Acórdão nº 0325/20.9BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1. A……….., SA (A……….., SA), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 10.12.2020, que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença do TAF de Sintra, de 24.07.2020, a qual, por sua vez, julgou a acção administrativa de contencioso pré-contratual por si intentada parcialmente procedente.

Na mencionada acção de contencioso pré-contratual foi demandada a ESPAP- Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP (ESPAP, IP) e indicadas como contra-interessadas a B…………, SA (B…., SA); a C………., SA (C……., SA), a D……….., SA (D…………, SA), a E……….., SA (E…………, SA), e a F………., SA (F………, SA).

A B……., SA, e a C………, SA, apresentaram candidatura ao concurso em agrupamento. Também a D………., SA, e a E………., SA, se agruparam apresentando uma candidatura conjunta.

Em causa está um concurso público limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança.

  1. Inconformada, a A…………, SA, recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. alegações – sem paginação no processo físico): “I - A questão que se coloca na presente revista é a de saber se, face às especificidades resultantes do regime do exercício da atividade da segurança privada estabelecido pela Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, nomeadamente considerando os requisitos (no que toca a instalações e a meios) que são exigidos para a obtenção do alvará, a proibição absoluta da sua transmissibilidade e as condições a obedecer obrigatoriamente na execução dos serviços (nomeadamente a obrigatoriedade de vínculo direto entre a entidade prestadora dos serviços e a entidade adquirente), podem concorrer aos procedimentos de contratação pública empresas de segurança privada em agrupamento sem que este seja titular de alvará para esse exercício.

    II.

    A questão é complexa exigindo a concatenação de dois diplomas, o Código dos Contratos Públicos e a Lei da Segurança Privada; III.

    Apresenta novidade, não tendo ainda sido apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo; IV.

    E é suscetível de se repetir em casos futuros, nomeadamente, sempre que sejam lançados concursos para a prestação de serviços de segurança privada.

    V.

    Estão, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150º n.º 1 do CPTA, pelo que deverá a mesma ser admitida.

    VI.

    Outra questão suscitada na presente revista é a de saber se, tendo em consideração o princípio da concorrência que proíbe toda e qualquer prática suscetível de impedir, restringir ou falsear a concorrência, empresas que atuam no mesmo mercado e que, por isso, competem entre si, se podem agrupar e apresentar proposta única a um procedimento de contratação pública com a inerente e inevitável troca que entre ambas ocorrerá de informações em matéria de preços, custos, margens, etc. permitindo que cada uma delas infira o comportamento da outra em futuros procedimentos a que concorram individualmente, adaptando o seu próprio comportamento futuro em função disso.

    VII.

    Esta questão é igualmente uma questão nova e complexa na medida em que para a sua resolução é necessário analisar o CCP e o direito nacional e comunitário da concorrência; VIII.

    E é igualmente suscetível de se repetir em casos futuros, nomeadamente, sempre que sejam lançados concursos para a prestação de serviços de segurança privada.

    IX.

    Estão, por conseguinte, também quanto a esta questão, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150º do CPTA.

    X.

    O ACE é uma pessoa coletiva distinta dos respetivos membros (cf. Lei n.º 4/73 Base IV).

    XI.

    Os serviços de segurança privada não poderão ser prestados pelos membros do ACE porquanto a Lei da Segurança Privada impõe que o prestador dos serviços de segurança privada esteja vinculado diretamente à entidade adquirente desses serviços mediante contrato escrito (cf. artigo 38º n.º 3 da Lei da Segurança Privada) pelo que, sendo os contratos de prestação de serviços de segurança privada celebrados com o ACE, não podendo ser de outra forma porque é o ACE o cocontratante do Acordo Quadro, os serviços não poderão ser prestados pelos membros do ACE.

    XII.

    Não sendo o ACE, ele próprio titular de alvará, não poderá prestar serviços de segurança privada.

    XIII.

    Os alvarás de que sejam titulares os membros do ACE não se transmitem ao ACE (cf. artigo 51º n.º 6 da Lei da Segurança Privada) pelo que não sendo o ACE titular de alvará, não está legalmente habilitado a prestar serviços de segurança privada.

    XIV.

    O ACE não poderá utilizar as instalações, a central de receção e monitorização de alarmes e o pessoal (e respetivos uniformes) dos seus membros para prestar os serviços de segurança privada.

    XV.

    Do exposto decorre que, a manter-se o Acórdão recorrido: - Ou os serviços de segurança privada serão prestados pelo ACE sem alvará e através do uso das instalações e meios materiais e humanos dos seus membros; - Ou os serviços de segurança privada serão prestados pelos membros do ACE que não celebraram os contratos de prestação de serviços de segurança privada com as entidades adquirentes.

