Acórdão nº 0938/17.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução26 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A…………….”, veio, nos termos dos artigos 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 4 de Maio de 2017, no processo n.º 573/2016-T [que correu termos no Cento de Arbitragem Administrativa (CAAD)].

(Integralmente disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/) 1.2.

Como fundamento da referida interposição, alega que a decisão recorrida está em contradição com o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Junho de 1999 e 29 de Novembro de 2000, proferidos, respectivamente, nos processos 20.839 e 25.580, concretizando essa oposição, em súmula final, nos seguintes termos: «A.

Vem a Recorrente apresentar o seu Recurso com fundamento em Oposição de Acórdãos por oposição da Decisão Arbitral proferida a 04-05-2017 pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído sobre a égide do CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica as liquidações adicionais referidas supra no montante total de € 515.694,63, com: o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no recurso n.º 020839, de 16 de junho de 1999, que teve como Relator o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, com os descritores “SISA. Impugnação de acto de avaliação. Regimes anterior e posterior ao código de processo tributário. Inconstitucionalidade do artigo 97º do CIMSISD. Discricionariedade técnica. Direito ao recurso contencioso”; e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no recurso nº 25.580, de 29 de Novembro de 2000, que teve como Relator o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, com os descritores “Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Isenção. Pessoa Colectiva de utilidade pública. Fins predominantemente científicos. Sindicabilidade contenciosa dos actos administrativos. Exercício de poderes vinculados”.

B.

Ora, Decisão Arbitral não conhece do período de vida útil com fundamento na “discricionariedade administrativa”, o que, em si mesmo, não é fundamento para decidir não decidir acerca do período de vida útil dos aerogeradores eólicos do Parque Eólico de ..............., sendo entendimento da Recorrente que a Decisão Arbitral em causa se mostra contrária à lei e à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Acórdãos fundamento), não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, conforme se passará a expor.

C.

Estava o Tribunal Arbitral obrigado ao conhecimento do período de vida útil dos aerogeradores instalados no Parque Eólico de ..............., atento o contencioso de plena jurisdição e a sindicabilidade de questões que a Administração Tributária, não raras vezes, inclui num conceito lato de “discricionariedade técnica”, pelo que é ilegal a recusa do CAAD em controlar a aplicação de critérios técnicos pela Administração Tributária na aferição do período de vida útil dos aerogeradores do Parque Eólico de ................

D.

Resulta da douta Decisão Arbitral recorrida o seguinte, que se reproduz por facilidade de exposição: “Aproveita-se também para fazer aqui referência à declaração de voto vencido preferida no âmbito do Processo Arbitral n.º 593/2015, cuja exposição se aplaude, “(...) na discricionariedade técnica «stricto sensu» cabe, assim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprios da ciência ou da técnica não jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

(…) Mais especificadamente, se a lei confere à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um tribunal proceder à reponderação dos juízos efectuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação dos conceitos extrajurídicos.

(...) Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pelo Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o proposto pela AT — mas essa avaliação é, e tem que ser irrelevante no caso, porque, insiste-se o estabelecimento por lei de um poder discricionário, como o que foi exercido, veda qualquer possibilidade de razoabilidade entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito”.

E.

No entendimento veiculado, quanto à questão de fundo, pelo Tribunal Arbitral, é indiferente o período de vida útil dos aerogeradores ou o período mais razoável, uma vez que se está no Âmbito de um poder discricionário da Administração Tributária, que veda qualquer possibilidade de apreciação judicial, o que consubstancia uma ilegalidade e, mais do que isso, está em contradição com a jurisprudência dos tribunais superiores.

F.

No que concerne às considerações que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz —, e que foram estranhamente acolhidas pelo Tribunal Arbitral - sobre a impropriamente chamada «discricionariedade técnica», como área de aplicação de critérios de natureza técnica pela Administração pretensamente insindicáveis pelos Tribunais, trata-se de um conceito que se tornou obsoleto com a revisão constitucional de 1989, ao passar a estabelecer no artigo 268º, n.º 4, da CRP a lesividade do acto como critério para aferir da impugnação contenciosa e consequente sindicabilidade pelos tribunais.

