Acórdão nº 359/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 359/2021

Processo n.º 989/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que são recorrentes A., B. e C. e recorridos o Ministério Público, os D. S.A. e outros os primeiros vieram interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 14 de outubro de 2020, que, negando total provimento ao recurso interposto pelos arguidos e concedendo provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público da decisão de 1.ª instância, condenou, pela prática de uma pluralidade de crimes de violação de correspondência, de furto qualificado, de burla qualificada e de falsificação de documentos, inter alia, em penas únicas conjuntas: a) o arguido A., de 7 (sete) anos de prisão efetiva; b) o arguido B., de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva; e c) o arguido C., de 4 (quatro) anos de prisão efetiva.

2. Os recursos para o Tribunal Constitucional têm o seguinte teor:

2.1. O de A.:

«(...)

I - Da admissibilidade

1. O presente recurso foi interposto com base na situação prevista no artigo 70 n.º 1 alínea b) da Lei Orgânica do tribunal Constitucional, ou seja numa decisão judicial que aplicou normas cuja inconstitucionalidade foi suscitado pelo ora Recorrente durante o processo.

2. O Recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso, constante de fls ... dos presentes autos, alegou e invocou a violação do art.º 32º n.º 2 e 5 da CRP.

3. Na concreta interpretação e aplicação que daqueles preceitos foi efetuada nos autos (divergente da do arguido, ora recorrente) o recorrente pretende, pois, que seja, apreciada a constitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127º do CPP que conduz à violação e não aplicação do Principio in dubio pro reo, que assegura as garantias de defesa do arguido, violando consequentemente o disposto do dito artigo 32 da CRP, por incorreta interpretação do artigo 127º do Cód. Proc. Penal.

4. Quanto à inconstitucionalidade ora invocada do art.º 77 do CP, só com a notificação do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto é que foi possível perceber que a decisão recorrida e as decisões por ela confirmadas, concedendo provimento parcial ao recurso intentado pelo MP, e declarando prescrito o crime praticado em 19/12/2009, o que teria como consequência a redução da pena do Recorrente, mas que em concreto não aconteceu, tendo-se mantido a condenação do Recorrente, o que pressupõe uma interpretação restritiva da proibição de agravamento da pena, mesmo com recurso do MP, perante a redução do número de crimes em que foi condenado, consubstanciada na "reformatio em pejus", consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP.

5. O alegado no artigo anterior não era do conhecimento do Recorrente no momento de elaboração do recurso ora recorrido.

6. Logo, a alegação do mesmo não podia ter sido efetuada na peça processual em que por força do art.º 75º -A n.º 2 da LOTC, teria de ser feita, pelo que terá de ser feita uma interpretação extensiva do dito artigo 75-A n.º 2 da LOTC, no sentido de que caso a questão se levante no Acórdão irrecorrível do processo tal poderá ser alegado unicamente em sede de recurso para esse Tribunal Constitucional.3

7. Dispensando-se a prévia alegação, sob pena de violação do estatuído no art.º 32º nº 1 da CRP.

8. Pelo que, deve ser admitido o presente recurso.

II- Da inconstitucionalidade do art.º 127.º CPP

9. A norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal na interpretação, acolhida na decisão recorrida e pressuposta nas decisões por ela mantidas, de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a adágios populares, à sabedoria popular do homem médio, e às presunções de prova previstas nos artigos 349.º e 350.º do Código Civil, por violação da presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º n.º 2, e do dever de fundamentar, consagrado no artigo 205.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

10. A norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal na interpretação, aparentemente acolhida ou pressuposta na decisão recorrida e nas decisões por ela mantidas, de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a adágios populares, à sabedoria popular do homem médio por violação da presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º n.º 2, e do dever de fundamentar, consagrado no artigo 205.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

11. A norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal na interpretação, aparentemente acolhida ou pressuposta na decisão recorrida c nas decisões por ela mantidas, de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349.º e 350.º do Código Civil por violação da presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º n.º 2, e do dever de fundamentar, consagrado no artigo 205.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

12. A norma do citado artigo 127.º na interpretação acolhida nessas decisões e pressuposta no despacho que decretou a pena de prisão de 7 anos, de que a fundamentação da livre convicção do Tribunal e a invocação das regras de experiencia se podem reconduzir em processo penal, para efeito de julgar verificados os fortes indícios a que se refere o artigo 202.º n.º 1, à invocação de expressões utilizados no Acórdão de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto c às circunstâncias concretas do seu cometimento", "presunções ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência", "ilações", "presunções [...] (judiciais) que atuam como meios de prova", "adequação presuntiva" ou indícios "com elevado grau de probabilidade" - por violação das garantias de defesa e da presunção de inocência, consagradas no artigo 32.º n.ºs 1 e 2 da CRP.

13. E a norma do mesmo artigo 127.º na interpretação acolhida nessas decisões e pressuposta no despacho que decretou a prisão preventiva, de que tal disposição legal permite ao juiz, para além da apreciação dos diferentes meios de prova e para efeito de julgar verificados os fortes indícios a que se refere o artigo 202.º n.º 1, a própria criação, suposição ou invenção de factos, ou de indícios deles, baseando a livre convicção em regras da experiência que se reconduzem a adágios populares e à sabedoria popular do homem médio, e por recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349.º e 350.º do Código Civil.

14. Estas inconstitucionalidades, indicadas em 9, 10, 11, 12 e 13 precedentes, também não foram expressamente invocadas na motivação recurso, porque também não o podiam ter sido, já que respeitam a interpretação ou interpretações da norma legal em causa (do artigo 127.º do Código de Processo Penal) que não havia(m) sido expressamente invocada(s) na fundamentação da decisão do Senhor Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que condenou o Recorrente em 7 anos de prisão e que o recorrente não entendeu e não podia ter entendido como tendo sido ali acolhida(s).

15. Por outro lado, trata-se de interpretações normativas daquela disposição legal com as quais o recorrente não podia razoavelmente ter contado, tendo sido com elas absolutamente surpreendido no Acórdão recorrido e no Acórdão que este veio a confirmar.

16. Na verdade, só com a notificação destas decisões é que foi possível perceber que a decisão recorrida e as decisões por ela confirmadas pressupõem uma interpretação restritiva da presunção de inocência que a limita ao "in dubio pro reo" e que limita este princípio à "dúvida razoável", que, depois, afastam a razoabilidade da dúvida por recurso a aforismos populares: e, finalmente, que recorrem às presunções legais de prova previstas no direito civil, considerando estas como se provas fossem (para efeitos do artigo 125.º) e como se fossem, como tais, admissíveis em processo penal para formar (nos termos do artigo 127.º) a convicção do tribunal quanto à verificação dos factos indiciários que no caso integrariam o crime de corrupção e o crime de tráfico de influência.

17. Ou seja, que tais decisões começaram assim por afastar a razoabilidade de qualquer dúvida quanto à verificação dos indícios dos factos (de todos os factos) que integram os tipos legais em causa; que o fizeram por recurso a aforismos populares, à sabedoria popular do homem médio: que desse modo afastaram a aplicação ao caso da presunção de inocência; e que, assim, abriram caminho a aplicar as presunções de prova e ilações previstas no Código Civil, como se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT