Acórdão nº 542/14.0T2STC-B.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO NUNES DA SILVA
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I AA e BB intentaram acção declarativa de condenação com processo comum contra CC, DD e EE, pedindo que: a) se declare que se constituiu por usucapião uma servidão de vistas que onera o prédio descrito sob o nº ..../....1010 da freguesia de ..... na Conservatória do Registo Predial de ....., a favor do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob a ficha nº ..../.....1125 da freguesia de ....., incidindo sobre a estrema norte do prédio dos RR e numa extensão correspondente à das duas janelas existentes na fachada tardoz a sul do prédio dos AA, cada uma delas com a largura de 1,40 m e a altura de 0,60m, servidão essa com efeitos retroactivos a Junho de 1977; b) se condenem os RR a demolirem na sua totalidade o muro que construíram, ou, subsidiariamente a este pedido, c) se condenem os RR na demolição do referido muro na dimensão integral do enfiamento das janelas de forma a salvaguardar a função e conteúdo da servidão de vistas; d) se condenem os RR a repor a situação do prédio dos AA tal como ela estava antes de .. de Agosto de 2013, devendo reparar os danos causados à parede tardoz do mesmo prédio, designadamente rebocando a parede tardoz, pintando-a em cor igual à cor do prédio, e reparar os danos causados nas janelas e respectivos peitoris e caixilharias; e) se condenem os RR a absterem-se de instalarem ou construírem qualquer equipamento ou edificação que tape as janelas abertas na parede tardoz do prédio dos AA., ou que medeie menos de metro e meio das referidas janelas e na extensão delas; f) se condenem os RR a pagarem aos AA a quantia de € 10.000,00 a título de compensação por danos morais; g) se condenem os RR. a pagar aos AA. a quantia de € 5.500,00, acrescida de uma quantia não inferior a € 500,00 por cada mês que o A. marido estiver impedido de usar de forma completa e livre a sua oficina sita no R/C do prédio sub judice, h) se condenem os RR a pagar aos AA a quantia de € 250,00, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, com custas e as demais consequências legais; i) se condenem os RR, ex vi do art. 829º-A CCiv, na sanção pecuniária compulsória de € 200,00 por dia, a contar do trânsito em julgado da decisão a proferir e até à data de cessação da lesão dos direitos dos AA..

Os RR. contestaram.

Foi admitida, por despacho de 21-04-2015, nos termos dos arts. 321º e 322º, nº2, do CPC, a intervenção do Município de ....., que também ofereceu contestação.

Teve lugar audiência prévia, na qual se proferiu despacho saneador, se definiu o objecto do recurso e se elencaram os seguintes temas de prova: «1. Data da abertura e da ampliação das janelas em causa, sua localização por reporte ao prédio dos AA. e dos RR e forma como têm sido utilizadas em termos objetivos e subjetivos, e respetivos intervenientes.

  1. Dimensões iniciais das janelas e consequentes das obras.

  2. Da previsão da ampliação das janelas no pedido de licenciamento e termos e alcance do putativo deferimento.

  3. Da visibilidade proporcionada pelas janelas, antes e depois das obras dos AA..

  4. Da construção de muro, pelos RR., características/bondade da mesma e sua repercussão no prédio dos AA. e na visibilidade permitida pela janelas em causa.

  5. Se e em que medida a construção do muro em causa teve repercussões no estado anímico e de saúde dos AA., e bem assim na sua vida familiar e profissional.» Foi realizada uma perícia, sendo apresentado nos autos o respectivo relatório em 22-08-2017.

    Após as ocorrências que os autos principais (a que pedimos acesso electrónico) documentam, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de ......, relativamente aos despachos de 13-06-2109 e 28-06-2019, com formulação das seguintes conclusões: «1.- A decisão de aceitar o orçamento de fls. 544 é errada e viola caso julgado.

  6. - Em 10/11/2017 os Senhores Peritos juntaram aos autos esclarecimento datado de 04/11/2017 onde se pode ler “a dimensão do segmento a destruir depende de equipamento disponível e não deve ser inferior à medida de um tijolo (30cmx20cm), sendo que este teste deve ser efectuado ao nível do pavimento e no mínimo em três pontos distintos”.

  7. - Por despacho de 14/11/2018 o tribunal recorrido fixou como objecto das obras a orçamentar aquilo que os Peritos indicaram no esclarecimento datado de 04/11/2017, ao determinar que Aquando dos esclarecimentos apresentados em 04.11.2017, o colégio de peritos referiu que a dimensão do segmento a destruir não deve ser inferior à medida de um tijolo (30 cm x 20 cm), e que a intervenção deve ocorrer ao nível do pavimento e no mínimo em 3 pontos distintos.

    Ou seja, já estão definidos os parâmetros da abordagem e os Senhores peritos dão nota de que renovaram o pedido de orçamento à empresa que indicaram (Filigalva, Construção Civil, Ldª), pelo que já se mostram satisfeitas as pretensões formuladas pelos AA no referido requerimento.

  8. - Este despacho de 14/11/2018 não foi objecto de recurso pelo que transitou em julgado, tendo sido notificado às partes em 19/11/2018.

