Acórdão nº 344/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 344/2021

Processo n.º 1010/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., Lda. e recorridos B., S.A. e o Estado Português, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»): (i) do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 14 de julho de 2020, que julgou extemporâneo o recurso de revisão interposto pela ora reclamante; e (ii) do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 13 de outubro de 2020, que julgou improcedente a reclamação com que a ora reclamante reagiu àquele primeiro acórdão, julgando ainda improcedente o pedido de condenação da recorrida B. como litigante de má-fé.

2. Através da Decisão Sumária n.º 28/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

3. Tendo a recorrente reclamado de tal decisão, veio a mesma a ser confirmada pela conferência, através do Acórdão n.º 109/2021.

4. Inconformado com tal acórdão, a reclamante veio «em conformidade com o disposto no art.º 616.º, n.º 2, al. a), e no art.º 615.º, n.º 1, al. b) e d), ex. vi art.º 666.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC) aplicáveis ex vi art.º 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (doravante Lei do Tribunal Constitucional ou LTC) – requerer a reforma do acórdão e arguir nulidades[1]», aduzindo para o efeito os seguintes fundamentos:

«[...]

A) Recurso de constitucionalidade respeitante ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2020[2]

1. Diz o Acórdão reformando, e assim subscrevendo, que na Decisão Sumária «o recurso referente ao acórdão datado de 14 de julho de 2020 não foi admitido por falta de utilidade» pois que ali se entendeu que «o acórdão recorrido contém uma fundamentação alternativa, conduzindo esta de forma autónoma e autossuficiente à solução a que se chega através da via argumentativa a que subjaz o critério normativo impugnado.» (pág. 20 do Acórdão reformando).

2. O Acórdão reformando comete um erro muito grave, quer de manifesta incompreensão do regime de recursos, conforme quis o legislador (que é soberano) na Lei do Tribunal Constitucional – e assim viola não só a essa Lei, como a própria Constituição – quer de manifesta desconsideração dos factos processuais, quer ainda como resultado de desconsideração de noções elementares de Direito Processual e, naturalmente, do consagrado na lei adjetiva. Vejamos.

3. Desde logo, não há qualquer «fundamentação alternativa»!

4. Isto assim, pois, para que se pudesse considerar uma «fundamentação alternativa», suscetível de retirar utilidade[3] ao recurso de constitucionalidade, era necessário que essa fundamentação conduzisse à mesma solução jurídica i.e., de «julgar extemporânea a interposição do recurso». Isso, in casu, não sucede!

5. Seguramente, não existe no Acórdão recorrido essa fundamentação, nem sequer em obiter dictum. Aquilo que o Acórdão reformando tem como tal, sempre conduziria a uma outra decisão, que não a de continuar a «julgar extemporânea a interposição de recurso». Isto é inquestionável!

6. Acresce que, ao contrário do que diz o Acórdão reformando, a questão decidendi não foi a «questão de saber se o recurso de revisão interposto pela ora reclamante era processualmente admissível», mas sim, como diz o próprio Acórdão recorrido, que «h[avia] que analisar, como questão prévia, se é tempestiva a interposição do presente recurso de revisão» (pág. 21).

7. Foi essa a questão enunciada e foi essa a questão julgada no Acórdão recorrido.

8. Dito de outro modo: no Acórdão recorrido a questão decidendi nunca foi equacionada no sentido de (voltar a) apreciar, amplamente, a admissão do recurso, mas antes si, apenas e só como «questão prévia, [saber] se [era] tempestiva a interposição do […] recurso de revisão» (pág. 21).

9. Repetindo: a questão decidendi, claramente enunciada pelo Acórdão recorrido foi, apenas e só, a de saber «se [era] tempestiva a interposição» do recurso de revisão. É isto que está lá enunciado!

10. E é só isto que o Tribunal Constitucional pode considerar! Tudo o mais que tenha sido dito, que não se reconduza à apreciação dessa enunciada questão de tempestividade do recurso, não se pode ser levado em consideração, deve ser visto «apenas como obiter dictum ou em argumento ad ostentationem, sem que tal consideração tenha tido que ver com a decisão da causa ou tenha constituído, propriamente, fundamento dessa decisão.»[4]

11. E, reforce-se isto, dizendo que não há ali, no Acórdão recorrido, ao contrário do que diz o Acórdão reformando, qualquer fundamento «secundário» que permitisse continuar a «julgar intempestiva a interposição do recurso de revisão».

12. Aquilo que o Acórdão reformando tem como «fundamentação alternativa» levaria a ter a decisão como irrecorrível e, portanto, apenas nesse sentido, o recurso como processualmente inadmissível.