G.

Ora, há muito que o Supremo Tribunal Administrativo, na esteira de alguma doutrina e com o posterior apoio do Tribunal Constitucional, se apercebeu do alcance dessa alteração legislativa, como pode ver-se pelo Acórdão de 16-06-1999, proferido no processo n.º 020839, do qual foi relator o Exmo. Senhor juiz Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (Acórdão Fundamento n.º 1), que se cita por comodidade de exposição: Desde há muito que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem uniformemente admitindo o controle judicial de questões de carácter técnico, nos casos em que se detecta erro grosseiro ou manifesto.

Mas, a sindicabilidade dos actos praticados pela Administração que envolvem conhecimentos técnicos avultados, que habitualmente se denominam como praticados no domínio da discricionariedade técnica, deverá ir para além disso.

Na verdade, por força do preceituado no n.º 4 do art. 268.ºda CRP. (n.º 3 na redacção de 1982), não pode deixar de admitir-se recurso contencioso dos actos da administração que afectem a esfera jurídica dos particulares.

Com efeito, este direito ao recurso refere-se a "quaisquer actos" e, por isso, qualquer restrição de tal direito que resulte da lei ordinária será materialmente inconstitucional.

Assim, as únicas restrições a tal direito que se poderão compaginar com tal princípio constitucional serão as que possam resultar da própria natureza dos actos administrativos, designadamente aqueles em que esteja em causa a gestão de interesses públicos conflituantes que caiba à administração ponderar.

A tal sindicabilidade não poderá constituir obstáculo o carácter técnico das questões a resolver, já que, precisamente para permitir a resolução de questões de carácter técnico no âmbito do contencioso administrativo, é que a LPTA, no seu artigo 14º, prevê generalizadamente a possibilidade de intervenção de técnicos.

Esta norma, assim, constitui uma prova evidente da existência de uma intenção legislativa de assegurar a apreciação jurisdicional de matérias de carácter predominantemente técnico.

Por outro lado, a restrição da sindicabilidade dos actos administrativos em que haja aplicação de critérios técnicos aos casos de erro manifesto implica uma subversão prática do princípio da legalidade, constitucionalmente imposto à Administração (n.º 2 do artigo 266º da Constituição) que passaria a traduzir-se, na prática, no dever de não praticar ilegalidades manifestas e correlativo direito de praticar ilegalidades não manifestas, consequência esta que não é compatível com tal norma constitucional.

(...)Assim, tem-se por seguro que os Tribunais não podem recusar ao Interessado a possibilidade de obter um controlo efectivo da aplicação de critérios técnicos pela administração”.

H.

No mesmo sentido, Esteves de Oliveira (in Direito Administrativo, Volume I, página 249): “O facto de o tribunal administrativo não ser perito em matérias técnicos, de ter mais dificuldades do que a Administração na busca do conteúdo de um conceito técnico, de muitas vezes não ter a certeza se o juízo científico do perito por si consultado é ou não mais correcto que o juízo de perícia do órgão administrativo, são, tudo, circunstâncias que se ligam à dificuldade da prova judicial e que nada têm que ver com a liberdade da Administração”.

O que nós sustentamos é que o particular há-de ser admitido — salvo os casos que adiante se referirão — a fazer em tribunal a prova de que o conceito técnico foi mal aplicado pelo órgão administrativo: se, dessa prova resultar, inequivocamente, que a Administração errou ao interpretar o conceito técnico, ou ao subsumir nele os factos da vida real, então o tribunal não pode recolher-se nu sua pretensa incapacidade para recusar a anulação do acto administrativo, e isto porque não existe aí qualquer discricionariedade, como a própria jurisprudência o reconhece”, I.

Em sentido essencialmente coincidente António Francisco de Sonsa (in “A Discricionariedade Administrativa”, páginas 308-309); “Fazendo parte da categoria mais ampla da «discricionariedade imprópria», a doutrina, e a jurisprudência de alguns países, entre os quais de Portugal...

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