Acórdão nº 310/21 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução14 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 310/2021

Processo n.º 400/21

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. Por acórdão proferido em 13 de janeiro de 2021, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, ora reclamante, da decisão de aplicação de medida de coação de prisão preventiva.

O ora reclamante arguiu a nulidade de tal aresto, tendo a mesma sido indeferida por acórdão proferido em 24 de fevereiro de 2021.

Foi então interposto o recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., arguido nos presentes autos e neles melhor identificado, notificado do douto acórdão proferido e improcedência da inconstitucionalidade invocada relativamente à subsunção jurídica e interpretação de norma processual penal, vem, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 280.° n.° 1 b) da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP brevitatis causa), 70° n.° 1 b) e n.° 2, 75.° e 75.°-A da Lei do Tribunal Constitucional bem como da alínea i) do n.° 1 do art.º 61.° do Código de Processo Penal (doravante CPP brevitatis causa), apresentar

RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE

nos termos e com os seguintes

FUNDAMENTOS:

VENERÁVEIS JUÍZES CONSELHEIROS

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Dando cumprimento ao plasmado nos n.os 1 e 2 do art.º 75.°-A da LTC, refere-se que o presente recurso versa sobre uma questão muito simples e objetiva, que contende corri a conformidade constitucional da preterição de pronúncia, em sede de aplicação de medidas de coação, sobre o contexto jurisdicional inerente ao princípio da proteção da confiança legítima, ínsito às relações da administração pública com os cidadãos, para tutelar aquilo que constituiria a expetativa do arguido em como não lhe seria aplicada medida privativa da liberdade, face à confiança que depositou numa mencionada decisão anterior e temporalmente próxima.

Suscitou-se a inconstitucionalidade de tal interpretação normativa, como decorre da douta decisão recorrida, por se defender a não conformidade do decidido à Lei fundamental.

Por forma a recortar o objeto recursório formulou-se tal questão concreta e objetiva, exposta no parágrafo seguinte, suscitada no requerimento de nulidade subsequente ao primitivo acórdão de recurso, remetidos via Citius, a contender com:

A. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica e proteção da confiança legítima, conjugados com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, o entendimento e dimensão normativa do art.º 193.° n.° 1 CPP (ou qualquer outra norma subjacente à aplicabilidade e determinação de medidas de coação!) no sentido de "Na aplicação em concreto de medidas de coação não faz sentido invocar o contexto jurisdicional inerente ao princípio da proteção da confiança legítima, ínsito às relações da administração pública com os cidadãos, para tutelar aquilo que constituiria a expetativa do arguido em como não lhe seria aplicada medida privativa da liberdade, face à confiança que depositou numa mencionada decisão anterior, proferida noutro processo, com decisão temporalmente muito próxima e a contender com factualidade aí mais gravosa, e a uma "perspectiva de continuidade "que daí teria resultado".

Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado no douto acórdão recorrido, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de fevereiro de 2021, a concluir pela legalidade do processado e confirmação da douta decisão previamente proferida.

Tudo em violação dos princípios da legalidade, in dúbio pro reo, da igualdade, da proporcionalidade, da culpa, da segurança jurídica, da proteção da confiança e interpretação das leis, em nome de obediência pensante, sendo violador, desde logo, dos art.ºs 9.º CC e 1.º, 2.°, 13.º, 18.º, 20.°, 32.° n.°s 1 e 10, 202.° n.° 2 e 203.° a 205.° da CRP, para além de diversas normas legais consagradoras de tais direitos e princípios, sejam nacionais ou com consagração e assento em diversos textos de Direito internacional.

Tal questão afigura-se não só relevante como decisiva e essencial para a boa decisão da causa, uma vez que em causa estão direitos, liberdades e garantias do recorrente, constitucionalmente tutelados e aptos a gerar, com a sua violação, danos e sacrifícios decorrentes da execução de prisão preventiva, sendo manifestamente contrário às mais elementares garantias de defesa bem como aos princípios subjacentes a um Direito penal que se queira materialmente justo e processualmente conforme...

