Acórdão nº 383/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Data27 Maio 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 383/2021

Processo n.º 815/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., inconformada com a decisão proferida no Juízo Criminal Local de Sintra que a condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que não foi admitido, por despacho proferido a 27 de julho de 2020, com fundamento na sua extemporaneidade.

Notificada desse despacho, apresentou reclamação para a Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que, por decisão de 9 de setembro de 2020, a indeferiu.

2. Irresignada, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 70.º, nºs. 1, alínea b), 2, 3 e 4, 72.º, n.º 2, 75.º, n.º 1, e 75.º-A, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC) - cf. fls. 87-90.

3. Por decisão sumária n.º 149/2021, proferida a 18 de fevereiro de 2021, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, foi decidido não conhecer do objeto do recurso, com os fundamentos seguintes:

«[…]

3. Como resulta de entendimento jurisprudencial pacífico, em sede de fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional aprecia – e aprecia apenas – a validade jusconstitucional de critérios normativos aplicados em decisões proferidas pelos restantes tribunais, não tendo competência para sindicar tais atos. Não lhe compete, assim, apreciar a validade de decisões judiciais no que se reporta à eventual violação de preceitos infraconstitucionais ou à eventual (in)correção da interpretação e aplicação desses mesmos parâmetros. O Tribunal Constitucional limita-se a apreciar a validade de critérios normativos – devidamente destacados da decisão concreta – face ao bloco de constitucionalidade relevante (cf. artigos 280.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, e 70.º, n.º 1, da LTC).

4. Neste caso, conforme resulta do requerimento de interposição de recurso apresentado nos autos pela recorrente, a questão nele colocada é reportada à interpretação dos artigos 4.º e 411.º, n.º 1 do CPP e 638.º, n.º 7 do CPC.

O objeto do presente recurso de constitucionalidade prende-se com a eventual inconstitucionalidade da decisão recorrida, que – na perspetiva da recorrente – fez uma incorreta interpretação do artigo 411.º, n.º 1 do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, ao considerar inaplicável o artigo 638.º, n.º 7, do CPC, por inexistência de lacuna.

Constata-se, assim, que subjacente à presente impugnação não se encontra nenhum problema de desconformidade da norma sindicada, enquanto critério de decisão, face a quaisquer parâmetros constitucionais, mas sim o concreto ato de subsunção deste caso concreto ao direito infraconstitucional aplicável.

A sua discordância é, pois, dirigida ao decidido pelas instâncias e pretende que o Tribunal Constitucional proceda ao escrutínio da decisão recorrida, por incorreção da mesma, quanto à interpretação e aplicação das normas de direito infraconstitucional aplicáveis – o que, como referido, não lhe compete fazer.

Conclui-se, por isso, que o objeto dos presentes autos, é inidóneo, não podendo, por isso, conhecer-se do respetivo mérito.

5. Do que vem de ser dito, fica também patente que a recorrente não suscitou, em termos adequados, perante o tribunal a quo, qualquer verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa.

Na reclamação por si deduzida ao abrigo do artigo 405.º do CPP, limita-se a sustentar que «o entendimento que se retire dos artigos 4.º e 411.º, n.º 1, do CPP e 638.º, n.º 7, do CPC, no sentido de não aplicabilidade deste último por inexistência de lacuna, deve considerar-se inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa».

E, para tanto, nos artigos 36.º a 65.º da sua reclamação, pugna por uma interpretação atualista da norma, já que, no seu entender, em caso de impugnação da matéria de facto e reapreciação da prova gravada, existe uma «inegável lacuna no processo penal».

No entanto, a recorrente não chega a enunciar qualquer interpretação normativa, de caráter geral e abstrato, extraída das aludidas normas, que repute inconstitucional. Apenas sustentou, isso sim, que o recurso por si interposto, no caso concreto, devia considerar-se tempestivo, por se dever aplicar subsidiariamente o disposto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, e aproveita, então, para invocar que seria inconstitucional um “entendimento” diverso.

Ora, como se vê, a recorrente não vem especificar qual o sentido ou dimensão normativa dos aludidos preceitos ou “arco normativo” que tem por violador da Constituição, enunciando, com precisão e rigor, os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.

