Acórdão nº 307/21 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução14 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 307/2021

Processo n.º 1124/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»): (i) do acórdão proferido por aquele Tribunal em 24 de outubro de 2020, que negou provimento ao recurso interposto pelo aqui recorrente, confirmando assim a respetiva condenação pela prática de um crime de violência doméstica; e (ii) do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação, em 18 de novembro de 2020, que desatendeu a reclamação apresentada pelo recorrente, concluindo pela «inexistência de qualquer nulidade […] ou qualquer outra irregularidade processual» naquele primeiro aresto.

2. Através da Decisão Sumária n.º 46/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. Conforme relatado supra, são duas as decisões objeto do presente recurso: (i) o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 24 de outubro de 2020, que negou provimento ao recurso interposto da sentença condenatória proferida em primeira instância; e (ii) o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 18 de novembro de 2020, que desatendeu as nulidades e irregularidades imputadas àquele primeiro aresto.

O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, norma segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Segundo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Não incumbindo ao Tribunal Constitucional sindicar o resultado da atividade ponderativa e subsuntiva própria das instâncias, nem a estas se substituir na apreciação dos factos materiais da causa, na definição da correta conformação da lide e/ou na determinação da melhor interpretação do direito ordinário (cfr. Acórdão n.º 466/16), os seus poderes de cognição, para além de circunscritos à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada, apenas podem ser exercidos sobre normas jurídicas, tomadas com o sentido objetivamente extraível do preceito que as consagra ou com aquele que, sendo ainda expressão do critério heterónomo de decisão que nelas se contém (cfr. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum (cooperação ou antagonismo?)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 209, nota 12), a decisão recorrida lhes houver especificamente associado.

4. De acordo com o requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende ver apreciada a conformidade constitucional do «entendimento normativo» dos artigos 374.º, n.º 2, e 428.º, ambos do Código de Processo Penal «no sentido de que, em sede de recurso, o acórdão se pode limitar a afirmar, em termos genéricos, que não procedem os argumentos do Recorrente, acolhendo, sem mais, a qualificação jurídica da l.a instância, sem proceder a qualquer apreciação concreta dos argumentos invocados nessa sede pelo Recorrente».

Assim delimitado, o objeto do recurso não reveste carácter normativo.

Ao invés de identificar uma norma ou um citério normativo suscetível de fiscalização por parte deste Tribunal, o recorrente atribui diretamente ao acórdão recorrido a violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição, pretendendo, na verdade, que este Tribunal se substitua ao Tribunal recorrido na resposta à questão de saber se a fundamentação constante do primeiro dos dois acórdãos recorridos deve ou não ser considerada suficiente, tendo em conta a amplitude dos argumentos articulados no recurso interposto da sentença proferida em primeira instância.

Sucede que tal pretensão não tem lugar no âmbito de um sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade de natureza estritamente normativa, como é aquele que se encontra acolhido no artigo 280.º, n.º 1, da Constituição. Por força do caráter estritamente normativo de tal sistema, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais (cf. Decisão Sumária n.º 23/2017). Nestes termos, o objeto do recurso interposto nos presentes autos é manifestamente inidóneo, o que obsta à respetiva admissibilidade.

5. Mas este não é sequer o único fundamento com base no qual se impõe concluir pela inadmissibilidade legal do recurso.

É que, se no primeiro acórdão o Tribunal recorrido não fez sequer aplicação dos artigos 374.º, n.º 2, e 428.º, ambos do Código de Processo Penal, já no segundo considerou, de forma expressa, que o aresto anterior procedera à análise de todos os pontos invocados no recurso pelo recorrente, afastando qualquer omissão de pronúncia quanto aos «argumentos invocados nessa sede pelo Recorrente». O que sempre obstaria ao julgamento do presente recurso por falta de utilidade.

Justifica-se, por tudo o exposto, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admitiu o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

3. Inconformado com tal...

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