Acórdão nº 364/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 364/2021

Processo n.º 368/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 20 de janeiro de 2021 (a fls. 13 ss. dos autos) que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido da decisão da 1.ª instância que o condenou, pela prática de uma pluralidade de crimes contra as pessoas – incluindo um crime de homicídio qualificado, na forma tentada –, numa pena única conjunta de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«A., Recorrente nos presentes autos, em que foi proferido Acórdão que negou provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida., proferido em 20/01/2021, vem apresentar Interposição de Recurso para o Colendo Tribunal Constitucional, dizendo e requerendo o seguinte:

I - Questão Prévia

1. É imperioso, desde já, referir que a Mandatária do Arguido e Recorrente só agora se encontra a praticar o ato porque se encontrou desde o dia 18 de janeiro de 2021 e até 28 de fevereiro de 2021 sujeita a situação de doença incapacitante para o exercício da sua atividade profissional que configura a figura do justo impedimento - juntam-se resultado positivo de Microbiologia do Teste de Diagnóstico à SARS-COC2 emitido pelo B., Lda. - ... - e os 6 Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho emitidos pelo Serviço Nacional de Saúde e Declarações Médicas do Hospital ....

2. A doença foi súbita e tão grave que a impossibilitou em absoluto de praticar qualquer ato.

3. A doença em questão de que a Mandatária do Arguido se viu acometida foi a infeção pelo vírus SARS-CoV2 que, como que é do conhecimento público e facto notório que, conforme expressamente previsto nos termos do artigo 412.º CPC, não carece de prova, se trata de situação pandémica vivida em Portugal com um número de contaminação exponencial e absolutamente abissal só comparável com a situação de gripe espanhola vivenciada no século passado.

4. Inexiste culpa quer da parte, quer do seu representante ou mandatário, tratando-se de um evento totalmente imprevisível - ninguém fica infetado por querer.

5. As consequências da infeção pelo vírus SARS-CoV2 são do também do conhecimento público, constituindo facto notório, mas sempre se referencia que a situação atingiu uma gravidade extrema no seio do agregado familiar da Mandatária, facto cuja prova resulta diretamente da reportagem transmitida no Telejornal de 03 de fevereiro de 2021 (Telejornal de 03 Fev 2021 - RTP Play – RTP – segunda parte – minuto 1:10), onde o marido e colega de Escritório da Mandatária – o Ilustre Advogado C. – surge hospitalizado no Hospital Curry Cabral em Lisboa, exprimindo a sua preocupação por na sua residência pessoal se encontrarem, também infetadas, sem saber o estado de saúde das mesmas, a sua esposa (a Mandatária) e a filha menor de ambos.

6. A situação de hospitalização de um elemento do agregado familiar direto da Mandatária, o confinamento a que obrigada que não permitia a sua saída de casa e que mesmo para as necessidades básicas de alimentação carecia da ajuda de terceiros, a impossibilidade de facultar os meios de acesso aos processos ou para substabelecer, visto que para o efeito teria que haver contato direto e risco para a saúde pública, são situações integradoras e configurantes da figura do justo impedimento.

7. Por outro lado, constitui apanágio do Estado de Direito Democrático – artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, e da garantia do patrocínio forense – artigos 20º e 206º da Constituição da República Portuguesa, a garantia dos direitos, liberdades e garantias das pessoas singulares, entre elas e sem precludir os direitos, liberdades e garantias daqueles que se vêm sujeitos a um processo crime de escolher livremente quem o representa.

8. O mandato forense é um ato de confiança no Advogado, sendo este uma figura de relevante atuação no ordenamento e quadro judiciário enquanto garante da legalidade, ou, nas palavras do saudoso Professor Doutor Adelino da Palma Carlos "é tocar as estrelas, é profilgar todos os abusos, de atentar todas as violências, de denunciar todos os crimes, de defender todos os oprimidos, os perseguidos e os fracos, de dar apoio aos que dele carecem; de pugnar pelo Direito em cuja existência assenta a Humanidade ; é afinal manter aceso o facho da legalidade sem o qual o mundo se subverte na mais atroz confusão".

9. Sendo ainda certo que «o «2 - O mandato forense não pode ser objeto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.» (número 2 do artigo 67º do Estatuto da Ordem dos Advogados).

10. Razão pela qual se entende estar devidamente demonstrada e justificada a situação de justo impedimento e se requer a aceitação da presente interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, conforme segue.

II - Do Recurso para o Tribunal Constitucional

11. O Processo n.º 19/20.5SVLSB/14.9T8LRS teve o seu início a 16.02.2020.

12. No âmbito do Processo o Ministério Público deduziu acusação, em processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, contra A. imputando-lhe a prática, em autoria, de:

- um crime de violência depois da subtração, p. e p. pelo art. 211.º, com referência ao art. 203.º, n.º 1, do Código Penal;

- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h), e 23.º do Código Penal, e

- um crime de ofensa a integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência à al. h) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal.

13, Por Acórdão Condenatório de 20 de outubro de 2020 veio o Arguido a ser condenado, pela prática em autoria de

- um crime de violência depois da subtração, p. e p. pelo art. 211.º, com referência ao art. 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h), 22.º, n.ºs 1 e 2, als. b) e c), 23.º e 73.º, n.º 1, als. a) e b), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 143.º, 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência à al. h) do n.º 2 do art. 132.º, 22.º, n.ºs 1 e 2, als. b) e c), 23.º e 73.º, n.º 1, als. a) e b), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art. 77.º do Código Penal, condenar A. na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. Absolver A. da pratica de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência à al. h) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal.

14. Ora, não é nem da acusação, nem da decisão em concreto que se apresenta o presente recurso mas sim do ocorrido na audiência de julgamento em que existe uma clara, evidente e expressa violação do n.º 4 do artigo 20.º da CRP no que diz respeito ao Arguido ter Direito a um Processo Equitativo.

15. E esta mesma inconstitucionalidade é invocada em sede de recurso expressamente em todas as alocuções que se evidenciam da interferência do Tribunal na direta decisão da causa.

16. Na verdade o Tribunal a quo ao invés de assumir a sua obrigação de descoberta material da verdade dos factos, assumiu uma função que não foi equidistante e independente.

17. A decisão já estava tomada, o que era necessário era "produzir" factos que preenchessem a decisão e não o contrário, i.e., os factos resultantes da audiência de julgamento é que veem a dar azo a uma decisão

18. No decurso da audiência de julgamento, em particular na audição das testemunhas, o questionário efetuado pouco tinha de questão, refletindo muito mais um caráter orientador do depoimento das testemunhas no sentido pretendido.

19. E denegando constantemente a função de contra interrogatório da defesa por não caber na versão que se pretendia.

20. Resulta claro da reprodução e audição da prova produzida em Audiência e que foi gravada no sistema "H@bilus Média Studio" que grande número das questões que a Meritíssima Juiz colocou às testemunhas ouvidas nessa diligência única de produção de prova, realizada no dia 13/10/2020, foram efetuadas de forma sugestionável e indutora de uma resposta orientada.

21. E cite-se alguns momentos que bem ilustram a violação do nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa como é o caso do testemunho de D. em que o mesmo vinha depondo, por algumas vezes, em como não tinha sido agredido pelo Recorrente, tendo-se invertido o sentido desse mesmo depoimento quando, a Mma. Juiz questionou de novo, sugestivamente, se o mesmo não tinha sido agredido, tendo o mesmo respondido de imediato que "...

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