Acórdão nº 02652/18.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO O., Chefe da PSP, com a matrícula (...), a exercer funções na Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão Policial de (...), do Comando Metropolitano da PSP do Porto, sito na Rua (…) (...), instaurou ação contra o Ministério da Administração Interna, com sede na Praça (…), pedindo que seja anulado o ato impugnado com as demais consequências legais.

Alegou, em síntese, que lhe foi aplicada uma sanção disciplinar de dez dias de multa a que corresponde a importância de €452,00, pelo facto de a Entidade Demandada ter considerado que violou os deveres de zelo e de aprumo por ter efetuado uma consulta no Sistema Estratégico de Informação (SEI) da PSP (relativamente à peça de expediente com o NUIPC 41/17.9PDPRT - referente a uma detenção por posse de armas de fogo, inclusive uma “Glock” atribuída à mesma polícia), para a qual não detinha permissão.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e anulado o ato administrativo datado de 19/02/2018 praticado pelo Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Entidade Demandada formulou as seguintes conclusões: I.Por sentença de 26 de março de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou procedente a ação interposta por O., concluindo pela anulação do ato administrativo do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública de 19 de fevereiro de 2018, que negou provimento ao recurso hierárquico do despacho que aplicou ao Autor a pena disciplinar de dez dias de multa a que corresponde a importância de € 452,00 (quatrocentos e cinquenta e dois euros), na sequência de procedimento disciplinar.

II.Bem andou a sentença recorrida ao considerar improcedente a alegação do Autor de não ter sido tomada decisão acerca do pedido de suspensão da execução da sanção disciplinar, porquanto o órgão decisor se pronunciou sobre a matéria.

III.A Entidade Recorrida também acompanha a sentença ao ter indeferido o requerimento do Autor para que fosse junta listagem completa dos processos de inquérito e disciplinares de todos os agentes policiais que consultaram o Sistema Estratégico de Informação da PSP (SEI).

IV.Decidiu - e bem - o Tribunal que tal listagem não interfere com o juízo de ilicitude relativo à conduta do Autor.

V.Assim como se acompanha a decisão no que tange à invocada indiscriminação relativamente aos mesmos militares, uma vez que a alegação do Autor é genérica, não precisando tais situações, além de, ainda que se concluísse pela ilicitude da falta de procedimento disciplinar contra tais agentes, não conduziria à anulação do ato administrativo impugnado, "porquanto não pode admitir-se igualdade na ilegalidade." VI.Porém, a mesma sentença concluiu que o ato impugnado viola o princípio da legalidade, em virtude de o ato praticado não consubstanciar a violação de qualquer dever, juízo a que Entidade Demandada não pode dar acordo, porquanto, VII.Ao contrário do que é ali referido, existe uma norma interna que concretamente regulamenta os acessos ao Sistema Estratégico de Informação da PSP (SEI), o artigo 8.° da Ordem de Serviço do Comando Metropolitano do Porto n.º 236 de 05 de dezembro de 2013.

VIII.Norma que impede o acesso aos elementos policiais que não sejam intervenientes nos processos que constam do mesmo, relação que tem que ser estabelecida, independentemente de o Autor poder exercer funções de investigação.

IX.Situação em que não se encontrava, seguramente e como bem sabe, o Autor, que também não desconhecerá que a simples consulta do cliché de uma pessoa, dificilmente permite a quem a faz, recordar-se dos dados mais tarde, pelo que a consulta, assim efetuada, era irrelevante para a invocada proteção pessoal e dos seus subordinados.

X.A circunstância de uma testemunha ter opinado pela legitimidade do ato do Autor, não impõe que seja essa a tese a seguir pela entidade decisora do procedimento disciplinar, que goza do princípio da livre apreciação da prova.

XI.Há, pois, que concluir que o Autor praticou uma infração disciplinar, de forma livre e consciente, violando os deveres de zelo e aprumo - artigos 9.°, nºs 1 e 2, alínea e) e 16.°, n.ºs 1 e 2, alínea f) todos do RDPSP.

XII.A decisão punitiva cumpriu o princípio da proporcionalidade, porquanto no uso dos poderes disciplinares da Administração, por natureza discricionários, ponderou o interesse da Instituição, as necessidades de prevenção geral e especial, a qualidade profissional do Autor, as circunstâncias da infração, tendo sido devidamente aplicados os normativos constantes dos artigos 43.° e 45.° do RDPSP e observadas as circunstâncias atenuantes que no caso militam.

XIII.Não se verificando nessa decisão erro grosseiro ou palmar ou violação dos princípios constitucionais da atividade administrativa, que possam ser sindicados.