13. Mas aqui o Acórdão reformando (vide pág. 24, 4.º parágrafo), perniciosamente, confunde a noção de inadmissibilidade processual em stricto sensu, i.e., no sentido de irrecorribilidade da decisão, com o não se admitir o recurso por extemporaneidade da interposição! Não pode ser! São questões distintas, são soluções jurídicas distintas, que têm pressupostos distintos!

14. Não há, pois, qualquer «fundamentação alternativa», suscetível de «conduzi[r] de forma autónoma e autossuficiente à solução a que se chega através da via argumentativa a que subjaz o critério normativo impugnado». A solução jurídica não seria a mesma!

15. Não se pode ter como «fundamentação alternativa» do prolatado julgamento de extemporaneidade do recurso a alegada irrecorribilidade da decisão. Isso é um absurdo jurídico!

16. Um recurso cuja interposição se julga extemporânea é sempre um recurso de uma decisão que, necessariamente, se teve como recorrível. A irrecorribilidade da decisão nunca pode ser fundamento alternativo para a decisão de intempestividade do recurso.

17. In casu, sendo o recurso de revisão interposto ao abrigo da alínea h) do art.º 696.º do CPC, o prazo de 60 dias para interposição desse recurso (cfr. art.º 697.º, n.º 2, 2.ª parte, al. b), do CPC) corre desde o «trânsito em julgado» da decisão que, necessariamente, se teve por recorrível. Nenhum prazo de recurso podia estar a correr sobre uma decisão irrecorrível! A lógica jurídica disto é inatacável!

18. Logo a recorribilidade da decisão, é sempre, como in casu sucedeu, um pressuposto processual assente de qualquer decisão de extemporaneidade da interposição de recurso. Isto é, a recorribilidade da decisão, necessariamente, integra a premissa menor do silogismo judiciário da decisão que julga extemporânea a interposição do recurso. Isto é questão que nem pode ser discutida!

19. E, por isso mesmo, porque a premissa menor permanece sempre imutável em face do recurso de constitucionalidade – que é restrito ao critério normativo arguido de inconstitucional (cfr. art.º 71.º, n.º 1, da LTC) a que corresponde a premissa maior –, temos que sempre, em sede de reforma da decisão, o Tribunal recorrido, tendo de manter a premissa menor intocada (cfr. art.º 80.º, n.º 2 e n.º 3, da LTC) terá de continuar a considerar a decisão como recorrível, porquanto foi nesse pressuposto que antes pôde julgar extemporânea a interposição de recurso.

20. Note-se aliás, que a figura da reforma do acórdão pelo Tribunal a quo – que se aplica em sede de recurso de constitucionalidade – tem uma amplitude substancialmente menor (cfr. art.º 80.º, n.º 2 e n.º 3, da LTC), do que seria a da revogação do acórdão, pelo Tribunal Constitucional, para vir a ser prolatada nova decisão pelo Tribunal a quo.

21. Ao Tribunal recorrido apenas é lícito reformar a decisão, na reponderação da premissa maior do silogismo judiciário à luz do juízo normativo prolatado pelo Tribunal Constitucional. É só isto e apenas isto!

22. Efetivamente, o recurso de constitucionalidade é circunscrito à questão normativa (cfr. art.º 71.º, n.º 1, da LTC) ficando, consequentemente, limitado o Tribunal recorrido nos seus poderes de reforma da decisão à consideração do juízo normativo que foi prolatado pelo Tribunal Constitucional (cfr. art.º 80.º, n.º 2 e n.º 3, da LTC) – e que faz caso julgado no processo (cfr. art.º 80.º, n.º 1, da LTC).

23. Ou seja, o Tribunal recorrido pode reformar o Acórdão, sob pena de violar esse caso julgado, para dar cumprimento ao juízo normativo conforme foi prolatado pelo TC (cfr. art.º 80.º, n.º 2 e n.º 3, da LTC) e já não pode fazer uso de outra ratio decidendi ainda que a tenha referido em obiter dictum, sob pena de ser violada a proibição da reformatio in pejus (cfr. art.º 635.º, n.º 5, do CPC)

24. Note-se aliás, como bem diz Maria Fernanda Palma, que «o Tribunal Constitucional pode também controlar a violação do caso julgado que as suas decisões produzem. Tal poder surge como consequência deste efeito de caso julgado» (“O legislador negativo e o intérprete da Constituição” in Anuário Iberoamericano de Justicia Constitucional, n.º 12, 2008, pág. 326). (Também neste sentido Maria dos Prazeres Beleza, “Admissibilidade de um recurso autónomo para o Tribunal Constitucional por violação de caso julgado”, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Coimbra, 2002, pág. 479 e ss.)

25. E, nesta matéria, uma decisão-exemplo do Tribunal Constitucional é a do Acórdão do Plenário sob n.º 340/00, a julgar pela violação de caso julgado (que diz que «a ofensa de caso julgado é de conhecimento oficioso» arrimado no art.º...

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