Acórdão nº 650/19.1BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: O Ministério Público vem, no âmbito da presente acção administrativa, intentar recurso da sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de perda do mandato que W...

exerce enquanto Presidente da Câmara Municipal de Nazaré.

Apresentou as seguintes conclusões com as alegações do recurso: “1ª.

Por sentenças proferidas, em 6/8/2014, no Processo Cautelar nº 822/14.5BELRA-A e, em 28/1/2015, na AAE nº 822/14.5BELRA, transitadas em julgado em 23/2/2015 e 26-08-2014, respetivamente, foi, o demandado condenado a abster-se, por qualquer meio, de: i)- impedir S... de utilizar os créditos cedidos, pela associação sindical a que pertencia, para o exercício da atividade sindical, ii)- considerar injustificadas as faltas, e iii)- de proceder a qualquer desconto no vencimento do dito J..., nesse contexto. (factos provados 2, 3, 4, 5, 8, 9, 11 e 12) 2ª.

Naquela sentença de 28/1/2015, foi declarado nulo o despacho impugnado, de 20/6/2014, exarado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal da Nazaré, o qual determinou que S... “não está autorizado a utilizar cedência de créditos a partir de 01 de Maio de 2014”. (factos provados 4, 5, 8, 9, 11 e 12) 3ª. Nessa sentença foi ainda determinado ao demandado o pagamento ao S... dos créditos salariais correspondentes ao período de Maio a Setembro de 2014, que diziam respeito a faltas dadas como injustificadas durante esse período. (factos provados 4, 5, 8, 9 11 e 12) 4º. Para cobrança coerciva das remunerações relativas a esses créditos, com base na sentença, de 6/8/2014, foi intentada, em 20/X/2014, a Execução nº 822/14.5BELRA-B, (cfr. facto provado 14. Ponto 22) só foram pagos em Fevereiro de 2015. (cfr. factos provados 5 e 10) 5ª. Da mesma sorte, como os créditos salariais do período de Outubro 2014 a Maio de 2015, não fossem voluntariamente pagos, para a respetiva cobrança coerciva, em 16/6/2015, foi intentada Execução nº 822/14.5BELRA-C, por força da qual, por sentença de 2/9/2015, foram pagos, somente, em Setembro de 2016. (cfr. facto provado 11 e pag.s 219 e 220 do SITAF) 6ª. Ainda, relativamente aos créditos salariais, referentes a todos os meses compreendidos entre Junho de 2015 e Março de 2016 a entidade patronal de S... persistiu em não lhos pagar. (cfr. facto provado 14, pontos 32 a 41).

  1. Donde, além da violação daquela sentença de 6/8/2014, proferida no Processo Cautelar nº 822/14.5BELRA, como foi confirmado na sentença recorrida, também foi violada a sentença de 21/1/2015, proferida na AAE 822/14.5BELRA-A, ao contrário do que foi decidido.

  2. Sendo inatacável a sentença recorrida, na parte em que deu como verificados e provados os requisitos objetivos da sanção tutelar em análise, o mesmo não acontece com o elemento subjetivo da sanção, a que se refere a parte final do nº 1 do art. 10º da Lei 27/96, de 1/8, pese embora, também se sufrague o entendimento da Mmª Juiz no sentido de que a perda de mandato só poderá ser deter-minada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou negligência.

  3. Devendo esse estado subjetivo extrair-se de factos materiais concretos, retratam-se, para caracterizar a culpa, os seguintes factos: - Só por força das Execuções nºs 822/14.5BELRA-B e 822/14.5BELRA-C foi possível dar-se cumprimento à sentença, de 6/8/2014, do Processo Cautelar nº 822/14.5BELRA, quanto aos créditos salariais de Setembro de 2014 a Maio de 2015; - E, relativamente aos créditos salariais, referentes a todos os meses compreendidos entre Junho de 2015 e Março de 2016 o demandado também não os pagou, estando em dívida, à data do julgamento, pelo que igualmente foi violada a sentença de 28/1/2015, da Ação 822/14.5BELRA-A.

    - Na execução nº 822/14.5BELRA-C foi oficiosamente mandada extrair certidão contra o ora recorrido para efeitos de procedimento criminal; - Foi proferida decisão instrutória, em 03/07/2017, no âmbito do Proc. nº 305/14.3T9LRA, contra o ora recorrido, em que foi pronunciado pela prática, de um crime de desobediência, nos termos do art.º 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal ex vi art.º 159.º, n.º 2, al. b) do C.P.T.A., em concurso aparente com um crime de desacatamento ou recusa de execução de decisão de tribunal, previstos e punidos pelo art.º 13.º de Lei n.º 34/87 de 16 de Agosto … 10ª. Resulta de forma clara, a firme e reiterada vontade de o recorrido querer manter o seu despacho declarado nulo pelo Tribunal e de recusar o acatamento das decisões judiciais, - elemento volitivo do dolo (direto) -, traduzido na vontade do agente de praticar o facto.

  4. Na realidade, parece-nos manifesto que o executivo camarário da Nazaré, representado pelo ora recorrido, nunca quis cumprir voluntariamente as decisões de 6/8/2014 e de 28/1/2915, proferidas nas Ações 822/14.5BELTA-A e 822/14.5BELRA, respetivamente, tanto assim que foram intentadas duas execuções tendentes ao cumprimento coercivo daquela primeira decisão, através das quais só assim S... logrou obter o pagamento dos créditos salariais em Fevereiro de 2015 e Setembro de 2016, reportados os períodos compreendidos entre os meses de Maio e Setembro de 2014 e de Outubro a Maio de 2015, respetivamente.