XIV.Pelo que nenhum vício inquina o ato administrativo impugnado proferido no âmbito do Regulamento Disciplinar da PSP à data aplicável, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro.

Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogada a decisão ora recorrida.

O Autor juntou contra-alegações, concluindo: A) A Sentença impugnada não padece de qualquer vício que a inquine, sendo, ao invés, inteiramente válida, porquanto está conforme à Lei e ao Direito.

B) Da leitura da sentença recorrida, a mesma mostra-se extremamente assertiva tanto no quadro factual exposto, como na apreciação jurídica.

C) A sentença concluiu e bem que o ato impugnado viola o princípio da legalidade, atendendo que o facto praticado pelo Recorrido não consubstancia a violação de qualquer dever deontológico.

D) Inexiste fundamento legal para que o comportamento do Autor/Recorrido seja subsumível à falta de dever de zelo e do dever de aprumo.

E) A aplicação da pena de multa aplicada viola o princípio da proporcionalidade e da justiça.

F) A Administração não pode escolher uma atuação que não seja apta a prosseguir ou a atingir o fim, estando vinculada à verificação dos seus pressupostos, e tal como resulta da sentença houve uma total desconsideração no relatório disciplinar, das motivações que foram apresentadas pelo autor relativamente à consulta em causa, bem como o depoimento prestado pela superior hierárquica que elogiou o Autor pela sua conduta enquanto profissional e pelo seu comportamento no caso em concreto.

G) Sendo ignorado a carreira imaculada e os bons serviços prestados à Instituição, nem a circunstância de que na dúvida sobre a realidade deveria o Autor/arguido beneficiar do princípio in dúbio pro reo.

H) O Recorrente não demonstrou as circunstâncias e as funções desempenhadas pelo Autor que impediam o acesso à informação.

I) A aplicação de uma pena de multa de cerca de 1/3 do vencimento com a motivação constante da decisão disciplinar viola claramente o princípio da justiça.

J) Em suma, a pena de multa aplicada ao Recorrido viola os princípios basilares da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura.

K) Assim, mantendo a decisão recorrida, farão Justiça.

TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito, e com o suprimento, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e em consequência, manter-se a sentença nos seus precisos termos, fazendo-se Justiça! O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1. Em 25.01.2017, pelas 19:30, foi elaborado pela PSP cm prt – 2ª Divisão Policial, auto de notícia de detenção de vários suspeitos de “crimes de perigo comum” (cfr. fls 30 a 32 do processo administrativo).

  1. Em 26.01.2017, os serviços da Entidade Demandada constataram que o Autor, agente da PSP, com a matrícula nº. (...), consultou o expediente, pelas 07H46, referente ao processo “NUIPC:41/17.9PDPRT” em que desapareceu uma pistola Glock 9 mm parabellum com o nº. MCV649, pertencente à Polícia de Segurança Pública.” (confissão e fls. 8 e 19 do processo administrativo).

  2. Em 26.01.2017, o horário de trabalho do Autor foi das 07H45 às 16h15 (cfr fls 35 do processo administrativo).

  3. No “ambiente produção SEI Administração da Aplicação”, em momento anterior à consulta, aparece uma mensagem, de teor coincidente com a ordem de serviço do Comando Metropolitano Interno do Porto nº. 236 de 05 de dezembro de 2013, com a seguinte menção: “Atenção O acesso aos dados é registado no sistema.

    O acesso fora do âmbito das suas atuais funções implica responsabilidade disciplinar e/ou penal” (cfr. fls. 37 do processo administrativo).

  4. Em 01.02.2017 foi elaborada informação interna pelo Comandante da Divisão da PSP com o seguinte teor: “o chefe P. havia trabalhado com a equipa que fez o serviço a que se refere o expediente em causa, e quando os elementos da referida EIR lhe contaram, o mesmo consultou por curiosidade e prevenção o cliché dos indivíduos, no sentido de tomar conhecimento dos indivíduos, uma vez que as áreas são confinantes, e por razões óbvias poderiam já ser conhecidos ou caso não fossem, para ter esse conhecimento dada a sua proximidade com o concelho de (...) (…) também estes tinham conhecimento de que a peça de expediente não se encontrava disponível para consulta, mas tão somente as fotos (…)” (cfr. fls. 5 e 6 do processo administrativo).

  5. Da mesma informação referida em 5. consta ainda que “(…) parece ter tido em vista um possível reconhecimento futuro, apesar de ser do conhecimento que tal acesso lhes é vedado e só ser permitido no âmbito processual ou razão devidamente fundamentada” (cfr. fls. 5 e 6 do processo administrativo).

  6. Em 11.04.2017 o vencimento ilíquido do Autor era de €1.355,96 ao qual...

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