Acórdão nº 153/21.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução20 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório M..., cidadão nacional da República da Gâmbia, intentou o presente processo urgente contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), peticionando a anulação da decisão de 16.12.2020 do Diretor Nacional interino do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor e ordenou a transferência do mesmo para a Itália, o Estado-Membro responsável pela sua retoma a cargo.

O TAC de Lisboa, por sentença de 16.02.2021, julgou a acção improcedente.

Com o decidido não se conformando, veio interpor recurso para este TCA, contendo o requerimento de recurso as seguintes conclusões: I. Não obstante o Recorrente não ter alegado em concreto ter sido sujeito a tratamento desumano e degradante, certo é que, logo que lhe foi possível, saiu de Itália e solicitou protecção internacional a Portugal, por força de saber o tratamento a que eram votados os migrantes e peticionários de protecção internacional em Itália; II. Mais, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo pretende que, só em concreto e perante tratamento desumano do Recorrente, poderia verificar que no Estado-Membro responsável pela retoma a cargo ocorreriam falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos Recorrentes de protecção internacional; III. Na verdade, face às reiteradas informações veiculadas por organizações internacionais acerca do tratamento desumano e degradante a que são votados os peticionários de protecção internacional em Itália, resulta que, caso se mantenha a decisão de retoma a cargo para esse Estado Membro, será este igualmente vítima do mesmo tratamento; IV. Assim, deveria o acto deveria ser anulado por força do tratamento degradante e desumano a que são votados os migrantes no Estado Membro designado como responsável pela retoma a cargo; V. Alegou o Recorrente que existia défice instrutório por parte do SEF porque o mesmo não havia instruído o processo com informação sobre tratamento a que são votados os Recorrentes de protecção internacional no Estado Membro; VI. Na verdade, a aliás douta sentença considera a presunção – ainda que não absoluta, como expende a -de que a Itália, como qualquer Estado Membro cumpre as suas obrigações no procedimento de protecção internacional; VII. Assim, laborou, de novo salvo o devido respeito, em erro de julgamento, porquanto desconsidera o que expende acerca das notícias e informações acerca do tratamento de migrantes em Itália e igualmente não reconhece a obrigatoriedade da decisão ser estribada com base em informação actualizada sobre as condições de acolhimento de Itália, existindo claro deficit instrutório; VIII. O Recorrente fundamentou o seu pedido de protecção internacional com no facto de ter sofrido violência física por parte de um familiar; IX. . Desta sorte, Itália, face ao tratamento que tem votado aos migrantes, mais do que provavelmente sujeitará o Recorrente a ser repatriado para o seu país de origem, ficando, por força da factualidade exposta, em perigo de vida; X. Alegado o fundamento do pedido de protecção internacional do Recorrente, encontrava-se o Tribunal a quo obrigado a pronunciar-se sobre tal alegação, o que, manifestamente não fez, pelo que existiu omissão de pronúncia.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

• Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

• Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

• I. 1.

Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se a sentença é nula por omissão de pronúncia; e - Se o tribunal a quo errou ao ter concluído pela manutenção do despacho impugnado, apesar do défice de instrução alegado, o qual determinou também a notificação do requerente de protecção internacional para efeitos da sua transferência para a Itália, por ser este o Estado Membro responsável.

• II.

Fundamentação II.1.

De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: A) O Autor é natural da República da Gâmbia (fls. 1 do processo administrativo); B) Em 28.10.2020 o Autor apresentou pedido de proteção internacional junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (fls. 28 do processo administrativo); C) Anteriormente já havia apresentado pedido de proteção internacional na Itália (fls. 51 do processo administrativo); D) Em 19.11.2020 o Autor prestou declarações no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de cujo auto consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 32 a 39 do processo administrativo): «Imagem no original» E) Em 24.11.2020 o Autor dirigiu ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras um requerimento cujo teor se dá por integralmente reproduzido (fls. 45 e 46 do processo administrativo); F) Em 24.11.2020 o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras formulou um pedido de retoma a cargo do Autor à Itália (fls. 47 a 52 do processo administrativo); G) Em 10.12.2020 o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras comunicou à Itália que, em face da ausência de resposta em duas semanas, considerava que aquele país aceitava a retoma a cargo do Autor (fls. 53 e 54 do processo administrativo); H) Em 16.12.2020 o Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elaborou a informação n.º 2482/GAR/2020, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (fls. 55 a 62 do processo administrativo); I) Em 16.12.2020 o Diretor Nacional interino do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras exarou despacho com o seguinte teor (fls. 66 do processo administrativo): «Imagem no original» • II.2.

De direito O ora Recorrente pretende a anulação da decisão que indeferiu, por inadmissível, o pedido de asilo formulado e que determinou a sua transferência para a Itália, entendendo, por um lado, existir nulidade da sentença por nesta não se ter conhecido de fundamento alegado na petição inicial – risco de vida em caso de repatriamento - e, por outro, existir erro de julgamento pelo tribunal a quo não ter concluído pela existência de deficit instrutório no procedimento.

Vejamos então.

II.2.1.

Da nulidade por omissão de pronúncia Sustenta o Recorrente que existe nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal a quo não conheceu do fundamento alegado de que, em caso de repatriamento para o seu país de origem, ficará em perigo de vida.

A nulidade invocada, atinente à omissão de pronúncia, ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Esta nulidade decisória por omissão de pronúncia, está directamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (correspondente ao artigo 660.º do CPC antigo) de acordo com o qual o tribunal “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”.

Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. Sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. A doutrina e a jurisprudência distinguem, pois, as “questões” dos “argumentos” ou “razões”, para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC (na jurisprudência, v., por todos, o Acórdão do STA de 21.05.2008, proc. n.º 437/07).

Decorre desta interpretação que a sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.

E é também jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT