Acórdão nº 506/08.3BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CARDOSO
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO 1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por C... Comércio de Automóveis, Lda.

contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício fiscal de 2003, no montante total de €434.338,81, todas com data limite de pagamento a 31/01/2008.

  1. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, deduzida por C... Comércio de Automóveis, Soc. Unipessoal, Lda, contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2003, no valor total de € 434.338,81.

    1. O Thema decidendum nos presentes autos prende-se com a questão de saber se no âmbito da liquidação do IVA nas transações intracomunitárias, deveria a AT ter tido em consideração o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo naquelas aquisições de bens, substituindo-se, assim, ao contribuinte no apuramento do imposto, violando o disposto no art.° 19.° e 20.° do RITI a contrario.

    2. Nas transacções intracomunitárias de bens, no apuramento do IVA devido, é obrigatório para o contribuinte a liquidação do imposto devido nas aquisições de bens, mas já é facultativa a dedução desse imposto suportado nas aquisições.

    3. E se o contribuinte não exercer esse direito à dedução do imposto suportado no apuramento do mesmo, não cabe à AT, oficiosamente, exercê-lo, por falta de normas atributivas dessa competência.

    4. Entendimento esse jurisprudencialmente sustentado pelo acórdão do TCA Sul, de 28/10/2003, proferido no processo n° 00229/03, cujas conclusões sufragamos, por ser aplicável mutati mutantis ao presente caso.

    5. A sentença a quo errou na aplicação do direito porquanto não apreciou a questão de saber se os bens adquiridos foram efectivamente utilizados na actividade empresarial do sujeito passivo, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.°s 20.° e 21.° do CIVA.

    6. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito relevante à luz do mecanismo de funcionamento do IVA, uma vez que o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo nos seus inputs constitui uma faculdade deste, e não um dever da AT, em violação do disposto no art.°s 19.° e 20.° do RITI e 19.°, 20.° e 21.° do CIVA.

    7. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida errou ainda ao não avaliar os requisitos objectivos para o exercício do direito à dedução, questões que não foram analisadas na sentença, violando, assim, o disposto nos artigos 19.° e 20.° do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) e art.° 615.° n.° 1 al. d) do Código de processo Civil (CPC).

    8. Cumprido o número 1 do artigo 19.° do CIVA, o IVA suportado a montante em “bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados", só pode ser deduzido se o sujeito passivo realizar as operações previstas nas alíneas a) e/ou b) do número 1 do artigo 20.° do CIVA.

    9. O direito à dedução comporta restrições (art.° 21.° em conjugação com o art.° 20.° do CIVA), que se prendem, por exemplo, com o destino dado aos bens adquiridos (Ex: se os bens foram afectados ao activo fixo tangível do sujeito passivo, ou ao seu uso particular, não será permitida a dedução do imposto).

    10. A douta sentença a quo, decidindo com base em sentença referente a 2004 invocando a existência de caso julgado, incorreu em omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.° 125.° n.° 1 do CPPT e na alínea d) do n.° 1 do art.° 615.° do CPC, bem como violação dos limites do caso julgado previstos no artigo 621° do CPC.

    11. Atento ao exposto, afigura-se a liquidação foi efetuada em cumprimento das normas legais vigentes, pelo que, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar parcialmente procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei, nomeadamente, dos artigos 19.°e 20.° do RITI e 19.°, 20.° e 21.° do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) e art.° 615.° n.° 1 al.d) do Código de processo Civil (CPC).

    Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

    Porém, V. Exas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.» 3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

  2. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso.

  3. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

    * II – QUESTÕES A DECIDIR: O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

    Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença incorre em (i) nulidade por omissão de pronúncia e (II) erro de interpretação de lei, nomeadamente, dos artigos 19.º e 20.º do RITI e 19.º, 20.º e 21.º do CIVA.

    * III - FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: «A) A impugnante tem por objecto o comércio, importação e exportação de automóveis novos e usados, acessórios e equipamento, reparação e montagens de automóveis [cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 305 do PAT em apenso].

    B) No decurso do ano de 2003 a ora impugnante efectuou, no decurso do exercício em apreço, a aquisição de diversas viaturas consideradas usadas, adquiridas na Alemanha, sendo os seus vendedores sujeitos passivos nesse país, e que foram isentas de IVA, tendo o sujeito passivo facultado o seu número de identificação fiscal para efectuar a aquisição automóveis [cf. cópia do relatório de inspecção a fls335 a 467 do PAT em apenso].

    C) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI200706130, com despacho de 09.08.2007, foi despoletado um procedimento de inspecção à sociedade C... Comércio de Automóveis, Lda., de âmbito geral, relativo ao exercício de 2003 [cf. cópia da ordem de serviço a fls. 30 dos autos].

    D) A 16.10.2007 foi assinada a Ordem de Serviço n.° OI200706130, pelo representante legal da impugnante [cf. cópia da ordem de serviço a fls. 30 dos autos e fls. 296 do PAT em apenso].

    E) Por ofício n.° 88365, de 29.10.2007, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, dirigido à impugnante foi remetida notificação do teor do projecto de relatório de inspecção tributária [cf. cópia do ofício a fls. 31 dos autos].

    F) Por requerimento datado de 12.11.2007 foi pela impugnante exercido o direito de audição prévia [cf. cópia do requerimento a fls. 32 dos autos].

    G) A 15.11.2007 foi elaborado o relatório de inspecção tributária onde consta nomeadamente o seguinte: “(…) III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável III.1. Correcções em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) III.1.1 Apuramento do valor do IVA das aquisições intracomunitárias de bens (Campo 10 e 11 da Declaração periódica de IVA).

    Para efeitos do exercício de actividade, o sujeito passivo efectuou a aquisição de diversas viaturas, nomeadamente as consideradas como viaturas usadas, nos termos do artigo 6° do Regime do IVA nas transacções intracomunitárias, aprovado pelo Decreto Lei n°290/92 de 28/12, adiante designado por RITI.

    Pelo disposto na alínea c) do n°1 do artigo 1° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto Lei n° 394-B/84 de 26 de Dezembro, adiante designado por CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

    Nos termos da alínea a) do n°1 do RITI, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n°1 do artigo 2°, agindo como tal quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos de IVA, noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efectue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n°2 do artigo 9°, nem os transmita nas condições previstas nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11°.

    Pela análise dos documentos de suporte das viaturas adquiridas, verifica-se: a) Todas as viaturas foram adquiridas na Alemanha; b) Os vendedores são sujeitos passivos na Alemanha; c) As viaturas adquiridas foram isentas de IVA, conforme menção evidenciada na própria factura, ou evidência de que a venda da viatura foi sujeita à taxa de 0% na Alemanha; d) O sujeito passivo facultou o respectivo número de identificação fiscal, para efectuar a...

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