Acórdão nº 320/21 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Presidente
Data da Resolução18 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 320/2021

Plenário

Aos dezoito dias do mês de maio de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira, Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura (por videoconferência), Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata‑Mouros (por videoconferência), José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro, foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I. Relatório

1. Por decisão de 6 de junho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo CDS – Partido Popular (CDS-PP) relativas à campanha para as eleições para a Assembleia da República realizadas a 4 de outubro de 2015, da qual António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro foi mandatário financeiro [artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].

2. Desta decisão não foi interposto recurso.

3. Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o CDS-PP e contra o mandatário financeiro do Partido pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

4. No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o CDS-PP (Processo n.º 27/2018), por decisão de 12 de dezembro de 2019, a ECFP aplicou uma coima no valor de €5.112,00, equivalente a 12 (doze) Salários Mínimos Nacionais (SMN) de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP.

5. No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro, enquanto mandatário financeiro do Partido (Processo n.º 28/2018), por decisão de 12 de dezembro de 2019, a ECFP aplicou uma coima no valor de €1.278,00, equivalente a 3 (três) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

6. Inconformados, os arguidos recorreram destas decisões para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”)], invocando, no essencial, os mesmos argumentos, que a seguir se sintetizam:

a) o partido não foi notificado de qualquer ordem de serviço ou decisão de designação dos peritos ou técnicos que realizaram a auditoria, o que consubstancia nulidade de todo o processo de inspeção que deu origem ao processo de contraordenação;

b) relativamente à despesa fora do período, houve um lapso na emissão da fatura, quanto à data dos serviços prestados;

c) quanto a faturas com desvio face ao preço razoável dos bens ou serviços prestados, tratou-se de valores cuja fixação o partido não pode influenciar (caso dos CTT) ou resultantes de qualidade, quantidade ou confiança nas relações comerciais;

d) ademais, as despesas foram realizadas em 2015, usando a ECFP tabelas de 2013;

e) o partido esclareceu em tempo as dúvidas quanto às faturas relativas a colocação de outdoors, mini-outdoors, PVC, estruturas e desmontagem;

f) a ECFP foi esclarecida pelo partido quanto aos trabalhos subjacentes à faturação de chapas e, bem assim, quanto à realização de um beberete e almoço-convívio;

g) a atuação de grupo musical foi faturada, mediante pedido do partido, com especificação dos serviços contratados, designadamente, palco, som e todos os equipamentos e ferramentas;

h) as faturas de serviços de transporte dizem respeito à deslocação de militantes em evento realizado no Funchal e a um almoço-convívio em Santo da Serra;

i) o fornecimento de carne e bebidas destinou-se a um convívio de militantes em Chão dos Louros;

j) a despesa com a contratação do artista Juvencio Luyiz foi faturada à sociedade Andamento Produções, que representa aquele;

k) o fornecimento de 42 refeições ocorreu no âmbito de campanha eleitoral;

l) algumas ações e meios de campanha não foram refletidos na rubrica M8, o que se deveu a lapso, mas a despesa foi faturada, bem como indicados os respetivos elementos;

m) não há dolo, o que exclui a punição; e

n) subsidiariamente, deve a punição ser especialmente atenuada;

e pugnando, a final, pela sua absolvição.

7. Recebidos os requerimentos de recurso das decisões de aplicação de coimas, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou as decisões recorridas e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

8. O Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

9. O Ministério Público emitiu parecer sobre os recursos das decisões sancionatórias da ECFP, pronunciando-se pela sua improcedência.

10. Notificados de tal parecer para, querendo, se pronunciarem sobre o respetivo teor, os arguidos nada disseram.

II – Fundamentação

A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

11. A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa Lei – 20 de abril de 2018 (cfr. o seu artigo 10.º) –, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma Lei.

B. Dos recursos das decisões da ECFP sobre a responsabilidade contraordenacional em matéria de contas de campanha

I. Delimitação do objeto dos recursos

12. Como se deixou sintetizado (cfr. item 6., supra), os recorrentes apresentaram a sua pretensão recursória por referência a um conjunto de questões. Verifica-se, porém, que nem todas essas questões correspondem a matéria pela qual foram condenados.

Assim, quanto a despesas fora do período de elegibilidade (ponto 6.-b), supra), as decisões recorridas concluíram no sentido de não se mostrar preenchido o elemento objetivo do tipo.

Relativamente a faturas com desvio de preço, a gastos com colocação de outdoors, mini-outdoors, PVC, estruturas e desmontagem e, ainda, a ações e meios de campanha não refletidos nas contas (ponto 6.-c), d), e) e l), supra), verifica-se que se trata de factualidade levada aos factos não provados das decisões recorridas, a qual, por esse motivo, não foi objeto de censura e correspondente condenação, apreciação que o Tribunal Constitucional não pode discutir nem reverter [artigo 72.º-A, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contraordenações, doravante, «RGCO»)].

Consequentemente, subsistem como objeto de recurso – por corresponderem à matéria relevante para a condenação dos arguidos – apenas as questões que emergem dos pontos 5. (e respetivos subpontos) da factualidade provada na decisão condenatória do Partido (Processo n.º 27/2018) e 6. (e respetivos subpontos) da factualidade provada na decisão condenatória do seu mandatário financeiro (Processo n.º 28/2018), sobre as quais os recorrentes tomaram posição nos termos supra sintetizados em 6.-f), g), h), i), j), k), m) e n).

A matéria de facto e a matéria de direito infra refletem o âmbito do recurso delimitado – isto é, reduzido, face ao que os recorrentes discutiram nas suas alegações – nos termos expostos.

II. Questão prévia da nulidade do procedimento de auditoria

13. Os recorrentes sustentam, em síntese: o procedimento de inspeção foi realizado por certa Sociedade de Revisores Oficiais de Contas (doravante, «SROC»), cuja competência técnica quanto à atividade dos partidos, muito diferente da atividade de empresas, os recorrentes desconhecem; o partido não foi notificado de qualquer ordem de serviço ou decisão de designação dos peritos ou técnicos que realizaram a auditoria, o que consubstancia «a nulidade e, consequentemente, a ilegalidade de todo o processo de inspeção que deu origem ao processo de contraordenação» (cfr. parte I dos respetivos recursos – artigos 1.º a 20.º).

Importa notar que, relativamente à primeira parte das observações sintetizadas – sobre a competência técnica da SROC em matéria de atividade dos partidos –, os recorrentes não assinalam qualquer consequência processual ou substancial da sua exposição. Efetivamente, a suspeita, ademais genérica e não concretizada, é irrelevante para a fixação dos factos e aplicação do direito, que foi autonomamente realizada pela ECFP, no âmbito das suas competências, em momento posterior.

A «nulidade» do procedimento de auditoria por falta de notificação da decisão de designação da SROC em causa não procede, desde logo, por não se verificar o circunstancialismo descrito pelos recorrentes. Como justamente se observa nas decisões administrativas recorridas (cfr. pág. 3 de cada uma delas), «compulsado o procedimento de apreciação de Contas n.º 3/AR/15/2018, verifica-se que consta de fls. 100 a 107 uma comunicação desta Entidade dirigida ao Partido e ao respetivo Mandatário Financeiro, por via dos endereços de correio eletrónico “acmonteiro@cds.pt” e “secretaria-geral@cds.pt”, indicados quer pelo Mandatário Financeiro constituído, quer pelo...

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