Acórdão nº 163/18.9T9CNF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Junho de 2021
Data | 02 Junho 2021 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum, com a intervenção do tribunal singular, n.º 163/18.9T9CNF do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Cinfães – Juízo C. Genérica, mediante acusação pública, à qual aderiu a assistente A., foi a arguida N.
, melhor identificada nos autos, submetida a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática, em autoria, na forma consumada, em concurso efetivo, de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de ameaça agravada, p. e p., respetivamente, pelos artigos 14.º, 26.º, 30.º, n.º 1, 143.º, n.º 1, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) conjugado com o artigo 131.º, todos do Código Penal.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento – no decurso da qual o tribunal julgou válida e relevante a desistência de queixa relativamente ao crime de ofensa à integridade física, donde, quanto ao mesmo, extinto o procedimento criminal, e homologou por sentença a transação realizada entre as partes em relação ao pedido de indemnização civil – por sentença de 08.10.2020 foi decidido [transcrição do dispositivo]: “Em face de todo o exposto, decide-se: A. Condenar a arguida N. pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), este último com referência ao art. 131.º, todos do Código Penal, numa pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), o que perfaz o total de 840,00€ (oitocentos e quarenta euros).
[…]”.
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Inconformada com a decisão recorreu a arguida, formulando as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso interposto da sentença condenatória proferida nos autos; 2 - São fundamentos deste recurso os seguintes: A) Alteração substancial dos factos constantes da acusação do MP; B) Impugnação da matéria de facto.
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Alteração substancial dos factos: 3 - Durante a audiência de discussão e julgamento e após o depoimento da assistente, o Tribunal decidiu comunicar à arguida aquilo que denominou de alteração não substancial dos factos da acusação do MP; 4 - Com efeito, o Tribunal alterou a descrição do ponto 4 constante da acusação do MP em que se dizia o seguinte: “No dia 14/02/2018, pelas 19:00 horas, quando a assistente se encontrava a jantar, acompanhada dos seus 2 filhos, T.
e R., no estabelecimento de restauração “…”, situado em (…), (…), (…), a arguida deslocou-se às imediações do restaurante e tendo encontrado a assistente junto ao local onde deixara estacionada a sua viatura, iniciou-se entre ambas uma discussão, altura em que a arguida, em tom sério e exaltado, dirigiu-se à assistente dizendo que a matava»; 5 - O Tribunal recorrido comunicou, assim, à arguida, a seguinte alteração dos factos «(…) iniciou-se entre ambas uma discussão na qual a arguida em tom sério e exaltado dirigiu-se à assistente dizendo-lhe: "Eu sei onde é que tu moras, se continuas a meter-te na minha vida, eu mato-te a ti e aos teus filhos”» 6 - O Tribunal denominou esta alteração de factos como sendo não substancial.
7 - Sucede, no entanto, que a redação originária do ponto 4 da acusação do MP não imputava à arguida factos que pudessem consubstanciar o crime de ameaça; 8 - Isso porque dali não resultava que o mal ameaçado pela arguida fosse um mal futuro.
9 - O que, só por si, punha em causa o elemento objetivo do tipo legal de crime em questão.
10 - Foi aliás por esse motivo que o Tribunal recorrido decidiu, em audiência de julgamento, alterar a factualidade imputada à arguida, concretizando, assim, o mal ameaçado como sendo um mal futuro.
11 - Do exposto resulta que da acusação não se inferia o elemento objetivo integrador do crime de ameaça.
12 - Sendo que o Tribunal decidiu suprir a omissão na acusação dos factos relativos ao elemento objetivo do crime de ameaça; 13 - O que o Tribunal pretendeu fazer através do regime da alteração de factos previstos no art.º 358.º do CPP; 14 - Todavia, e como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º 1/2015, tal não é possível; 15 - E se é certo que esse AUJ n.º 1/20015 se reportava ao elemento subjetivo do crime aí em causa (injúria), desse mesmo acórdão de uniformização de jurisprudência resulta também claramente que o mesmo raciocínio deve ser feito em relação ao elemento objetivo do crime; 16 - Ou seja, se da acusação não resulta, de forma clara, quais os factos imputados que compõem o elemento objetivo do crime, não é possível concluir-se pela verificação do ilícito criminal em causa; 17 - E como vem dito no mencionado acórdão de fixação de jurisprudência, essa omissão não pode ser suprida através do regime previsto no art.º 358.º do CPP, ou seja, a alteração...
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