  9. - Em 04/12/2018 os AA pediram a prorrogação por 30 dias do prazo para entregarem orçamentos alternativos, o que foi deferido por despacho de 21/03/2019, notificado em 29/03/2019, mas logo por despacho de 23/04/2019 (ou seja, antes de findo o prazo prorrogado, o que acontecia em 07/05/2019 atentas as férias judiciais de Páscoa) o Tribunal recorrido deu 10 dias aos AA para juntar os orçamentos alternativos, o que foi notificado em 29/04/2019.

  10. - A empresa Filigalva haveria de escusar-se a realizar o trabalho, o que foi admitido pelo mesmo despacho de 21/03/2019.

  11. - Em 07/05/2019 os AA voltaram a pedir a prorrogação do prazo por trinta dias, o que foi deferido por despacho de 14/05/2019, notificado a 20/05/2019.

  12. - Os peritos juntaram aos autos em 09/05/2019 orçamento da empresa In Extremis que apresenta um orçamento de €1.250,00 antes de IVA para realização de trabalhos descritos no mesmo como sendo diferentes dos fixados no despacho de 14/11/2018 transitado em julgado.

  13. - Consequentemente os despachos de 13/06/2019 e 28/06/2019 ao aceitarem o orçamento daquela empresa In Extremis violaram o despacho de 14/11/2018, transitado em julgado.

  14. - Tais despachos são assim nulos por ofensa de caso julgado, visto que o referido despacho de 14/11/2018 tem força obrigatória no processo, nos termos do disposto no art. 620º/1 CPC, tanto mais quanto aquela primeira decisão não enferma de erro de julgamento.

  15. - Para além de serem tais despachos nulos por ofensa de caso julgado, o despacho de 28/06/2019 é ainda nulo nos termos do art. 615º/1/d) CPC.

  16. - Era estrita obrigação do Tribunal recorrido apreciar se o orçamento apresentado cumpria os requisitos fixados pelo peritos e pelo próprio Tribunal para a realização da diligência, e é meridianamente claro que não cumpria.

  17. - E quando os recorrentes deram conta ao Tribunal em 19/06/2019 que os orçamentos por eles pedidos em obediência ao despacho de 14/11/2018 não podiam ser comparados com o orçamento de fls. 544 por respeitarem a trabalhos diferentes o despacho de 28/06/2019 não aprecia essa questão, enunciada desde logo nos pontos 3 a 12, inclusive.

  18. - E por isso incorreu o despacho de 28/06/2019 na nulidade prevista no art. 615º/1/d) CPC.

  19. - Os Recorrentes ainda ponderaram no requerimento de 19/06/2019 a possibilidade de os Peritos terem mudado a opinião (o que sempre esbarraria no despacho de 14/11/2018) mas nesse caso requereram que lhes fosse concedido novo prazo para obterem orçamento comparável, porque respeitante a menos trabalhos que os inicialmente considerados necessários.

  20. - O tribunal cometeu um erro de julgamento ao indeferir a concessão do novo prazo.

  21. - Se é certo que a apresentação de orçamentos pelos AA não esteve dependente de orçamento de terceiros, a verdade é que manda a boa fé que a comparação de preços que se visava com a apresentação de orçamentos por parte dos Recorrentes tenha de partir de uma igualdade de situações, de uma igualdade dos trabalhos a realizar, como requerido a 19/06/2019, e nem o requerimento dos AA de 18/02/2019 diz coisa diversa.

  22. - Errou pois o despacho de 28/06/2019, por violação do princípio da boa fé, que consiste na consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos.» Concluíram pedindo a revogação dos mencionados despachos.

    No Tribunal da Relação de ...... foi proferido acórdão que julgou a apelação improcedente.

    Inconformados, interpuseram os AA. recurso de revista para este Supremo Tribunal, concluindo o seguinte: «1.- Haverá que rectificar a menção a um despacho datado de 04 de Novembro de 2018, feita no relatório do acórdão, uma vez que não há qualquer despacho proferido em 04 de Novembro de 2018, julgando os Recorrentes que o acórdão quis referir-se ao despacho de 14 de Novembro de 2018.

  23. - Na fase da fundamentação de facto o acórdão apenas menciona “os antes referidos”, sem que se saiba exactamente a que factos se refere e se são ou não provados.

  24. - No relatório, e antes de mencionar que o Tribunal de 1ª instância proferira os três despachos que transcreve, o acórdão fez diversas afirmações que se prendem com a natureza do processo e identidade das partes e bem assim transcreveu afirmações sem cuidar de indicar a respectiva fonte, pelo que se afigura que tais afirmações não podem pretender a condição de factos fundamentadores do acórdão.

  25. - A matéria de facto atendida, sem que se saiba se considerada provada ou não provada e qual seja exactamente, é claramente insuficiente para fundamentar a decisão tomada.

  26. - Face ao acórdão, a única certeza que há é que o tribunal de 1ª instância proferiu aqueles despachos, e é pois esse o único facto que pode ser considerado provado.

  27. - Não se cuidou de considerar os factos subjacentes aos mesmos despachos, de saber se são ou não verdadeiras as afirmações constantes dos despachos ou se elas correspondem a uma interpretação feita pelo juiz...

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