A este respeito, porém, o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado que o cumprimento do ónus de suscitação não se basta com a afirmação de que uma “diferente interpretação” normativa será violadora da Constituição, sendo necessário enunciar, de forma clara a percetível, o exato sentido normativo que, na sua perspetiva, padecerá de inconstitucionalidade.

Neste sentido, o Acórdão n.º 376/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) refere claramente que:

«Não basta (…) a afirmação de que interpretação diferente daquela que se propugna viola normas constitucionais (…). É necessário referenciar tal violação a um sentido normativo determinado, extraído de um preceito ou de um conjunto de preceitos perfeitamente identificados, com um mínimo de argumentação demonstrativa dessa desconformidade com a Constituição. De tal modo que o tribunal da causa, se chegar a esse sentido no termo do processo interpretativo do direito ordinário que lhe cumpra aplicar, saiba ou deva saber que lhe é proposto que recuse tal aplicação, no exercício do poder que lhe é conferido pelo artigo 204.º da Constituição».

Neste caso, não tendo a recorrente enunciado claramente qual o sentido ou dimensão normativa das normas invocadas – em especial, do artigo 411.º, n.º 1, do CPP – que considera violador da Constituição, não se mostra cumprido o ónus de suscitação apto a conferir-lhe legitimidade para interpor o presente recurso, à luz do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2 da LTC.

Deste modo, também por ilegitimidade da recorrente, não se pode conhecer do mérito do recurso interposto.».

4. Não se conformando com a decisão sumária proferida, vem deduzir reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos (cf. fls. 106-133):

«[…]

I. Breve Enquadramento

1.º

A ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, a cobro dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) 2, 3 e 4, 72.º, n.º 2, 75.º, n.º 1, e 75-A, n.º 1 e 2 da LOTC, no qual se verifica o esgrimir da verificação dos pressupostos de interposição do mesmo, concluindo pela sua verificação,

2.º

pelo qual procurou colocar à sindicância do venerável Tribunal a questão de inconstitucionalidade suscitada no processo autuado sob o n.º 1385/19.0T8SNT, que correu os seus termos junto do Juiz 3, do Juízo Local Criminal de Sintra, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

3.º

A recorrente, nesta sede reclamante, pugnou "(...) pelo proferimento de decisão por este constitucional areópago, que declare a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos acima elencados no sentido de considerar inaplicável o disposto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC, por inexistência de caso omisso, que importe suprir por aplicação analógica da lei de processo civil, ao abrigo do artigo 4º do CPP, a qual destoa da uniformidade e desejada harmonização de contagem de prazos entre processos de diversa índole (civil, laboral, administrativo, etc.) e desvirtua as garantias constitucionais consagradas."

4.º

O pedido pugnado seguiu sustentado nas premissas antecedentes, rigorosamente avançadas, que apontavam as razões de ser de se considerar a interpretação inconstitucional das normas referenciadas pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, a qual, no entender da recorrente, "(...) culmina na violação dos princípios da equidade, igualdade de meios, presunção de inocência e acesso ao direito (...)",

5.º

julgando a mesma que foram abruptamente vilipendiadas "(...) as garantias que lhe são constitucionalmente reconhecidas, plasmadas no artigo 32.º da magnânima Constituição da República Portuguesa, circunstância que culmina, conseguintemente, na preterição de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva e de recurso, este último decorrente do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa."

6.º

O requerimento de interposição subjugado a juízo veio a ser admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, vendo-se conduzido, seguidamente, ao escrutínio do douto e magnânimo Tribunal Constitucional, na pessoa da ilustre Juíza Relatora, Conselheira Assunção Raimundo, subscritora da decisão sumária objeto da presente reclamação.

II. Da Decisão Objeto de Reclamação

7.º

A juíza relatora, acolhido o requerimento de interposição submetido a juízo pela recorrente, ora reclamante, no seguimento do relatório contextualizante do recurso interposto e da transcrição, ipsis verbis, do teor do requerimento de interposição do recurso, principiou o exame preliminar do recurso com a alusão de que "(...) ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da LOTC, dada a evidente falta de pressupostos essenciais ao conhecimento do mérito de...

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