Não obstante não ter efeito suspensivo, em sede de alegações corporizar-se-ão os fundamentos do presente recurso em termos a serem os mesmos devida e cabalmente apreendidos por V/ Exas., que, como sempre, não deixarão de fazer a almejada Justiça.

E não se pretende a sindicância da decisão jurisdicional, na dimensão de apreciação da situação concreta dos presentes autos, mas sim a análise de tal dimensão normativa enunciada enquanto regra abstrata tendente a uma aplicação genérica pois não está em causa a interpretação levada a cabo nos presentes autos mas sim em toda e qualquer outra situação similar, entendendo-se que a injustiça se mostrará sempre existente em razão da perduração da concepção que permita tal alteração substancial significativa ao arrepio dos princípios da confiança e segurança jurídicas.

O grande erro na aplicação e interpretação da lei reside numa obsessão pela sua literalidade, sem cuidar da sua teleologia e integração sistemática, sendo tal entendimento estribado que se combate em sede de constitucionalidade, pois, diga-se a verdade em clamoroso auxílio do recorrente, a interpretação da lei em causa é injusta e inconstitucional, ao denegar as mais flagrantes garantias de defesa das pessoas: aplicação de medida de coação coerente com o sistema judicial globalmente considerado e em respeito pela segurança e confiança depositada por qualquer bonus paterfamilias.

Factos mais graves (era mais um crime imputado e o outro era igual!) haviam motivado poucos dias antes, pelo mesmo Tribunal, medidas de coação não privativas da liberdade e factos temporalmente distantes da data do interrogatório, sem qualquer continuidade ou perigo de continuação da atividade criminosa, motivaram a posterior aplicação de prisão preventiva...

Julga-se que a coerência e a dimensão sistemática se mostram colocadas em xeque!

Dúvidas inexistem igualmente da pertinência da questão válida e previamente suscitada (por devidamente identificada a desconformidade constitucional), a qual radica no coração da decisão de mérito proferida e interpretação normativa efetivada em sede decisória.

E adota o arguido postura de crença e confiança no poder judicial e no Tribunal, verdadeiro e efetivo órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos reprimindo a violação da legalidade em observância da lei fundamental, não deixando de aguardar peio provimento do presente recurso! Afinal, stare decisis,..

»»»»» «««««

Destarte,

mui respeitosamente e sempre com o V/mui douto suprimento, se interpõe para o Tribunal Constitucional o competente recurso de tal decisão negativa de inconstitucionalidade, o qual deverá ser admitido, com todas as demais consequências legais.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Marquês de Condorcet e Dante Alighieri, uma alma nobre faz justiça, mesmo aos que a recusam, não deixando de pesar, em balanças diferentes, os pecados dos homens dissimulados e os dos sinceros! Todavia, nunca esquecendo que, acompanhando Anatole France

A justiça é a sanção ds injustiças estabelecidas!»

3. O despacho de não admissão, proferido em 6 de abril de 2021, tem o seguinte teor:

«Por acórdão proferido nos presentes autos, em 13 de janeiro de 2021, esta Relação decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A. e, consequentemente, confirmou a decisão proferida pela Mm.ª Juíza de Instrução que o sujeitou à medida de coação de prisão preventiva, após interrogatório judiciai (artigo 144.° do CPP).

O recorrente veio arguir a nulidade do referido acórdão da Relação, invocando contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, bem como omissão de pronúncia.

Versando sobre a nulidade assim arguida, a Relação proferiu, em 24 de fevereiro de 2021, acórdão em que indeferiu o requerimento apresentado pelo recorrente.

Pelo requerimento acima identificado, o recorrente A. vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão que a Relação proferiu em 24 de fevereiro de 2021.

Invoca que interpõe o recurso nos termos do artigo 70.°, n.os 1, alínea b), e 2 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante LTC), alegando que tal sucede na sequência de ter sido notificado do acórdão proferido em 24 de Fevereiro de 2021 e da improcedência da inconstitucionalidade invocada relativamente à subsunção jurídica e interpretação de norma processual penal, sendo que o seu recurso versa sobre uma questão muito simples e objetiva, que contende com a conformidade constitucional da preterição de pronúncia, em sede de aplicação de medidas de coação, sobre o contexto jurisdicional...

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