 16/2020 de 29/5) está especialmente traçada para os casos de alienação em sede executiva ou de processo de insolvência do imóvel que constitui a casa de mora de família e a sua previsão constitui a única disposição daquela Lei (que se insere no âmbito de todo o conjunto de legislação atinente às medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19) explicitamente respeitante à proteção do desapossamento daquele tipo de imóvel no âmbito daqueles processos.

II – Não obstante aquela norma (integrada no regime processual transitório e excecional previsto no art. 6.º-A daquela Lei) impor a suspensão dos atos concretizadores da entrega judicial da casa de morada de família, nada dela decorre que impossibilite a realização dos atos transmissores da sua propriedade que sejam necessariamente anteriores a tal entrega: isto é, impõe a suspensão da entrega mas não já a venda ou adjudicação que necessariamente precedem essa mesma entrega.

III – A possibilidade de suspensão da venda de imóvel em sede de processo executivo ou de insolvência prevista no n.º 7 daquele mesmo art. 6.º-A, está dependente, como decorre da redação de tal preceito, da verificação cumulativa dos requisitos ali enunciados, sendo desde logo o primeiro que a venda em causa seja suscetível de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente.

IV – Tal situação só se verificará se o imóvel em causa servir como elemento ou meio de trabalho para auferir rendimentos dos quais depende a subsistência daquelas pessoas, como no caso de tal imóvel, por exemplo, servir como local de funcionamento de alguma atividade económica e/ou produtor de rendimentos que seja determinante do seu sustento.” Ora, os insolventes não requereram a suspensão dos atos referentes à venda do imóvel apreendido nos presentes autos, e que constitui a sua casa de morada de família, não tendo deduzido, previamente à realização do leilão, e até ao momento, o competente incidente.

Assim sendo, cumpre concluir que a sua realização não infringiu o disposto no art.º 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, e que nada obsta à prossecução das diligências de venda – devendo, contudo, sustar-se as diligências tendentes à entrega do imóvel após a sua concretização, até que cesse a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV-2 e da doença COVID -19.

Pelo exposto julgo improcedente a arguição de nulidade suscitada pelos insolventes.

Notifique.

* Alerte-se o Sr. Administrador da insolvência que as diligências tendentes à entrega da casa de morada de família dos insolventes se encontram suspensas até que cesse a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV-2 e da doença COVID -19, conforme art. 6.ºA, n.º 6, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação aprovada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.” E, em 18.02.2021, veio a ser proferida a seguinte decisão: “Ref.ª...

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