    Para depois, logo no mês seguinte, em Junho de 2015 e até Março de 2016, o mesmo executivo ter voltado a não lhe pagar os créditos salariais, os quais se mostravam ainda em dívida, pelo menos em 27/2/2020, à data da audiência de julgamento.

  5. - Os factos tidos como assentes da matéria dada como provada impunham, por isso, uma decisão diversa proferida pelo tribunal a quo, perante a prova produzida, no sentido de fundamentarem a procedência da ação.

  6. - Não obstante isso, a matéria dada como provada ficou muito aquém daquela que deveria constar como tal, resultante do depoimento da testemunha Dr. C... e dos apensos à Ação 822/14.5BELRA, ao abrigo do disposto nos art.s 5º, nº 2, al.s a), b) e c) do CPC e 411º, 412º/2 e 608/2, do CPT, até face à circunstância de estarmos perante uma ação de plena jurisdição (art. 98º/1 do CPTA aplicável ex vi do art. 15º da Lei nº 29/96, de 1/8) o que pressupõe uma maior e mais lata pro-atividade do tribunal na busca da verdade material. (art.s 3º/4, 7º e 95º/3, aplicável ex vi do art. 97º-1/a), todos do CPTA) 14ª - Nessa medida deveria ter sido relevada e dada como provada a seguinte factualidade: i)- Com base em suporte documental: - no âmbito da Execução nº 822/14.5BELRA-B, foi determinado na parte final da sentença de 21/1/2015, a notificação pessoal do Sr. Presidente da Câmara Municipal da Nazaré, (cfr. doc. 3 anexo à p.i.) o que foi cumprido, em 23/1/2015, por carta registada com A/R, para pagar os créditos salarias respetivos em 30 dias, com a cominação de incumprimento, em sanção pecuniária compulsória, as quais foram pagas em 23/2/2015 (cfr. pag.s 90 e 91 e 125 do registo do SITAF).

    - no âmbito da Execução nº 822/14.5BELRA-C, foi determinado na parte final da sentença de 2/9/2015, a notificação pessoal do Sr. Presidente da Câmara da Nazaré (cfr. doc. anexo à p.i.), o que foi cumprido em 4/9/2015, por carta registada com A/R, para pagar aquelas prestações salariais em dí-vida, em 30 dias, com a cominação de incumprimento, em sanção pecuniária compulsória, as quais forma pagas em Setembro de 2016 (cfr. pag.s 107, 115 e 116 e 219 e 220, do registo do SITAF).

    - Nesta última execução foi acionado o mecanismo previsto no disposto no art. 172º/4 do CPTA, junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. pag.s 220 do registo do SITAF).

    - Também foi instaurado recurso da decisão de 2/9/2015, dessa Execução, que constituiu o Apenso 822-14.5BELRA-D, que foi julgado improcedente. (Apensos C e D) - Como, em 16/9/2016, foi instaurada a Execução nº 822/14.5BELRA-E, para cobrança de dívidas de créditos salariais dos períodos de Junho de 2015 a Março de 2016. (Apenso E) ii) – Com base em suporte testemunhal - Em sede de audiência e julgamento foi confirmada a defesa da vigência e validade do despacho de 6/8/2014, pelo executivo camarário da Nazaré, apesar da declaração de nulidade, segundo o depoimento da testemunha Dr. B..., com a justificação da improcedência desta última execução 822/14.5BELRA-E e pela alegada injustiça que levava o Município a acarretar com uma despesa com pessoal de outros municípios, defendendo ao longo de todo o seu depoimento, energicamente, a legalidade e justiça daquele despacho, de que foi mentor.

    Com efeito, à pergunta quanto à questão de mérito da Execução nº 822/14.5BELRA-E, sobre se, na perspetiva do executivo, a importância exequenda era devida por ele, respondeu categoricamente que não. (cfr. tempos 01:10:00 a 01:34:29) E o certo é que, como foi confirmado pela testemunha S..., o mesmo foi forçado a constituir-se assistente no processo crime para aí poder reclamar os créditos salariais em dívida do período de Junho de 2015 a Março de 2016. (cfr. Ata de julgamento e tempos 00:02:16 a 00:18:50).

  7. . Assim, a Mmª Juiz, ao arrepio do disposto no art. 607º, nºs 4 e 5 do CPC, não relevou, pois, parte significativa do teor dos apensos da Ação 822/14.5BELRA-A, como não relevou parte daquele depoimento, o que a suceder contribuiria para reforçar a caraterização da culpa, com culpa grave e afastar qualquer resquício de dúvida que pudesse existir a esse respeito.

  8. Ancorando-se nos pontos 15 a 22 do probatório, a Mmª Juiz afastou a culpa do Sr. Presidente da CM da Nazaré, pelo facto de este não ter intervenção direta no modo em que foi processado o vencimento do funcionário S... e ter endossado todo o assunto ligado ao cumprimento das decisões judiciais para o seu assessor Dr. C... e em quem acreditou que as sen-tenças estavam a ser cumpridas.

  9. Adiante-se que uma tal visão das coisas, assente na transferência da responsabilidade de factos próprios de uma qualquer entidade para um assessor, significaria que estaria encontrado o caminho fácil para a desresponsabilização dessa...

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