    XVI.

    Em qualquer das situações, é violada a Lei da Segurança Privada.

    XVII.

    A Lei da Segurança Privada impõe, assim, decisão contrária à que foi proferida pelo tribunal a quo.

    XVIII.

    Não pode ser permitida a prestação de serviços de segurança privada em violação da Lei da Segurança Privada.

    XIX.

    O artigo 54º do CCP não pode ser interpretado isoladamente sem ter em consideração a unidade do sistema jurídico e, concretamente, a Lei da Segurança Privada e as vinculações nela estabelecidas, devendo ser rejeitada toda e qualquer interpretação do artigo 54º do CCP que conduza a uma solução violadora da lei que seguramente não é o resultado pretendido pelo legislador (cf. artigo 9º do Código Civil).

    XX.

    O artigo 54º do CCP tem, pois, de ser interpretado em harmonia com a Lei da Segurança Privada, não podendo ser permitido o acesso a concursos para a prestação de serviços de segurança privada por agrupamentos de empresas sem que tais agrupamentos estejam munidos do competente alvará, a aferir desde logo no momento da apresentação da candidatura ou da proposta (cf. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2011, págs. 490 a 496, Acórdãos Tribunal Central Administrativo Sul de 07-11-2013, proc. 10404/13 e de 11-07-2018, proc. 2574/17.8BELSB, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-05-2018, proc. 01093/17.7BEAVR).

    XXI.

    As candidaturas apresentadas pelos Agrupamentos B…….- C…….. e D…….-E……… deveriam ter sido excluídas por aplicação analógica do artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP.

    XXII.

    A decisão de qualificação dos Agrupamentos B…….- C……… e D……….- E……….. é ilegal por violação do disposto nos artigos 4º n.º 1, 14º n.º 1 e 2 e 51º n.º 6 da Lei 34/2013 e do artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP.

    XXIII.

    E é, ainda, ilegal, por violação das mesmas disposições legais, a norma do programa do Concurso ínsita no artigo 10º n.º 1.

    XXIV.

    Ao decidir em sentido contrário, violou o Acórdão recorrido as disposições dos artigos 4º n.º 1, 14º n.º 1 e 2, 38º n.º 3 e 51º n.º 6 da Lei 34/2013 e o artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP.

    XXV.

    As normas de contratação pública de direito interno devem ser interpretadas de forma consistente com o direito europeu e com o princípio fundamental da concorrência.

    XXVI.

    As normas concorrenciais europeias e nacionais opõe-se a práticas adotadas entre empresas concorrentes de troca de informações estratégicas, designadamente, mas não exclusivamente, relativa a preços, custos e margens.

    XXVII.

    A adoção, no âmbito da contratação pública, de práticas anti concorrenciais, isto é, suscetíveis de impedir, limitar ou restringir a concorrência, constituirá violação direta do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9º da Lei da Concorrência.

    XXVIII.

    Um dos comportamentos proibidos a que a Comissão Europeia alude expressamente nas suas Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado publicadas no Jornal Oficial C11 DE 14/01/2011 é a troca de informações entre empresas concorrentes (parágrafos 55 e seguintes).

    XXIX.

    A participação num procedimento de contratação pública, de duas ou mais empresas concorrentes – isto é, empresas que atuam no mesmo mercado relevante – em regime de agrupamento, envolve a realização de práticas proibidas pelo que essa participação não pode ser permitida; XXX.

    Sendo essa a única interpretação da Diretiva 2014/24 (respetivo artigos 2.º n.º 10 e 19.º n.º2) e do CCP (respetivo artigo 54.º) consentânea com o principio da concorrência.

    XXXI.

    Com efeito, empresas concorrentes que integram um agrupamento para desta forma participarem num procedimento de contratação pública terão forçosamente que trocar entre si informações estratégicas para elaboração da proposta, nomeadamente, da proposta de preço.

    XXXII.

    A apresentação de proposta em regime de agrupamento significa a troca de informações entre operadores económicos sobre preços e sobre a forma como tais preços são construídos, nomeadamente, que custos e margens são considerados para a sua formação.

    XXXIII.

    Os membros dos Agrupamentos aqui em causa irão intercambiar informações sobre a sua política de preços, sobre os custos que consideram na formação dos preços, sobre a margem comercial a que atendem na construção dos preços, sobre eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que pratiquem e sobre quaisquer outros elementos relevantes no seu processo de formação dos preços.

    XXXIV.

    E uma vez efetuada tal troca de informações, decidirão em conjunto os preços que irão propor, os custos que irão considerar e qual o valor dos mesmos, a margem comercial que irão praticar e os eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que irão praticar.

    XXXV.

    E isto...

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